Banda: Ulver
Álbum: Blood Inside
Data de Lançamento: 6 de Junho de 2005
Editora: Jester Records
Género: Experimental/Avantgarde
País: Noruega
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Membros
Kristoffer Rygg – Voz, Programação
Tore Ylwizaker – Teclados, Programação
Jørn H. Sværen – Vários
Membros Convidados
Bosse – Guitarra Solo em “For The Love Of God”
Czral – Bateria em “Operator”
Jeff Gauthier – Violino em “Your Call”
Havard Jorgensen – Guitarra em 3 temas
Mike Keneally – Guitarra em “Christmas” e Solo em “Operator”
Andreas Mjos – Vibrafone em “Blinded By Blood” e “In The Red”
Maja Ratkje – Coro em “Your Call”
Knut Aalefjaer – Bateria e Percussão em 3 temas
Alinhamento
01. Dressed In Black
02. For The Love Of God
03. Christmas
04. Blinded By Blood
05. It Is Not Sound
06. The Truth
07. In The Red
08. Your Call
09. Operator
Para falar do Blood Inside, é preciso contar um pouco da história dos Ulver. E falar de Ulver é falar em quase 2 décadas de carreira. Esta entidade começou por se revelar um dos mais sonantes e inovadores nomes da mítica explosão do Black Metal na Noruega, mostrando-se mais criativa e gravando 3 álbuns em anos consecutivos entre 1995 e 1997. Esses 3 álbuns pouco devem uns aos outros, já que o primeiro Bergtatt – Et Eeventyr i 5 Capitler apresentou o shoegaze ao black metal, o Kveldssanger foi mestre de cerimónia ao folk acústico e pagão e Nattens Madrigal – Aatte Hymne til Ulven i Manden a única obra de black metal cru e duro, que fecha a trilogia. A partir daí, há outros Ulver – rompe-se a ligação ao black metal puro e alimenta-se o bicho experimental e inovador. Themes From William Blake’s The Marriage Of Heaven and Hell diz olá ao mundo com o nome de Ulver, com o génio de Ulver, mas já fora do som habitual de Ulver. 1998 foi o ano de viragem da carreira dos noruegueses e Kristoffer Rygg foi o homem do leme que então perdera membros da sua tripulação, mas conseguindo igualmente novos marujos para a sua viagem. O EP Metamorphosis é o pico da fase electro-experimental de Ulver, abrindo o apetite para o consequente Perdition City. Este pragmático álbum é outro marco da sua carreira, já que a partir daqui Rygg e companhia se iriam fundamentar na música ambiental e no toque psicadélico que era possível acrescentar. Os EPs e as Bandas Sonoras que os seguiram são fruto do virtuosismo da banda que chega a 2005 com Blood Inside nos braços. Shadows Of The Sun chegaria 2 anos depois, mas esse capítulo já não conta para a experiência do álbum que aqui vai ser analisado.
Aquele que é, talvez, o menos apreciado álbum do grupo é então alvo da atenção da Ruído Sonoro. Conceptual ou não, este álbum apresenta pelo menos a meu ver um enorme potencial de interpretação múltipla. Devo dizer que não é um álbum de fácil digestão para quem ainda acredita nuns Ulver do metal. A nova realidade e faceta de Kristoffer Rygg (outrora mais conhecido por Garm) deve custar imenso aos fãs da primeira onda deles. O Rygg que outrora foi membro de Arcturus e Borknagar, é actualmente mestre da cena ambiental de Ulver e do rock de Head Control System. Em conta também a negação em tocar ao vivo em mais de uma década, terminando assim esse período em 2008 com actuações pelos Æthenor. Rygg é agora membro activo e dedicado aos espectáculos ao vivo dos seus Ulver e constante músico convidado por outras bandas como The Gathering, Solefald, Sunn O))), Ava Inferi, Ihsahn, Star Of Ash ou, mais recentemente, Dimmu Borgir. É necessária a menção de todos estes aspectos para entender a criatividade/intenção de Kristoffer Rygg neste Blood Inside. É por tudo isto que o Blood Inside se revela o patinho feio, pois pouco tem em comum com tudo o que foi referido.
Uma autêntica banda sonora dos nossos problemas mais graves. A quem os tem, é um óptimo analgésico conseguir identificar os nossos problemas em música e identificar algo que nos parece compreender. A temática do álbum chega a ser um gore disfarçado, mas é inegável a situação claustrofóbica que algumas temas/momentos nos remontam. É uma autêntica viagem sem revisor, onde estamos pela nossa conta. A única voz que devemos e podemos seguir é a de Rygg, que através das suas letras parece encontrar as soluções dos nossos problemas com frases e citações que nos fazem pensar. É o nosso álbum de memórias fotográficas da nossa questão, seja essa por escassez de crenças ou por conflitos interiores e ético-morais. Blood Inside sabe esmiufar a nossa mente e cabe a nós sabê-lo interpretar da melhor maneira que certamente não é a mais fácil. Citando a primeira linha da letra do tema ‘It Is Not Sound’:
“For the record, No one will understand what it is about”
Musicalmente falando, toda a influência actual de Ulver pode ser encontrada em excertos deste álbum. Alguns temas demonstram enorme virtuosismo, outros mostram um pouco de composição clássica e psicadélica. Em momentos específicos do álbum é fácil identificar a corrente inspiradora de Rygg e companhia, como a passagem de freejazz de carácter psicadélico em “In The Red”. Alguns processos elementares do pós-rock de Sigur Rós, Godspeed You! Black Emperor ou A Silver Mt. Zion também podem ser encontrados ao longo do álbum, assim como a habitual fonte de inspiração proporcionada pelos Coil. “Dressed In Black” revela-se um bom tema de abertura, escavando aos poucos até à nossa mente de um modo apocalíptico e pouco discreto, indo cada vez mais ao centro da questão à medida que se vão adicionando instrumentos no tema. “For The Love Of God” já parece ser o primeiro capítulo do nosso raciocínio e Christmas já produz alguns momentos hipnotizadores. Curiosa a utilização da obra de Fernando Pessoa para a letra deste tema, que parece ser óptima ligação com este álbum tal é a sua psicologia. Até ao fim de “Blinded By Blood”, o álbum parece indo aos poucos chegando ao nosso núcleo mental de forma mais relaxada e a partir desse momento somos teleguiados e bombardeados com os temas mais directos e eficazes do álbum. “It Is Not Sound”, cujo momentos finais remontam à obra clássica de Johann Sebastian Bach, começa a retirar-nos alguma lucidez e parece levar-nos ao consumo de substâncias alucinógenas. “In The Red”, como já foi dito, tem o seu quê de música psicadélica e “Your Call” inicia o fecho do conceito do álbum, sendo um tema calmo e perfeita introdução para “Operator”, cujos momentos caóticos celebram o virtuosismo ocasional de Radiohead. Toda a energia e intensidade contidas ao longo dos temas são então totalmente expelidas e libertadas neste tema e já vale a pena comprar o álbum só para escutar a transição de “Your Call” para esta última música que é então o culminar de todas as questões colocadas anteriormente e a sua letra leva-nos a encontrar a resposta dentro de nós. Não é cliché, é interpretação.
Todos os toques minimalistas dos temas não são mero acessório, pois é totalmente intencional todos os pequenos introduzidos nos temas. A progressão de acordes, as melodias, as múltiplas vozes de Rygg sobrepostas e simples passagens electrónicas reforçam o vanguardismo musical de Blood Inside. Todos os convidados para este álbum têm o seu propósito e os pontos a meter nos “i”s do álbum em todas as passagens de música rock, jazz, industrial, electrónica e clássica. Esta é a psicanálise aplicada ao álbum levam a crer que Sigmund Freud seria fã desta obra se fosse do nosso tempo e, apesar de muito contestado, este álbum é também uma banda sonora da vida de muita gente. Para outros, não funciona assim e o álbum acaba no esquecimento se não for interpretado da melhor maneira. Felizmente, faço parte do primeiro lote. Há que insistir nisto, já que a recompensa pode vir a ser fantástica. Em nota aos menos atentos, os Ulver vão estar em Portugal no próximo dia 5 de Novembro para concerto na Casa da Música, na cidade do Porto. Este álbum é um dos mais destacados pela banda nas suas actuações ao vivo, tanto pelo carácter musical que este proporciona como a parte cinematográfica que acompanha estes temas. A não perder.
Deixo o resto à vossa guarda,
Nuno Bernardo