Gator, The Alligator – Laminar Flow

Estes barcelenses de gema têm-se revelado cada vez mais uma confirmação na música portuguesa, após dois belíssimos primeiros longas-durações, que mostraram uns Gator versáteis, intensos e esfomeados com uma sonoridade diferente e mais direta do que habitual, em solo português. Em 2023, Laminar Flow lança mais uma camada de musicalidade combinada com garage rock, space rock e rock psicadélico, o que confirma a qualidade suprema de uma das bandas a ter em atenção em Portugal.

A criação em Life is Boring da sua mítica personagem Gator com a junção de Demon em Mythical Super Bubble veio criar uma janela de conceptualidade pouco vista no rock português, abrindo todo um conjunto de hipóteses sonoras e de género, que estes Gator parecem e confirmam conseguir apreciar e valorizar, tornando ainda mais impressionante a sua música. De rebeldia, estão eles cheios. Já não surpreende que este quarteto magnífico retire o rótulo de banda-rebelde, pois ser rebelde é mais do que uma atitude, é uma série de experiências, criatividades e criações que resultam neste Laminar Flow. O terceiro disco de originais denota uma polivalência acrescida na execução de um álbum que confirma o progressivo e o stoner rock ao seu repertório criativo, após um Mythical Super Bubble mais experimental nestes dois géneros, e apaga algum do heavy iniciado em Life is Boring.

Em termos conceptuais e líricos, o conceito mantém-se como ideal principal na linha criativa dos Gator, com oito faixas que nos apresentam uma visão inebriada, hiperactiva e tremendamente fantasiosa da chatice de uma vida muitas vezes decepcionante e negativa. Laminar Flow é um êxtase de início ao fim, com uma intensidade volátil e cheia de obstáculos narrativos. “A New Way” e “No Choice” revelam um lado mais excitado e festivaleiro com uma vertente heavy dominante; “Life You Dreamed” é uma faixa de rock rápido e que nos remonta à toxicidade de Mythical Super Bubble, com notas de rock psicadélico; “Morning Light” surpreende pela sua brandura e suavidade, com elementos dos anos 70 instrumentalmente, numa quase pedra de emoções inebriantes, que é controlada pelo vocal e por uma guitarra perfurante; “Hyperfocused” é representativa de uma viagem de rapidez e repleta de rock psicadélico, com elementos mais elétricos e um final instrumental de satisfazer os ávidos de headbanging dos concertos; a faixa homónima é um garage rock de musicalidade anos 90, com elementos sintetizadores e espaciais, o que enriquece a componente instrumental deste disco; e, por fim, “Echoes of Death” é quase um afugentar de tendências com o space e o experimental, quase à Pink Floyd, a dominarem as modas de uma faixa longa de sete minutos e que fecha um disco que representa uma viagem ao nosso íntimo e que encerra um ciclo iniciado em “A New Way”;

Laminar Flow explora novas tendências e estéticas enquanto confirma a polivalência dos Gator, neste novo espaço conceptual mais positivo e inebriante. O garage rock, o space rock, o psicadélico, o progressivo, o stoner e o heavy estão bem presentes, uns mais do que outros, mas a confirmação de que os rótulos para os Gator pouco lhes dizem é mais do que revelador neste terceiro álbum de originais, que poderá ser o mais maduro da discografia do jovem grupo. É um disco de grande qualidade e confirmador do valor do grupo iniciado há meia década, mas que já parece andar nestas andanças há muito mais tempo. A viagem ainda está a começar para o quarteto barcelense que detesta rótulos e adora experimentar os diversos géneros musicais que lhe apraz. Sem delongas, Laminar Flow inicia uma ruptura com o negativismo para nos fornecer uma jornada tóxica e envolvente no íntimo humano, com um apoio tremendo de uma produção musical mais evoluída, uma narrativa intensa, desempenhos impecáveis e uma sonoridade cada vez mais madura.

Autor: João Braga