NOS Alive @ Passeio Marítimo de Algés, 10 a 12/7/2014

Ora Optimus, ora NOS, o Alive de 2014 fez-se em regime de transição de name sponsor, mas o recinto em si já respirava a nova marca. De cara lavada e com um ambiente cheio de clarões, tanto pela presença do sol, como pela branquidão das estruturas, o festival apresentou para 2014 alguns grandes nomes consideráveis e vários artistas em clara ascensão e em iniciação nos grandes espaços e salas de música.

À cabeça surgem os nomes Arctic Monkeys, The Black Keys e The Libertines – os dois primeiros a apresentar os seus novos discos, “AM” e “Turn Blue”, respectivamente, enquanto os terceiros em inesperada reunião a full-time, quase num levantamento da cova e ao fim de dez anos depois do seu último disco.

A antever o festival, indicámos dez motivos para a deslocação ao festival (aqui) e, antes de entrar em modo dissertativo, afirmamos que conferimos todos eles.

 

10 JULHO – “Às voltas no Árctico”

As filas já se faziam na véspera, portanto, sem surpresas, o sol já queimava nucas na fila de espera aos portões do festival. O dia encontrava-se esgotado e, olhando aos milhares de presentes nos corredores, grande parte seguiu para o recinto tão cedo quanto pôde, correndo em direcção às grades do Palco NOS para as suas bandas favoritas, num ritual que permitiu ignorar tudo o que o festival tem para oferecer noutros palcos e pontos pelo recinto fora.

As nossas primeiras atenções aconteceram na ponta oposta do festival, onde Noiserv proporcionou o segundo concerto do Palco Heineken. David Santos, membro singular deste projecto, sentou-se à beira da sua armada de instrumentos, alternando as suas primeiras canções com os longos títulos das faixas do novo “Almost Visible Orchestra”, disco editado no ano passado. Uma projecção de fundo, de uma animada ilustração, iluminava as costas dos dedos de David enquanto estes dançavam entre loops ao piano, xilofone e guitarra acústica. A audiência faladora, grande parte com t-shirts sinuosas de Arctic Monkeys, preenchia a arena circundante, não deixando ser perceptível ao ouvido os versos de ‘Palco do Tempo’, um dos poucos temas em português de Noiserv. Pedia-se então um ambiente mais intimista, mais pequeno, mais próximo, pois até no single ‘I Was Trying To Sleep When Everyone Woke Up’, numa passada alternada de vozes, a encruzilhada de sons «tapou» aquilo que nos estariam a oferecer. Sem noção do tempo que se dá à música, David pergunta-se pelas horas, perdido – eis a estufa deste palco a falar. A longa e penúltima ‘Bontempi’, alusiva ao bom tempo que se fazia sentir, havia de dar bom caminho ao final, numa altura em que Ben Howard não parecia justificar a permanência solarenga perto do Palco NOS.

Também no Palco Heineken, o rock psicadélico dos britânicos Temples mostrou que o revivalismo de 1967 é coisa possível. Já os Tame Impala sugerem, e bem, mas os Temples fazem-no a partir do seu país de origem, com um físico algo andrógeno a motivar discussões entre presentes. A apresentar o álbum de estreia, “Sun Structures”, editado no início deste ano, apressaram-nos com a faixa-título do mesmo. Haviam de se seguir ‘A Question Isn’t Answered’, ‘Colours To Life’ e ‘Ankh’. Em menos de nada o concerto estava prestes a terminar numa rodagem de uma máquina do tempo autêntica, sem tiques de palco, nem pilotos-automáticos, revelando a sua sinceridade em ‘Move With A Season’ e as finais ‘Mesmerise’ e ‘Shelter Song’, mostrando-se estar na ponta da língua dos fãs desta banda de curto historial, acompanhando a voz com palmas e saltos perto do palco. Pareceu curto, quer-se um regresso rápido a Portugal. Em formato de versão mínima e pomposa, embora mais antiga, de Mumford & Sons, os The Lumineers serviram-se do Palco NOS para tentar animar a plateia para a banda que se seguia (lá iremos), com um rock fingido de folk, ou vice-versa, sem singrar em nenhum dos campos, onde até uma versão de ‘Subterranean Homesick Blues’, de Bob Dylan, terá sido desconhecida a quase toda a plateia que ali aguardava.

Algo notável à entrada deste NOS Alive, como deu logo para reparar, são as muitas bandeiras de países de todos os continentes – assim era, também, a pluralidade de origens da audiência do festival, que tem a cada ano uma quota maior de estrangeiros. Como o reparo não podia calhar em melhor altura, a tarefa de andar de bloco de notas pelo recinto permite ser-se abordado pelas gentes de fora, que se serviram a depoimentos alegres e com palavras bonitas para Portugal e para os portugueses. Esse público de fora, especialmente a porção britânica, parece ter estado algo agradada com The 1975, verificando-se uma enchente junto ao Palco Heineken, dando azo a 80’s rock. Sorrisos, vinho tinto e um rectângulo minimalista ao fundo de palco. Uma actuação pouco sóbria, sem muito mais a apontar, a não ser o histerismo em cada movimento de Matthew Healy.

Querendo provar-se mais do que uma sintonia televisiva de campanhas publicitárias, os Imagine Dragons regressavam a Lisboa para uma audiência 5 ou 6 vezes maior do que fez em 2013, no Coliseu dos Recreios. Querem eles ser os novos The Killers, mas dão-nos uma rendição medíocre de ‘Song 2’, dos Blur e guardam os singles quase todos para o fim, com a excepção de ‘It’s Time’ (mais uma vez… The Killers? Sim.). Em apresentação de “Night Visions”, disco singular da sua curta carreira baseada em jingles, o concerto deixou-se marcar pelo peso de conseguir arrancar uma audiência do chão mesmo nas malhas mais desenxabidas, que porém são as mais sinceras e originais da banda, com um inesgotável Dan Reynolds a liderar o batalhão – ‘On Top Of The World’ havia de o levar ao corredor central para júbilo da pequenagem, antes de ‘Demons’ ser introduzida e a final ‘Radioactive’ ter feito abanar os braços de um lado para o outro, numa cantoria típica de estádios de futebol.

«Secantes» foi o adjectivo que muitos jovens utilizaram para descrever Interpol, deslocados da audiência-alvo que guardava lugar, desde as 17h, para ver o penteado de Alex Turner ao pormenor. Vá-se lá compreender, pois este foi o melhor concerto do dia neste palco. Um Paul Banks, envergando um chapéu simpático, destacava-se dos homens de negro. E já havia ao fundo capa de ‘El Pintor’, disco que irão lançar daqui a tempos, anagrama da palavra Interpol. Foi dizer olá aos anjos, caídos do céu para colocar água na fervura dos mais entusiasmados, pois ‘Say Hello To The Angels’ logo a abrir e ‘Evil’ a seguir iriam arrancar boas reacções para quem estava, de facto, ali para ver os nova-iorquinos. A postura incisiva e autoritária, de físico quase alemão, manteve-se ao logo da actuação pautada por faixas dos primeiros “Turn On The Bright Lights” e “Antics”, com uma pequena visita ao disco homónimo e três novas músicas de “El Pintor”. Concertaço, a merecer outro público ou até outro festival, mesmo com a célebre ‘Obstacle 1’ fora do alinhamento.

No palco do coreto, Ana Miró teve com o seu projecto, Sequin, a difícil tarefa de agarrar as pessoas que queriam, pelo menos, conferir Arctic Monkeys desde os primeiros acordes. Simpatia não faltou: «Olá, o meu nome é Sequin, e tenho delay na voz», fez sorrir. Um palco maior, com mais atenção das massas, poderia contagiar as danças sensuais de ‘Peony’, uma das várias orelhudas faixas cheias de synths ávidos da estreia “Penelope”. Claro, existe espaço para crescer, e acreditamos veemente nisso. As ancas dos presentes diziam que sim.

Tudo escuro. Os Arctic Monkeys haviam de aparecer no Palco NOS. Uma espécie de reprise de ‘Do I Wanna Know?’ introduziu a mesma, cujas batidas iniciais e enorme riff globular motivaram debandadas pelo recinto. Foi para isto que muita gente comprou o bilhete. É um hino recente, recebido com apoteose, como se a banda não tivesse outro sucesso antes. Seguindo as faixas de “AM”, ‘Arabella’ surgiria para azáfama de Alex Turner, fisicamente uma estrela da brilhantina dos longínquos anos 50, dando até para visitar aquele riff megalítico de ‘War Pigs’, dos compatriotas e históricos Black Sabbath. Quantos terão percebido? Não interessava, aparentemente. ‘Brianstorm’ incendiou, finalmente, os fãs mais antigos, que viram as repas de Alex transformarem-se num morro de gel, é que apesar de Arctic Monkeys se revelarem quase duas bandas díspares ante e pós-“Suck It And See”, as suas canções parecem ter o mesmo perfume em cima do palco. «Get on your dancing shoes», rematou Turner, parecendo quase apático, interpretando com igual monotonia aquelas faixas que, em 2006, pareciam atear salas de pequena e média dimensão. Às voltas na sua discografia, até ‘She’s Thunderstorms’ pareceu deslocada, ‘Fluorescent Adolescent’ não foi mais do que um mimo para alguns, indo o histerismo direito às restantes ‘One For The Road’, ‘I Wanna Be Yours’ e ‘R U Mine?’, depois de deixarem o palco com ‘505’. Estes são os Arctic Monkeys em formato banda-de-estádio, mas sem músicas para isso.

No Palco Heineken seguia-se Parov Stelar Band, banda que ocupou a vaga deixada por Chromeo. Aliás… Chromeo? Como é que Parov Stelar Band não foi logo primeira escolha? De qualquer forma, o conjunto austríaco mostrou-se empenhado em mostrar que era mais do que um suplente saído do banco, com os argumentos a serem desfilados em cada faixa num electroswing dançante. Habituados a um público mais frio, do centro da Europa, parecem terem-se sentido agradados pela grande recepção na sua estreia em Portugal, desenhando-se as melhores coreografias e até comboios na plateia. Muito bom. Em Clubbing puro, recebeu-se um terço dos britânicos The xx. Jamie Smith, enquanto Jamie xx, que curou o dia desse mesmo palco, viu-se acompanhado por amigos, com Dan Snaith a dar uma mãozinha para acender a pista de dança.

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11 JULHO – “As chaves do sucesso”

O sol apertava novamente, mas o vento começou a dar alguns sinais vitais. A esvoaçar, a espanhola Lourdes Hernández, que responde pelo nome de Russian Red, não apresentou razões para permanecer à sombra da tenda do Palco Heineken, especialmente enquanto os  The Vicious Five já gritavam no Palco NOS. Aliás, gritava, o Joaquim Albergaria. Estamos nós mais habituados, nos últimos anos, a vê-lo de baquetas na mão para a siamesa bateria de PAUS, mas foi assim que o vimos a esganiçar a voz na década passada. Julho de 2014 é mês da despedida definitiva dos palcos para esta banda portuguesa, que se reuniu só para ter o funeral que nunca havida tido. O assunto fica enterrado dentro de um par de semanas, no Milhões de Festa.

Hashtags, ritmos quentes, humor, barulho, tudo. D’Alva proporcionaram ao Palco NOS Clubbing uma das melhores e mais completas actuações de todo o festival, num ‘sim’ directo à música pop, pura e dura, em bom português. A multi-percussão e o intitulado Gospel Collective preencheram ainda mais o cardápio, num pagode cheio de sorrisos – dança, muita dança, com letras das canções ao fundo, imagens divertidas a roçar a melhor veia humorística (com visitas a videojogos e séries animadas), numa apresentação fantástica do álbum de estreia, “#batequebate”. Alex D’Alva Teixeira é um monstro de palco e a presença de Ben Monteiro contra-balançava os entusiasmos, revelando-se mais discreto mas igualmente dedicado. Os restantes membros também conseguiram agarrar a audiência, numa arena quase totalmente preenchida para testemunhar o espectáculo. Os forasteiros viram-se animados e agradados e os CDs atirados à plateia foram muito disputados, de modo a levar para casa a recordação de um dos mais sinceros concertos do NOS Alive, que culminou nas intensas parte 1 e 2 de ‘Barulho’ e ‘Três Tempos’ e ainda no crowdsurfing de Alex.

“Sunbathing Animal” foi apresentado por Parquet Courts no Palco Heineken. Eloquentes, estes nova-iorquinos impeliram o seu rock cru e dissonante, de melodia fácil e passadas rápidas, para uma plateia algo despida pela frieza das faces do quarteto, mas que não pestanejaram no momento de criar moshpitscrowdsurfings e outras agitações mais acentuadas na frente de palco. Num espírito pós-punk e garage rock rebelde, ninguém lhes pode acusar de não darem aquilo que as pessoas poderiam dar por ausente no festival – um concerto certeiro, frontal, sem qualquer azo a teatralidade.

Havia de estar na hora de começar MGMT também. Esses seres, situados algures a electropop dos 80’s e a vibe dos 60’s, não tiveram sorte nem quiseram ter, especialmente com a exclusão de ‘Weekend Wars’ dos seus alinhamentos habituais, onde grande parte dos presentes só pareceu conhecer os singles e estar mais interessado em tirar selfies. Houve ‘Congratulations’, ‘Time To Pretend’ e ‘The Youth’ logo no início, mas a introspecção (sim, fizeram a cover de Faine Jade) do miolo do concerto arrefeceu os ânimos. ‘Electric Feel’ já estimulou e a longuíssima ‘Kids’ foi bastante entoada e dançada, abrindo trilho para a final ‘Alien Days’, onde Andrew VanWyngarden desceu do palco depois de filmar a audiência e os restantes membros da banda para contribuir na projecção multicor dos ecrãs.

Sam Smith motivaria uma incompreensível enchente junto do Palco Heineken, adivinhando-se a enorme popularidade dentro e fora de portas. O cantor britânico debruçou-se para uma plateia maioritariamente constituída por pessoas do sexo feminino, lançando às cabeças uma versão de ‘Do I Wanna Know?’, dos Arctic Monkeys, menos de 24 horas depois de termos escutado a original. Também foi incluída no alinhamento a faixa que Sam Smith fez a meias com Naughty Boy, ‘La La La’, assim como uma versão acústica de ‘Latch’, dos Disclosure, a que o próprio dá voz na original, antes da rendição final com ‘Stay With Me’.

Dois anos depois de esgotar o Pavilhão Atlântico na sua estreia em Portugal, Dan Auerbach e Patrick Carney, ou The Black Keys, têm disco novo e a possibilidade de se mostrarem a um número maior de fãs. “Turn Blue” pode não ser consensual, mas o alinhamento optado para o ambiente de festival dificilmente poderia ser melhor. O espaço aberto do Passeio Marítimo de Algés instigou quase todas as faixas do anterior “El Camino”, tendo sido logo com a sua ‘Dead And Gone’ que se cantaram as primeiras melodias. Sim, isto estava mesmo a acontecer. Os Black Keys estiveram durante muito tempo escondidos dos holofotes e foi só com “Attack & Release” que a apreciação global começou a chegar, sendo hoje uma das maiores bandas de rock do planeta. É, no entanto, com natural entusiasmo que Dan se vê perante um mar de gente, num país distante do seu Ohio, a ser acompanhado a cada verso, mesmo tendo deixado o seu blues para trás. Um autêntico corso de melodias orelhudas, uma vontade incessante de deixar a voz ali. Assim se prosseguiu com ‘Gold On The Ceiling’, ‘Howlin’ For You’, ‘Tighten Up’, a nova ‘Fever’ e ‘Lonely Boy’, é claro. O encore demorou, mas chegou, e Auerbach anuncia que iríamos ter mais um par de músicas. ‘Little Black Submarines’ surgiu, denunciada, enquanto o próprio segurava a guitarra acústica, mas foi em ‘I Got Mine’, que não era tocada ao vivo em dois meses de concertos, que se pôde dizer adeus. Ao fundo, nos ecrãs do palco, lia-se «The Black Keys», mas longe já vão os tempos em que precisavam de se identificar. Todos nós já sabemos quem eles são, sem dúvida, e deixaram-nos com um dos melhores concertos do festival.

A audiência despida para Au Revoir Simone fazia prever a festa que se aguardava no Palco NOS depois de The Black Keys. Erika Forster, Annie Hart e Heather D’Angelo, um trio feminino que inspirou o seu nome no filme “Pee-wee’s Big Adventure” de Tim Burton, delinearam um dream pop caloroso, num choque de ideias das etéreas Warpaint e a delicadeza dos Kings Of Convenience, concentrado apenas nos seus dois últimos discos – “Still Night, Still Light” e “Move In Spectrums”. Brindaram-nos com aplausos, muitos sorrisos, uma amabilidade única nas norte-americanas, que até pulos deram em jeito de despedida. A sua boa disposição contagiou o resto do Palco Heineken. Regressavam assim Portugal, cinco anos depois de um concerto na Aula Magna, e é lamentável que a recepção não tenha sido a merecida. A fatia do público presente falavam bom português, é certo, mas em menos de nada haveria de começar no Palco NOS o concerto especial de Buraka Som Sistema, que ansiava em larga parte o público de fora. Invasões de palco, explosões de confetti, ritmos africanos, este kuduro progressivo com vénias à electrónica europeia, agitou e virou de pernas para o ar o recinto de Algés, sendo a carismática Blaya alvo de atenções de uma folia de proporções únicas para inglês ver.

Já o londrino Aaron Jerome também não quis poupar recursos, a não ser os ecrãs que ladeavam o Palco Heineken, que se encontraram a preto durante a sua actuação enquanto SBTRKT. Elementos tribais, uma selvajaria de palco e um gigante macaco insuflável mascaravam o cenário, dando durante pouco mais de uma hora o fenómeno ao vivo que é. Habituado às grandes andanças e a ser o centro das atenções, apesar de se esconder atrás de uma máscara, Aaron sabe o que é ter uma tenda cheia para ouvir e celebrar os seus originais e remixes, onde consta material partilhado com Sampha, Jessie Ware ou Drake. E ‘Wildfire’ é mesmo irritantemente viciante. As pilhas que restaram deram para a hora restante do mesmo palco, com Dan Snaith a liderar as cadências enquanto de Caribou, agradando quem resistiu, mas sem impressionar.

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12 JULHO – “A orquestra de sua majestade”

Calor, muito calor, e mais calor ainda. As temperaturas só podiam subir quando, logo à hora dos primeiros concertos do NOS Alive, os Gin Party Soundsystem davam tudo para molhar os corpos. Um amontoado de pessoas de camisas havaianas em palco para uma sátira aos pen drive DJs, celebrando com danças à João Baião, fortes goles de gin, bisnagas e pistolas de água, flores atiradas à plateia, confetti… E mais álcool houvesse. Estes #GPSS são os trolls nacionais e, espalhando eurodance dos 90’s às dezenas de pessoas que se tornaram centenas em alguns minutos, fizeram uma festa às 5 da tarde como se fossem 5 da manhã. Alex D’Alva Teixeira participou no colectivo e até Carolina Torres saltou ao palco para dar para um muito festejado twerk. A festa foi da rija, malta, e os tradicionais comboiinhos não podiam faltar ao som de ‘Pump Up The Jam’, ‘What Is Love?’, ‘Sandstorm’ e ‘Rhythm Of The Night’, mostrando que não é preciso muito para fazer um festão. Não foram precisos barcos de borracha, nem bolos de aniversário, pois o espírito festivo – e sim, ‘This Charming Man’ dos The Smiths a fechar – desacatou a parvónia. Genial, no mínimo.

O NOS Clubbing iria continuar o seu dia com concerto de Caelum’s Edge, uma banda que parece basear-se na pior fase da carreira dos 30 Seconds To Mars. «Limitados de tempo», queixaram-se, não deixaram de lançar uma versão de “Leave Out All The Rest”, de Linkin Park, que foi, provavelmente, o mais memorável momento do concerto, acusando a falta de originalidade e critério do quarteto do Barreiro. Entretanto, os You Can’t Win, Charlie Brown sofreram de pouca adesão junto ao Palco NOS, apesar da grande musicalidade e entrega do supergrupo português. Foi apresentado o novo disco, “Diffraction/Refraction”, editado este ano, mas sem deixar de visitar o de estreia, “Chromatic”, com ‘Until December’ em nota muito positiva. Mereciam tocar mais tarde, para maior atenção.

O sol ia-se pondo e houve quem se juntasse ao palco coreto para assistir ao concerto de Beautify Junkyards. Algum experimentalismo e incursões folk, especialmente nas suas versões de ‘Fuga No. II’ d’Os Mutantes e de ‘Radio Activity’ dos alemães Kraftwerk. No Palco Heineken celebrava-se The War On Drugs, projecto de Adam Granduciel e Kurt Vile, mas actualmente apenas nas mãos do primeiro. Se “Slave Ambient”, editado em 2011, mereceu a atenção da crítica, o novo “Lost In The Dream” é ainda mais consensual no que toca à sua qualidade. O reparo foi imenso e até apressaram o concerto, tocando ao mesmo tempo que a música de fundo, mas os créditos em disco ficarão por firmar numa ocasião mais condizente.

Três homens de negro, com pouca pele ao descoberto, atacavam o Clubbing. O projecto de Christopher Taylor, conhecido no mundo da música por SOHN, está radicado em Viena, Áustria, mas é da sua cidade de origem que bebe as influências. A electrónica londrina ganha expressão entre falsettos, tanto verdadeiros como computorizados, a acompanhar as intensas vibrações do disco de estreia, “Tremors”, editado em Abril último. O próprio Christopher, com tiques a la Thom Yorke de braços ondulantes, permanecia sentado e encarapuçado ao centro de palco, com movimentos pautados. Concerto gigante, que exigia uma menor claridade (ainda o sol brilhava) e menos espalhafato em redor, pois o seu concerto coincidiu com uma visita da NOS Air Race ao Passeio Marítimo de Algés, cujos aviões deixavam o rasto nos céus.

No Palco NOS surgiram os três triângulos iluminados. Assim se compunha o cenário. Eram os Bastille, mais um grupo do pelotão que se fantasia de The Killers, e esta foi, provavelmente, a coisa mais entusiasmante do concerto. O vocalista Dan Smith mostrava-se mais empenhado em bater uns bombos do que a cantar e o que deu para extrair da experiência ao vivo do quarteto inglês é que as cantorias Disney podem ser música pop. Apresentaram-nos o seu disco “Bad Blood” sem muito a dizer, excepto o veredicto que se leva para casa: os Bastille são uma banda de hoje, cujo passado é curto e o futuro será inexistente. E se, à 16ª faixa (‘Pompeii’), o som não ajudou e a banda saiu de cena para descontentamento geral, então foi porque as 15 faixas anteriores não valeram a pena.

Ainda para mais, ao mesmo tempo que Bastille, acontecia, provavelmente, o concertazo do NOS Alive. Ruban Nielson, tal Jimi Hendrix da Nova Zelândia, surgiu ao centro de Unknown Mortal Orchestra, de chapéu de lantejoulas e guitarra ao ombro de forma estranhamente descontraída e lo-fi, apresentou a arte de dedilhar uma guitarra electrificada. Os tons de palco eram, geralmente, quentes, e nem as falhas de som iniciais minimizaram o somatório dos momentos do concerto. Ruban dançava, arqueava as pernas e dava espasmos no instrumento, sempre de palheta no bolso. “II” já era por si um excelente disco, mas a sua interpretação ao vivo traduziu-se numa experiência transcendente, fazendo viajar, mesmo cercados pela tenda do Palco Heineken, pelas ruas quentes do oeste norte-americano, onde estão radicados. Solos de bateria, um baixo-âncora a resgatar as melhores linhas e a sempre irreverente presença de Ruban arrancava aplausos intensos, inclusive a Sarah Bartel e Josh Carter, a dupla que constitui Phantogram, que assistiam ao concerto junto às grades. Parecia fácil a forma como ‘The Opposite Of Afternoon’, ‘From The Sun’, ‘Swim And Sleep (Like A Shark)’ e a entoada ‘So Good At Being In Trouble’ surgiam no alinhamento como uma extensa jam ao sol de Auckland. Assim foi esta orquestra, maldita, majestosa, constituída por um power trio do tamanho da distância que separa o estado de Oregon da Oceânia.

Os Foster The People, aquela banda do hit ‘Pumped Up Kicks’ que invadiu os canais radio-televisivos no verão de 2011, começaram por dar ao NOS Alive, em estreia em Portugal, os argumentos que fizeram de “Torches” um álbum minimamente célebre – ‘Helena Beat’ e ‘Waste’ logo seguidas de ‘Life On The Nickel’. No entanto, a banda revelou-se muito cerimoniosa de faixa para faixa, com atrasos sucessivos nos arranques. Houve alguma ligeireza do acto, sim, e “Supermodel” não convence nem em disco, nem ao vivo, pois ‘Coming Of Age’, malha mais marcante e orelhuda do novo trabalho, só deu para mais fumo para pouco fogo. Assim é uma banda que, ao contrário do que denuncia em casa, é muito mais pop do que indie no campeonato dos rótulos, agradando essencialmente a quem prefere o espectáculo de grande magnitude do que a grande magnitude do espectáculo.

Sarah Bartel e Josh Carter, como já foram mencionados acima, tiveram a difícil tarefa de se estrear em Portugal para uma plateia despida devido às sobreposições horárias. Os Phantogram mereciam mais. «Playing Phantogram», lia-se em fundo de palco, dava o mote para o arranque de ‘Nothing But Trouble’, uma mega-faixa, que dá a introdução para o álbum de estreia, “Voices”. Uma dupla, que se apresenta em contexto de full live band, lembrou algo entre a rebeldia de Crystal Castles e as melodias dos Sleigh Bells com passagens shoegaze, mas as influências são demasiadas para listar… até The xx, banda da qual Sarah envergava uma peça de roupa bem visível. ‘Fall In Love’ já pareceu arrancar mais atenções, fazendo até os Unknown Mortal Orchestra retribuir a visita, aparecendo entre a audiência para assistir, e a uivante ‘Howling At The Moon’ fez-nos questionar a beleza da lua em dias de sol. ‘Celebrating Nothing’ fecharia um concerto que gostaríamos de ver noutro contexto.

Também noutro contexto, e talvez antes da explosão de fãs, gostaríamos de ver Daughter. Existiram choros e cartazes na fila da frente e cada palavra de Elena Tonra era aplaudida. Estes aplausos, pautados, haviam de arruinar a atmosfera requerida para escutar com atenção os toques subtis do instrumental, pois cada vez que Elena se silenciava, aí vinham mais gritos. Sim, o histerismo chegou a esse ponto e vá se lá perceber porquê. Deu para bons pormenores, ainda assim, com Igor Haefeli a destacar-se numa bowed guitar ao estilo de Sigur Rós e Elena a passear-se entre a guitarra e o baixo de faixa-a-faixa. As luzes rosadas e avermelhadas desenhavam as silhuetas do trio, encobrindo as faces ao público. As mãos no ar por ‘Candles’, o desrespeito pelo silêncio e mais uma série de palmas fez perceber que, mesmo sendo com a melhor performance possível, este não é concerto para festival. É pena.

Para a despedida do Palco NOS da edição de 2014, os The Libertines de Pete Doherty e Carl Barât entusiasmaram a porção forasteira presente no festival, avistando-se várias bandeiras do Reino Unido sob as cabeças. Pete e Carl, alimentando-se da fama do clima de amor-ódio entre os dois, partilharam várias vezes o microfone, não se perdendo muitas vezes com palavras ao público, desfilando faixa atrás de faixa. Envergando um chapéu militar, Doherty mostrou-se empenhado em marcar a sua vivacidade nas guitarras e na harmónica, apesar do seu olhar apavorado. A bandeira de Portugal havia de chegar ao palco, com o logótipo dos The Libertines, fazendo crer que, ao contrário do que tem sido expressão, existem fãs suficientemente dedicados no nosso país desta banda, que se vê a fazer a primeira digressão em dez anos. A representação portuguesa acabou por ficar amarrada ao suporte do microfone de Pete, enquanto um barbudo Gary Powell fazia estremecer a bateria, lembrando um MC Ride pronto a despejar porrada. Assim foi The Libertines, um misto de nostalgia para uns, desconhecimento para outros e uma onda de indiferença para terceiros – copos ao alto, um brinde, pois viu-se Pete Doherty a deambular num palco português, e não se sabe quando isso poderá voltar a acontecer, se voltar a acontecer.

Provavelmente em empate técnico com The Libertines no número de pessoas presentes no concerto, Chet Faker facultou ao Palco Heineken uma enchente imprópria para corpos fracos. Nicholas James Murphy, nome próprio de Chet Faker, viu-se ilustrado por uma mão ao fundo de palco, alusiva ao disco de estreia, “Built On Glass”, e este foi o primeiro a dar a própria à palmatória: em vez da habitual versão de Burial, ‘Archangel’, apresenta-nos ‘I’m Into You’ para constatar a realidade da sua popularidade, sendo entoada a todo o gás em cada verso. Ora solitário em palco, ora acompanhado (como em ‘Gold’ e ‘Love And Feeling’), o importante a extrair é o seu notável crescimento de popularidade, indo de uma figura sóbria e discreta no Lux a um homem dono de palco de um grande festival em apenas um ano. Inicialmente conhecido pela sua rendição de ‘No Diggity’, dos Blackstreet, o seu reconhecimento já chega aos seus originais, com a final ‘Talk Is Cheap’, apenas ao piano, a ser afogada pelo mar de vozes circundantes. «Espero que estejam a ter uma boa noite, porque eu estou», havia rematado o australiano antes de a tocar, sorrindo aos muitos que dali não arredavam pé. Não duvidemos dele, e o sucesso até parece fácil assim, mas aceita-se: o tipo é mesmo bom.

Para fechar o festival, e em modo Clubbing do Palco Heineken, o jovem Nicolas Jaar abalroou o PA e puxou pela intensidade dos graves. As luzes centravam-se na figura única de palco, cercada por instrumentos e outras formas digitais de fazer música, denotando um clarão sob a figura do norte-americano chileno-descendente, que impulsionava batidas com velocidades abaixo do normal, com algum noise à mistura. Um autêntico consumidor de baterias, esgotando quem se aguentava ao longo de três dias de festival, com o disco “Space Is Only Noise” em destaque nas passagens do seu alinhamento tumultuoso, combatendo bem o espectador que menos presença teve durante o evento – o frio.

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Terminou então a oitava edição do festival, a primeira como NOS Alive, estando já marcadas as datas para 2015 – 9, 10 e 11 de Julho. A aposta em nomes actuais da música pop agitaram, como era esperado, o público mais jovem da faixa etária alvo do evento, assim como foram firmados os créditos de vários artistas e bandas que se aguardavam.  O nosso Glastonbury à beira-mar plantado tem cada vez mais uma entidade capaz de arrastar multidões aos mais diversos palcos, dos grandes aos pequenos, passando por um exclusivamente dedicado à comédia, onde passaram alguns dos maiores humoristas nacionais, dispensando apenas neste aspecto a atenção da grande porção de forasteiros que nos visitam neste fim-de-semana: pelo sol, por Lisboa, pela música, seja ela qual for.

Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: NOS Alive

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