MAYU繭 – Orpheus

Acaba por se tornar redundante elogiar ou vangloriar regiões que produzem e ajudam a criar bandas de tão elevada qualidade, como a região de Braga. A Ruído Sonoro tem dado destaque a tais grupos musicais devido a novos lançamentos, mas sobretudo à qualidade na produção de música rock, psicadélica e vanguardista.

Ora, os MAYU繭, a não serem confundidos com os vários colectivos japoneses existentes, são um trio de Braga que produz um dos mais intensos e originais trabalhos que a indústria portuguesa teve a sorte de acolher. Os três detêm origens diferentes em dois grupos também eles bracarenses, os Omie Wise e TheVaults, que fomentam a cena minhota a brotar de talento e criatividade.

Os MAYU繭 são Miguel Santos, Fábio Pinto e João Araújo, tendo aqui o seu primeiro lançamento de originais com um polémico Orpheus, que nutre fundamentalmente a importância do silêncio aqui representado quase como se de uma tela cheia de cor se tratasse. Apesar da inexperiência como grupo, tendo-se formado em 2020, em plena pandemia e como um grito de socorro para escapar à letargia e a apatia do momento criativo, os MAYU繭 expandiram-se e sobressaíram-se com um conjunto de oito faixas que nasceram de um desafio dos laboratórios de Verão do Gnration. Com a voz emprestada de José Costa – que lhe acrescenta misticismo e mistério – os bracarenses levam-nos numa jornada quase sôfrega pela solidão e o silêncio, em forma de esperança e rebeldia.

Orpheus é repleto de ambiente e de produções atmosféricas, contendo oito faixas puramente instrumentais, à excepção das introduções ou interrupções necessárias de José Costa. Como disco instrumental que é, esta estreia pode e deve ser interpretado de forma mais aberta do que habitual e não apenas como uma série de trejeitos instrumentais e de arranjos complexos que se complementam. Orpheus é muito mais do que isso, pois consegue criar uma narrativa densa e emotiva, com um quê de alegre, mas sem ser rejubilante ou demasiado feliz. Ora, esta é a maravilha do álbum, o poder unir interpretações, opiniões e pensamentos, que poderão entrar em conflito quanto à narrativa, mas nunca quanto à qualidade musical de um longa-duração cheio e esperançoso, mas também triste e sombrio, em alguns momentos. Notoriamente, esta estreia abre as portas ao experimentalismo e ao psicadélico, excluindo mais e mais o progressivo, o que pode indicar a direcção criativa do trio, doravante.

Com a chancela da gig.ROCKS! na edição e direcção, os MAYU繭 têm tudo para singrar, apesar da complexidade qualitativa que o álbum apresenta. Contudo, estes jovens já nos habituaram a escrever para eles e para os seus fãs, sem desprimor para os restantes, mas respeitando as suas origens e fazendo aquilo que mais lhes agrada. Tanto Omie Wise como TheVaults nos deram isso, portanto, MAYU繭 apenas poderá seguir um caminho ainda mais cheio de texturas e camadas que podem não ser entendidas por todos os fãs convencionais de música. Orpheus é um excelente disco, sobretudo para uma estreia, entreabrindo as portas para o progressivo com “Mnemosine” e “Eureka”, mas mantendo a imagem atmosférica e psicadélica com “Zoi”, “Safíneia”, “Koinonía” e “Profítis”, que explanam mais esta mescla de estilos. Para estreia, tem muito que se lhe diga, já que nos apresenta a estilos inovadores e raros, aqui em Portugal, introduzindo o ouvinte a uma narrativa sombria, mas positiva sem exagerar, e a arranjos muito desenvoltos e complexos sem esquecerem os seus princípios musicais e narrativos.

Autor: João Braga