Texto e Fotografia: Ana Ribeiro
No passado dia 21 de Setembro, Leslie Feist, artista canadiana mais conhecida apenas por Feist, actuou no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para apresentar o seu novo álbum Multitudes.
Feist é reconhecida pela sua voz única, quente, suave e de uma sensualidade muito própria, com um granulado característico, uma fragilidade que contrasta muitas vezes com uma voz extremamente segura e sólida ao circular entre os diversos estilos que definem a sua carreira – indie rock, jazz pop, bossa nova ou folk. Trata-se de uma artista que experimenta sonoridades diferentes de álbum para álbum, chegou para apresentar o seu último lançamento onde decidiu experimentar os limites da sua voz numa mistura de rock e folk progressivo, nunca perdendo a sua identidade.
Passava pouco mais de quinze minutos das 21 horas, hora marcada para o início do concerto, quando Feist tocou os primeiros acordes de “The Bad In Each Other “. Num Coliseu composto, mas não perto de estar esgotado, a artista, que se encontrava apenas com a sua guitarra num pequeno palco no centro da sala, foi abraçada pelo público à sua volta que logo começou a acompanhar a música com os característicos ‘bate-pé’, o som icónico que muitas vezes é o preludio de um bom concerto que se vai testemunhar no Coliseu dos Recreios. Nesse palco central e intimista, Feist escolheu um elemento do público, Jeremy, também canadiano, ‘por coincidência’ disse a artista, para circular com uma pequena câmara que transmitia imagens para a tela posicionada junto ao usual palco do Coliseu.
Feist tocou a imprescindível “Mushaboom” e na seguinte “The Redwing” Jeremy começou a filmar imagens que o público mostrava para a sua câmara. Enquanto circulava pelo público, a projecção no palco transformou-se numa enchente de pessoas importantes para quem estava no concerto, desde crianças a casais, como também paisagens de certo especiais e sem deixar de lado vários animais claramente queridos para quem orgulhosamente os mostrava. Feist admitiu que algumas das imagens a deixaram um pouco emocionada, pois eram imagens de pessoas queridas para ela ou mesmo dos seus cães. Seguiu com “Century” e “Forever Before”, quando lhe entregaram um ramo de flores e, enquanto estava a afinar a sua guitarra falou mais um pouco com o público, desafiando os portugueses a cantarolar algo em português. Ouviu-se o “Malhão”, acompanhado por palmas ritmadas e com muito humor. Leslie partilhou uma memória da primeira vez que actuou em Lisboa, numa «universidade» (Aula Magna) onde o público também cantou algo para ela que, por sorte, disse, ficou gravado num voicemail durante anos.
Seguiu-se “Become the Earth” e a “A Man Is Not His Song”, onde Jeremy, ao circular por todas as áreas a que teve acesso, encontrou uma mala e lá de dentro tirou um caderno que entregou a Leslie. A música acabou com a artista a recitar um poema que supostamente estaria escrito no caderno, mas depressa se percebeu que tudo foi uma performance muito engraçada e que foi uma forma dinâmica e original de cativar o público e criar uma dinâmica de intimidade muito própria com a audiência. Nesse momento, quem ainda tinha dúvidas, rapidamente percebeu que o aleatório Jeremy era mais do que um talento natural para videógrafo, pois depressa passou de de imagens tremidas (de pés, camisas, mãos, chão… muito chão) para adoptar efeitos mais coincidentes com a artista e o seu novo álbum, entre eles a multiplicação de imagens fazendo da tela uma multiplicação infinita da artista.
As primeiras linhas de “I Took All of My Rings Off” foram cantadas a capella a atravessar o público fazendo o caminho do seu palco central para o palco usual do Coliseu onde se pode observar um literal cair da cortina, onde a meia luz foi substituída por uma forte luz branca se deu uma explosão sonoplasta com o entrar da banda a que a artista se juntou em palco.
Neste momento o seu concerto assumiu uma postura mais acelerada, mais ritmicamente marcada e onde Feist largou o acústico e passou para o seu registo mais electrizante com o seu tapete com loopstation e diversos pedais para a sua guitarra. Acompanhada por um público mais dançante, que sem hesitações seguiu a direcção do concerto, jogou-se a “My Moon My Man” com uma luz vermelha e “A Commotion” surgiu no pico de energia. Presenteou a audiência com “I Feel It All”, uma música que iria, segundo Leslie, «lá para o fundo» (do catálogo), e que foi claramente um dos momentos mais esperados avaliando pelo entusiasmo geral. A canção foi terminada num coro cúmplice entre artista e público que foi, obviamente, seguido por um êxtase de aplausos expectantes com as próximas músicas.
Feist não começou “Any Party” sem antes elogiar, mais uma vez Lisboa (foi uma constante durante toda a actuação) com uma séria de adjectivos, entre eles misteriosa e romântica, tudo isto numa voz doce contrastando assim a intensidade entre músicas e interacções com o público. Tocou ainda “Hiding Out In The Open” e em “Caught A Long Wind” os ânimos voltaram a acalmar um pouco relembrando-nos do poder da sua voz. Esta música terminou com a sua voz a ecoar num Coliseu em silêncio a respeitar a imponência da sua voz. Os aplausos quebraram esse silêncio e o concerto seguiu até “Sea Lion Woman”, que foi iniciada apenas com uma ténue luz vermelha gradualmente intensificada. “Let It Die” foi um pedido que alguém lhe fez chegar, por numa nota num papel, fazendo-a relembrar do tempo da escola.
Claramente a sentir o final do concerto, a cantautora ainda ofereceu ao público uma versão um pouco diferente do seu clássico “1234”, coordenando a audiência para acompanhar a música em três diferentes melodias (lado esquerdo do palco, lado direito do palco e bancadas), pedindo ainda que as vozes se fossem gradualmente transformando em algo semelhante a uma memória que vai desaparecendo, diminuindo assim o volume e as luzes até terminar numa batida abrupta. Um milissegundo de silêncio, muitos aplausos e enfim o regresso para o encore.
“Of Womankind” levou-a de volta para o público, onde dançou de braço dado com quem se cruzou antes de se deitar no chão, transmitindo tudo na tela inicial para onde Jeremy captava as imagens com a pequena câmara. Voltou ao palco para “Love Who We Are Meant To” e, novamente sozinha com a sua guitarra e três microfones à sua frente, num gesto de humor, a grande cortina branca voltou novamente a refletir as imagens do caderno preto, projectando assim a letra da música, escrita à mão.
Terminou o concerto a apresentar os elementos da banda e a equipa que a acompanhava e, claro, apresentou o Jeremy que afina é Rob Sinclair, com quem trabalhou para a criação deste espectáculo explicando o processo de criação e justificando o com o facto de ter «tempo demais para pensar durante a pandemia». Feist não perdeu uma oportunidade para interagir com o público, sempre bem disposta e amigável. Custou até a sala parar os aplausos, os conhecidos bater de pés do Coliseu e ao fim de poucos minutos, Feist regressou para presentear os resistentes com “Gatekeeper”.
Deu por assim terminada a digressão, com mais de duas horas de concerto em Lisboa. Um concerto intimista, mas nunca aborrecido: testemunhámos uma artista com uma voz única e fiel aos álbuns, que nos consegue transportar para uma realidade alternativa com uma melancolia confortável. A sua voz consegue abraçar-nos a alma como se fosse uma manta polar a aquecer-nos num chuvoso dia de Outono.