Texto: David Matos
Durante os vinte anos que separam Isolationist de Lisboa Depois de Morta, o nome Thragedium passou de um dos mais promissores e inovadores projetos do Gothic/Doom português, com os seus traços vincados de Neofolk, a uma memória de culto do underground nacional. Em 2023, o terceiro álbum finalmente surgiu, renascendo das cinzas o gigante adormecido. No passado dia 3 de Maio, esse gigante apresentou-se em Leiria, para um concerto intimista na Stereogun, com pouca afluência mas de excelência.
Passavam quinze minutos das 23 horas quando o quarteto de músicos subiu a palco, acompanhado de uma quinta misteriosa figura mascarada e ao som da introdução de spoken word Nossas Misérias. Seguiu-se Desagregação, o primeiro tema do novo álbum, que acabaria por ser tocado quase na íntegra e constituiu a totalidade da setlist. Uma aura de melancolia trágica abateu-se sob a plateia, com a voz sussurrada e o gutural abismal, os riffs arrastados reminiscentes dos primórdios do Death/Doom, a guitarra portuguesa a dar uma alma lusitana à letra bilíngue, e a percussão a dar um toque ritualesco, ainda mais vincado no segundo tema Lucefécit e o seu canto demoníaco.
Depois de assinado O Pacto de tragédia com a plateia, a brilhante Terra Mãe, música em que o fado espreita por entre soturnos lamentos, a um ritmo ligeiramente mais impetuoso. The Adorer voltou a abrandar a viagem, trazendo na mala um refrão de Gothic/Doom clássico. O gótico tornou-se ainda mais evidente na espécie de balada Um Mal Necessário, o momento mais leve de um concerto de atmosfera densa e pesada, sublinhada pelo uso estratégico de fumo em quantidade prolífica.
Antes de passarmos ao trio final de temas, convém mencionar de novo a presença da demónica figura mascarada, uma espécie de ator mudo que durante todo o concerto se foi movendo lentamente em palco, por vezes acompanhado por uma caveira humana, assombrando o espaço com a mesma inquietude com que se apresenta na capa do álbum Lisboa Depois de Morta.
Pretérito Imperfeito provou que às vezes é na imperfeição que encontramos o que mais nos abre o peito e enche o coração. Nations Fall precedeu o último tema, num dos momentos mais pesados da noite, uma planície desolada de Death/Doom arrastado que suga a esperança até dos mais otimistas.
A banda agradeceu pela derradeira vez ao público, antes de anunciar que iria tocar pela primeira vez ao vivo o épico de doze minutos The Old Oak And The Mandrake Root. Esta viagem sonora é uma espécie de compilação de todas as facetas da banda, a despedida perfeita para o concerto que terminou precisamente uma hora depois de ter começado.
Para a memória fica uma noite de reconfortante melancolia e doce tristeza, uma espécie de morte que aviva ouvidos ávidos de sonoridades negras, que dão banda sonora a um mundo onde, por vezes, os céu do amanhã se pinta de um inquietante negro de incertezas.
Setlist: Nossas Misérias (Intro) • Desagregação • Lucefécit • O Pacto • Terra Mãe • The Adorer • Um Mal Necessário • Pretérito Imperfeito • Nations Fall • The Old Oak And The Mandrake Root
Fotografia: David Matos