Interpol no LAV. Uma luz que não se apaga

Texto e Fotografia: Nuno Bernardo

A fila para entrar no LAV, às 21 horas marcadas, confirmou a lotação esgotada para o regresso de Interpol a Portugal, país que precisou de esperar quase treze anos para um novo concerto seu em nome próprio. Dobraram-se as esquinas da Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa, que foi a primeira cidade portuguesa a receber esta visita da banda nova-iorquina, dois dias antes de rumar a Guimarães para actuar em nova edição do Courage Club. E tal como nesse festival, assim como nas restantes datas desta digressão, a primeira parte esteve a cargo dos conterrâneos Water From Your Eyes.

A dupla estruturou várias canções de pop electrónica bastante críptica, fazendo-se valer da spoken word num som algo embevecido em guitarra afiada e algo hesitante entre o noise e a melodia fácil. Rachel Brown e Nate Amos, sozinhos em palco, ficaram várias vezes reduzidos à potência digital dos beats, lançados via computador, e a curtas e imperceptíveis interacções com uma sala cheia.

 

«Surprise, sometimes, will come around». Há mais de vinte anos que estas palavras desarmaram os primeiros fãs de Interpol, ao tornar Turn On the Bright Lights um monólito do revivalismo pós-punk do virar do milénio. Não queremos acreditar que, vinte anos depois, o impacto seja o mesmo ou que a banda, agora composta apenas por Paul Banks, Daniel Kessler e Sam Fogarino, esteja igualmente presa a essa realidade. A ‘surpresa’ chegou num ambiente mais intimista que o habitual, depois de cinco concertos em festivais portugueses desde o último por cá em nome próprio.

O alinhamento passou, de forma inequívoca, pela apresentação de The Other Side of Make-Believe, disco editado no ano passado, emparelhando com uma aposta em Antics, segundo álbum da carreira. “Toni”, a abrir, puxou dos reflexos da bola de espelhos e antecipou um jogo de luz invulgar. Os tons avermelhados não demorariam a chegar ao som de “Evil”, tornando-se uma constante de uma larga porção do concerto. O ambiente mais acolhedor de um LAV (quando comparado com um palco enorme de um festival) não derrubou, no entanto, o frio e a distância do trio e os dois membros convidados, Brandon Curtis nas teclas e Brad Truax no baixo, para com o público. A interacção e o entusiasmo foram obtidos através do início de cada tema, casos de “Narc” e “Pioneer to the Falls”. Um dos maiores destaques na primeira metade do concerto foi, claro, a interpretação de “Obstacle 1”, segundo single do trabalho de estreia. Ainda que tocado e aplaudido tantas vezes, continua bastante dúbia aquela coordenação entre guitarra e bateria no pré-refrão, levantando sempre a suspeita de quem acompanha o compasso de uma música com o pé.

Para além de “Toni” e “Fables” no arranque do concerto, o álbum novo foi ainda introduzido através de “Into the Night”, “Passenger” e “Mr. Credit”, assumindo um conjunto bem entrosado com os temas mais antigos. Nenhum disco ficou de fora do alinhamento, ainda que as visitas tenham sido de médico. Do anterior Marauder lembrou-se “If You Really Love Nothing”, do homónimo Interpol recuperou-se a mais memorável “Lights” e de El Pintor, surpreendentemente, deram-nos “My Desire”. Estas duas últimas foram mesmo dos momentos mais altos da noite, de tensão e catarse sónica q.b.. As semelhanças de “Rest My Chemistry” com “Where Is My Mind?” dos Pixies é ainda mais evidente ao vivo,  não deixando de ser bem recebida pela plateia que entoou as palavras semi-imperceptíveis de Paul Banks.

“Roland” e “The New” fizeram as outras passagens menos óbvias pelo trabalho de estreia, antes da agitada “Slow Hands” denunciar em força a saída para encore. “Lights”, já aqui referida, fez a reentrada convincente, antes de uma última passagem por Our Love to Admire com “No I in Threesome”. A aliciante “Not Even Jail” serviu de despedida, enaltecendo o valor do tempo que se tem. Mas vinte anos volvidos, Turn On the Bright Lights continua a ofuscar todo o restante catálogo dos Interpol, em especial da última década e meia. Qual enorme sismo de 2002, os álbuns sucederam-se à imagem de réplicas, cada vez mais espaçadas e também de menor intensidade. Em palco, e sem surpresas, o sentimento não é muito diferente.