Shame no LAV. Energia de aço

Texto e Fotografia: Nuno Bernardo

A estreia em nome próprio dos Shame em Portugal aconteceu após três passagens em contexto de festival entre 2017 e 2019. Em Lisboa, num LAV a meio-gás, tomaram a ocasião para apresentar o seu terceiro álbum e recentemente editado Food For Worms.

Com entrega e energia nos píncaros, o vocalista Charlie Steen debruçou-se sobre um dos monitores assim que entrou em palco e mirou a plateia durante alguns segundos, esboçou um sorriso, e percebeu de que forma iria ser redimensionado o espectáculo. Não ia. À forma como a banda foi comunicando faixa após faixa, notou-se que a sua atitude sairia ilibada independentemente do número de pessoas para a acompanhar. A dúvida seria, apenas, se o público estaria à altura.

A arrancada foi desde logo feita com Food For Worms, sacando “Alibis” e “Fingers of Steel” para meter na mesa a diversidade do seu catálogo punk. Se a primeira é uma tareia mais directa, ideal para uma entrada forte, a segunda mostra uma faceta mais melódica e Interpol-esca na cadência das guitarras. À terceira, e já a fazer uma de apenas três visitas ao álbum anterior Drunk Tank Pink, foi “Water In The Well”, entoada de forma efusiva nas primeiras filas.

Enquanto Eddie Green e Sean Coyle-Smith trocaram impressões nas texturas abrasivas e melódicas, Josh Finerty fez do palco o seu ginásio com direito a corridas, saltos e movimentos radicais com o seu baixo. Steen na voz, já de camisa aberta, mostrou em “Concrete” seus dotes esquizofrénicos de dança, a dar tanto ares de Ian Curtis como de Iggy Pop. Não seria a única passagem pelo álbum de estreia Songs of Praise na parte inicial do concerto, destacando “Tasteless” já depois de uma “Six Pack” altamente contagiante e mais urgente do que a versão de estúdio.

“Yankees” e “Burning By Design” baixaram ligeiramente o ritmo para controlar as hostes, sem nunca se perder o público até ao final, que entre refrãos a plenos pulmões, crowdsurfing e pits alegres se manifestou ao longo do concerto. Também “Orchid” fez parte do alinhamento, doseando a melancolia possível entre jardas a roçar a febre dos subúrbios londrinos, casos de “Born In Luton”, “Adderall” e “The Fall Of Paul”.

Arranhou-se o português entre «obrigados» e «caras bonitas». Estabeleceu-se uma comunicação aberta e tornaram-se recorrentes os gritos do público entre faixas e até alguns bitaites de boa disposição. A banda, em especial o frontman, parece ter ficado agradada com esta ligação, ficando em pratos limpos de quem compareceu sabia ao que ia.

Não houve atritos entre “Friction” e “One Rizla”, dois dos momentos mais celebrados da noite e que se dirigiram a “Snow Day”, faixa que se destaca do seu reportório pelo kraut característico, seja pelas guitarras dissonantes ou pela capacidade de explosão do refrão. Ao vivo não foi diferente, ainda que de forma expectante se tenham processado os primeiros segundos. A fasquia permaneceu alta para a final “Angie”, declaração de amor irreverente que tornou óbvia a mensagem que se queria transmitir, pouco depois. «We’ll be back and we will see you again soon», rematou Steen, ao deixar escapar um sorriso enquanto abanava a cabeça.

Há quatro anos, no Super Bock Super Rock, também não eram muitos para os ver. Mas quem fez parte da curta plateia naquele palco principal do Meco sabia o que contar numa data própria do LAV. A entrega e a energia estiveram lá, intocáveis e de meter inveja a quaisquer outras bandas de espírito punk desde que o Brexit é tema capital. Mereciam e vão continuar a merecer uma sala esgotada.