A vida de Domenic Palermo – vocalista, guitarrista e fundador dos Nothing – tem já a sua quota parte de histórias para contar, e uma que se está longe de ficar pelo que é a música e o background em bandas menores de punk e hardcore. Dividida entre uma adolescência marginal numa cidade em que a heroína era dona e senhora e culminando em dois anos de cadeia por tentativa de homicídio após uma rixa, a própria sobrevivência da vontade de Palermo em continuar a focar-se na música parece improvável, e com ela a existência destes Nothing também. Fundados em 2011 e contando com uma série de EPs e várias mudanças de alinhamento pelo caminho, em 2014 as coisas tomaram outro rumo com o lançamento de Guilty of Everything pela Relapse Records. Os rapazes de Filadélfia viam-se agora como percursores duma nova vaga de shoegaze ao lado duns Whirr – não partilhassem Nick Basset (ex-Deafheaven) como membro comum –, tendo alcançado um nível de mediatismo que seria impensável poucos anos antes.
Passados dois anos, Tired of Tomorrow surge na discografia dos norte-americanos como um registo que rapidamente se introduz como de carácter mais pessoal, daqueles em que se faz passar a língua nas feridas antes de as deixar secar ao sol e à vista. Ouvir Nothing passou sempre por quase imaginar o tom de Kevin Shields enfiado no núcleo duma banda de pós-hardcore, mas em que tudo é feito e construído com a simplicidade duns Nirvana. Em Tired of Tomorrow o senso de ansiedade que se palpava em Guilty of Everything parece surgir amplificado, para lá da forma sempre tímida que se expõe sob a cascata e o feedback das guitarras. As estruturas, essas, sentem-se algo mais fixas e cheias por riffs mais graves, tocados de tal forma em que um nome como o de Stephen Carpenter não consegue ser deixado à porta.
Apesar da forma intensa como as guitarras caem sobre a mistura e da agressividade dissimulada que nunca parece ser posta de parte, a música dos Nothing viveu sempre de refrões facílimos, memoráveis em impacto e abertura. “You know me and you know I am not well/I always knew I’d eventually hurt you” – metade final do de “ACD (Abcessive Compulsive Disorder) – será certamente um dos mais belos de todos, acarretando de forma não menos trágica o derrotismo perante o que é magoar quem está perto; a mesma representação poética de um Oh Dae-su a lacerar a língua em perdão.
“Eaten By Worms” – faixa cujo videoclip saiu no passado mês de Março – vive da experiência pela qual passou o vocalista após um concerto da banda em Oakland, vítima de um assalto violento que o atirou para uma cama de hospital e para um cocktail de analgésicos por uma temporada. “The song is very much about being in pain and dancing with the feverish curiosity of whether this life is any more significant then what comes after or what came before”, disse Palermo em entrevista à Rolling Stone; um senso que a faixa agarra pela mão aquando do crescendo em que culmina. Destaque também para “Everyone Is Happy”, canção que se distancia do resto pela delicada melodia que usa para esqueleto, e uma que mostra os Nothing em lume brando, no que é um belíssimo fervilhar controlado.
Tired of Tomorrow talvez se mostre como um disco que é mais longo do que aquilo que pode. Um que peca por na sua extensão e natureza acabar por nunca sair daquilo que é o seu fundamento base, deixando a excepção para o que é a faixa título– uma balada de piano que fecha o álbum numa nota bem distinta. Fazendo-se divagar entre o que é a expansibilidade do shoegaze e o carácter volátil do hardcore, é também um trabalho que nos deixa sem saber o que trará o futuro para a música dos Nothing, um que parece querer abraçar mais um lado do que outro. Uma coisa parece certa para Palermo e companhia; há mais do que uma qualidade anestésica em meter-se na cama com os fantasmas ao virar da esquina.
Autor: Rui P. Andrade