“La mémoire collective” – que espaço é que um Columbia em chamas nos céus de Dallas ocupa ainda? Sobram-nos tempos em que o que resta das últimas fronteiras já não parece bastar, ficando-nos a ideia de que não viveremos que chegue para roçar alguma delas. Encolhemos os ombros perante a pasmaceira do espaço, a sobreprodução artística e o tamanho de um assento num voo comercial. A desconstrução de um vaivém em pleno voo chega-nos para perceber a dimensão do feito? Ficamos para os créditos se Nolan nos obrigar a sentar para mais um truque de magia? A terceira lei a que obedece Roly Porter é o cataclismo que nos cola à televisão; o soco no estômago que apaga a ultra-violência.
Foi em 2011 e com Aftertime que Porter escapou para a carreira a solo e ao rótulo que lhe cabia como metade dos Vex’d. Chegamos mesmo a vê-lo por cá no ano seguinte aquando da sua passagem pelo bracarense Semibreve, num concerto que ainda hoje guardamos com saudade. Third Law surge cinco anos depois e numa escala maior. As secções de cordas surgem para ser interrompidas por erupções de estática dos confins do Sol, com os coros a aparecem a espaços, para não depois acabarem engolidos por vagas de sub-graves do tamanho de titãs. Roly Porter não roça aqui a delicadeza aparente que mostrava pela renda em Aftertime. Tudo é mais rude e repentino, mais dramático e terminal, mas sem alguma vez deixar de parte as dinâmicas e variabilidade que fazem dele um artista brilhante. E não é que o seu registo de estreia não tivesse dentes – porque tinha-os mesmo, e de que tamanho – a grande diferença era a forma gradual como os enfiava por uma traqueia adentro.
Third Law, por outro lado, abre-se com “4101” e não tarda em projectar o sinal para o vermelho e a nós contra as costas da cadeira. A proeza é repetida e amplificada em “Mass”, e juramos que há átomos a colidir no tamanho e aspereza do kick drum, como se por segundos placas continentais inteiras se abrissem a meio e dessem lugar a uma pista de dança. Já as notas de sintetizador que caem sobre o fecho de “Known Space”? Podiam muito bem ser lágrimas de Jules Verne a ler Solaris; são belíssimas. Talvez o seu único pecado sejam os momentos em que parece estender-se e perder-se quase que epicamente no vazio, mesmo que esteja precisamente aqui a chave para compreender Porter. O impacto e atordoamento iniciais desaparecem sempre para nos deixar entregues à fonte, e a magia está nesse espaço entre o recuar de uma vaga e a chegada de outra, nos segundos que antecedem a descolagem e o fim.
É quase como se ouvíssemos Third Law tocado nos corredores da Nostromo. Como se este habitasse um mundo pós-CERN ou A U R O R A ou vivesse do subproducto hollywoodesco que é Interstellar. É electronica pautada a bisturi e medida a proveta. É música alimentada a combustível de foguete e que nos mete a meio da câmara de combustão. É Ciência na senda por Deus e Roly Porter uns segundos à frente do resto – no futuro.
Álbum. Tri Angle. 22 Janeiro 2016
Classificação
7.7
O impacto e atordoamento iniciais desaparecem sempre para nos deixar entregues à fonte, e a magia está nesse espaço entre o recuar de uma vaga e a chegada de outra, nos segundos que antecedem a descolagem e o fim.