A propósito do lançamento de Doom Machine, o novo álbum dos Miss Lava, que será lançado no dia 15 de Janeiro, tivemos a oportunidade de conversar com João Filipe, vocalista e letrista da banda. As novas músicas, as redes sociais, ou a forma como a banda tem vivido este últimos meses sem concertos, foram alguns dos temas abordados nesta entrevista.
Este Doom Machine foi gravado antes do início da pandemia. No entanto, o lançamento do mesmo foi de alguma forma afetado pela pandemia?
Sim, este álbum começou a ser gravado em Maio e ficou pronto em Agosto de 2019. Fomos afectados no lançamento porque além das fábricas terem ficado paradas, não nos conseguiram entregar as coisas a tempo e foi sempre adiado até sair, finalmente, em Janeiro de 2021. Mas é um álbum que está gravado desde 2019 e que tem coisas escritas desde 2017 ou 2018.
Do que já foi possível ouvir do novo single, “Fourth Dimension”, nota-se uma mudança de som, face aos álbuns anteriores. Mais pesado, mais potente, com alguma raiva. Continuam dentro do paradigma do stoner ou este trabalho explora outros estilos?
Tudo o que aconteceu nestes últimos anos depois reflecte-se no nosso trabalho. Às vezes são gritos que não podemos dar de outra forma e que vamos usando como inspiração. Agora, é engraçado falares na raiva porque o tema principal, para mim, tem muito que ver com uma revolta em mim. Eu sinto que há muita raiva e muito ódio a ser destilado por todo o lado. Há muitos juízes e carrascos nas redes sociais. Há mais Donald Trumps, Bolsonaros. Estamos a esquecer a humanidade. O que fazia de nós humanos, o amor, o contacto, essas coisas estão se a perder. E nesse aspecto há uma raiva ou uma zanga com as pessoas em geral. Cada vez há mais lutas de egos, coisas que não fazem sentido nenhum. Faz-me confusão.
Relativamente à musica, eu acho que este não é o nosso álbum mais pesado, apesar do single ser mais pesado. Neste álbum arriscámos um bocadinho em termos instrumentais e estruturas. Vai ser um disco diferente. Eu costumo dizer que os discos mais difíceis de ouvir à primeira, são aqueles que ficam mais na memória. Não é um disco tão directo e óbvio, tem mais conteúdo e fomos para outros sítios.
Pegando nessa ideia das pessoas se agarrarem a coisas mais supérfluas e à importância que dão às redes sociais, tu sentes que estas vos afetam enquanto banda, uma vez que as redes sociais podem ser utilizadas de forma benéfica, quer seja para promover ou divulgar música, mas também podem ser perigosas e corrosivas?
Obviamente que as redes sociais têm coisas boas. A minha revolta é que normalmente estas não são utilizadas para fazer o bem. Há muita gente a promover algo que nem sei bem o que é. Mas as redes sociais, no nosso caso, até têm sido nossas amigas. Uma banda com uma dimensão da nossa sem as redes sociais seria mais inexistente. Todos temos famílias e não temos tempo para gravar um álbum todos os anos e só assim chegamos a pessoas que não chegaríamos de outra forma. Agora assusta-me o crescimento de movimentos de extrema direita nestas redes, e nós sabemos que a história fala por si e o que estes movimentos já geraram. Imagina que tens um amigo ou conhecido teu que diz algo no Facebook que tu achas absurda e que tu o bloqueias. O problema é que eles continuam a falar entre eles, a ganhar força e rodeiam-se de pessoas assim. E a força que isso ganha é que me assusta.
Voltando ao Doom Machine. Já é tradição vossa fazerem faixas mais longas, com grandes partes instrumentais. Podemos esperá-las também neste álbum?
Sim, diria que sim. É um álbum com músicas maiores e é o que a gente gosta mais, apesar de nos nossos vídeos aparecerem músicas mais curtas e diretas. Mas vai ser difícil de fazer singles deste disco, mesmo por causa disso. Temos estruturas mais densas, mais ambientais, mas achamos que estas são as nossas melhores músicas. Mas sim, vai ser um disco difícil de entrar.
Vocês já têm um percurso longo e interessante, tendo tocando em grandes festivais e partilhado palco com outras grandes bandas. Achas que tinham condições para se assumirem como músicos a tempo inteiro?
Acho que não. Isso implicaria sair de casa e fazer longas digressões e todos nós temos famílias e empregos. É difícil. Isto é um bocado carolice nossa. Andamos ai há mais de vinte anos mas fazemos isto porque gostamos nem queremos ser maiores do que somos. A estrutura não está montada para aí.
Mas achas que tem que ver com o género? O facto de ser pouco comerciável em Portugal?
Sim, tem muito a ver com isso. E mesmo o próprio país. Para vendermos o disco lá fora, tínhamos de estar lá. Como é que vais vender aos EUA se não vais lá dar concertos? E para fazermos estes concertos temos de abdicar do nosso trabalho e seria muito difícil.
Vocês são das bandas de stoner rock mais antigas em Portugal. Temos assistido nos últimos anos a um surgimento de muitas bandas deste género e tens ainda um festival dedicado a este género, o SonicBlast. Achas que pode ser uma moda ou é algo que veio para ficar?
Eu lembro-me que quando nós começamos havia os Dollar Llama e pouco mais. Mas o stoner rock estava em expansão. Os Queens of the Stone Age é que vieram tornar o stoner rock mais mainstream. Eu costumo dizer que somos muito metaleiros para os rockeiros, e muito rockeiros para os metaleiros. Andamos ali no meio. Mas eu acho que há espaço para crescer. E o stoner rock e o psicadelismo andam aí um pouco de mãos dadas. Há aí muitas bandas a aparecer e acho que é um género que vai continuar a crescer.
Vocês continuam, e bem, a meu ver, a insistir no lançamento dos álbuns em formato físico, quer seja em CD ou vinil. Mas acham que a maior parte das pessoas consome a vossa música desta forma ou através do YouTube ou Spotify?
Sim, sem dúvida que essas plataformas é que mandam. Nunca mais vai haver um retrocesso nessa parte. Vão ser sempre as plataformas digitais o sítio onde as pessoas vão ouvir música. Eu como coleccionador, eu tenho uma grande colecção de vinis e CDs e gosto de música em físico e vou continuar a comprar álbuns. É assim que eu me identifico com a música mas acho que há mais gente como eu. Acho que isso também é um marco, é algo que fica cá. Se fizesse só um lançamento digital, não ia sentir que tinha lançado um álbum novo. Não tivemos os “meninos nas mãos”. Um álbum é um álbum, e ter um vinil na mão, algo feito por ti, é completamente diferente.
Vocês são uma banda que vale muito a pena ver ao vivo e que dão sempre excelentes concertos. Calculo que já batam muitas saudades de subir ao palco?
Sim. Ainda por cima este disco é gravado ao vivo, foi a primeira vez que o fizemos, gravámos tudo ao mesmo tempo. É a experiência mais próxima possível de tocarmos em palco. O que mais gostamos é de tocar ao vivo. Nós fazemos discos para tocar ao vivo. E a pandemia está a dar cabo disso.
Já que falamos em concertos, qual foi o concerto que mais prazer te deu fazer?
É difícil, eu lembro-me de uns quatro ou cinco daqueles que ficaram para sempre. Eu gostei muito de fazer a primeira parte do Slash, no Coliseu de Lisboa. Mas também o Resurrection Fest, em Madrid, Super Bock Super Rock, ou um de Fu Manchu, no Santiago Alquimista, também foi muito fixe. Mas se tivesse de escolher um seria o do Slash. Foi incrível, foi muito bom.
Já têm alguma coisa preparada para o dia do lançamento do álbum ou algum futuro concerto?
Nós tínhamos várias coisas marcadas, mas ficou tudo em stand-by. Vamos é gravar mais um vídeo e para uma música que não é óbvia. É uma música que mostra um lado diferente da banda.
Para terminar, e para quem não vos conhece, quem são os Miss Lava?
Os Miss Lava são uma banda com dez anos e que já vai fazer o quarto álbum, embora seja o seu sexto trabalho, com influências de stoner rock e de heavy rock. Não somos uma banda de todo comercial, somos uma banda que não tem limitações de ninguém ou de editoras, fazemos o que nos apetece, por gosto, e sai-nos muita coisa do nosso bolso. Mas fazemos tudo isto pela paixão da música. Se não fizermos música, parece que ficamos incompletos. Miss Lava é isso. São quatro amigos que se dão muito bem, que adoram estar no palco, passar energia e bons momentos, e esperamos que as pessoas sintam essas energias que nós tentamos passar.
Entrevista: Gonçalo Cardoso