Fotografia: Ana Ribeiro | Texto: Ana Margarida Dâmaso
O NOS Alive regressou, finalmente, após dois anos adiado pela pandemia. A organização conseguiu, ainda assim, guardar alguns dos nomes previstos para 2020 ou 2021 para actuar no Passeio Marítimo de Algés entre os dias 6 e 9 de Julho. Entre vagas de calor extremo, cancelamentos tardios e alguns atrasos, a organização tomou os primeiros dias para voltar a olear a máquina. A parte positiva é que ao fim de quatro dias de festival, qualquer obstáculo parece – e é – muito mais fácil de ultrapassar, conseguindo-se limar as arestas para terminar em grande.
6 de Julho
Com dias de muito Sol e temperaturas bastante elevadas, a vontade de chegar acabou por também ela vir um pouco mais tarde, pelo que os primeiros a chegar ao recinto foram sobretudo jovens, que em dia útil possivelmente são aqueles que ainda não estão em idade activa ou que tiraram propositadamente uns dias para este propósito. Se em Lisboa existisse um Coachella, o NOS Alive estaria próximo de ganhar o título, considerando o número de estrangeiros e a espécie de passagem de modelos e bronzeados de início de Verão. Mas dado o interregno, esta edição terá sido certamente o primeiro festival para alguns, destacando-se de grupos já mais habituados a estas andanças.
Pontualmente às 18 horas foi Mallu Magalhães a inaugurar o palco principal no regresso do NOS Alive, oferecendo sorrisos e simpatia qual “Velha e Louca” da “América Latina” nos seus sucessos. Não parece ter sido preciso “Mais Ninguém” para conquistar o público que se fixou à sombra do Palco NOS no final da tarde, tanto para ver a jovem cantautora brasileira como para guardar lugar para Jungle, que intercalaram a sua actuação com Balthazar no Palco Heineken, no ponto oposto do recinto. A dupla inglesa parece ter os portugueses como garantidos e com as suas roupas veranis entregou-se à brisa do Tejo a partir das 19h30. “Keep Moving”, “All of the Time”, “Talk About It” e “The Heat” foram alguns dos temas que permitiram interacção e comunicação, sempre com uma palavra dirigida ao público e inclusive na língua de Camões. O fim deu-se ao som de “Time” e “Busy Earnin’”, temas maiores para um sunset tranquilo e condizente.
No âmbito nacional, encontrámos Da Chick no WTF Clubbing. Mesmo avançando a hora da actuação, são poucos os que se reúnem neste palco pelas 20 horas, com a grande maioria sentada para jantar ou passar um tempo com os amigos no tapete em frente ao palco. Apresentando-se na voz e teclas, acompanhada por banda, a portuguesa apontou as palavras ao inglês: «Everybody ready to party? Let me hear you say yeah! Let me hear you say hell yeah!» foi um dos chavões da comunicação. Em suma tratou-se de um concerto que só ganhou mais adeptos após o final de Jungle no Palco NOS, que dividiu atenção com a estreia nacional de Modest Mouse, que entretanto arrancou no Palco Heineken ao lado. Demonstrou ainda assim o seu contentamento, partilhando que «é um prazer voltar ao Alive, sempre».
No Palco NOS seguiu-se a noite com sete homens em palco e um público mais maduro para The War On Drugs. Rock calmo, confortável, melancólico e com direito a um lusco-fusco quentinho. Arrancaram com “Old Skin”, percorrendo apenas quatro êxitos antigos para somar à apresentação do mais recente álbum I Don’t Live Here Anymore. Deste entregaram-nos “I Don’t Wanna Wait”, “Victim”, “Harmonia’s Dream” e a faixa-título, a fechar, indo até contra as expectativas por dispensarem um encore (recorrente nos seus alinhamentos em festivais nos dias anteriores). Não deixaram de assinalar o prazer de estarem presentes, num agradecimento contido.
Mantendo-se a tradição de alguns dos nomes mais sonantes e aguardados da cena menos mainstream resguardar-se no palco secundário, foi lá que entre mosh e muito suor encontrámos os irlandeses Fontaines D.C., em estreia nacional para mostrar que são “Boys In The Better Land”. Uma pura festa de punk de apresentação do novo álbum Skinty Fia, a dividir o alinhamento com singles de Dogrel e A Hero’s Death. A declaração final de apreciação ao público português deu-se ao som de “I Love You”.
De regresso ao espaço de clubbing, o jovem vencedor dos prémios Play deste ano, Eu.Clides, foi por sua vez bastante aplaudido e recebido com grande ovação pelo público que o aguardava. A aparição fez-se de chapéu, em aparência, e sonoramente com um instrumental que nos levou a “Volte-Face”. Quando chegou a “Desmancha-Prazeres”, já se havia formado um salão de kizomba naquele relvado, num serão que seguiu a “Meia-Luz” e “Venham Mais 7”.
Para os que se deslocaram ao Passeio Marítimo de Algés para reviver a adolescência dos anos 2000, os The Strokes não foram muito além disso. Is This It e Room On Fire, discos primários da discografia, foram os pratos principais de uma refeição algo regada – Julian Casablancas não parecia estar em si entre canções – apesar das três passagens pelo mais recente The New Abnormal. Somou-se um concerto pouco consensual, especialmente considerando a sua duração após 16 temas curtos, sendo um deles uma rápida versão de “Sofia”, original de Clairo e que Casablancas casou com “As It Was” de Harry Styles, disparando que «toda a gente a tocar a mesma música há 20 anos». O encore serviu para lembrar que First Impressions of Earth também tem os seus bangers, como o caso de “You Only Live Once” ou a final “Juicebox”, mas ficou uma impressão de que, com o estatuto conquistado no revivalismo do post-punk e do indie rock há vinte anos e com o protagonismo de headliner, se esperava mais, muito mais.
Felizmente chegaria depois um dos melhores concertos desta edição às mãos do belga Stromae. O atraso do concerto foi acompanhado com vários cânticos pelo músico belga, com alguns cartazes espalhados pela audiência a assinalar quão aguardada era esta estreia em solo português. Paul van Haver, se quisermos chamar Stromae pelo seu nome real, entra em palco acompanhado de quatro outros músicos em plataformas deslizantes, com um piscar de olhos à tecnologia e à temática futurista, tal como os efeitos de palco que revelam uma perspectiva ultra-dimensional. Ou multi-dimensional, já que um pouco assim que o disco mais recente, Multitude, se propõe a observar.
Depois da introdutória “Invaincu”, Stromae chegou-se à frente a um palanque com vários microfones televisivos, qual político ou diplomata a discursar em “Fils de joie” com soldados a marchar em plano de fundo. Entre os seus primeiros passos de dança, cumprimentou o público num português quase perfeito: «Boa noite, Lisboa. Como estás? Tudo bem?», antes de nos dar “Tous les mêmes” na primeira visita ao anterior e aclamado álbum Racine carrée. Em formato vídeo, ao fundo, vimos reproduções da sua persona, com interacções bem encenadas em “Quand c’est?” e a oposta dupla do novo álbum, “Mauvaise journée” e “Bonne journée”. Maus e bons dias que nos levam a deitar num sofá, como Stromae em palco.
Acabou a pedir a assistência do seu cão robô, que lhe trouxe o casaco para “Papaoutai”, seguindo-se “Ta fête” e “Formidable”, nesta já desfraldado e com um toque dramático. E se “L’enfer” nos contou sobre o afastar de demónios pessoais, “Santé” fez-nos brindar e descobrir o Fred Astaire que há em milhares de pessoas em Algés, a seguir os passos da coreografia assinalados nos ecrãs. Não faltou “Alors on danse”, sucesso de uma outra vida do belga, e serviu-se “Mon amour” a capella para os aplausos finais.
A festa ainda continuou, para quem ainda tinha pé de dança para mais, no WTF Clubbing com Moullinex.
7 de Julho
Ao segundo dia de NOS Alive, o público concentrou-se no palco principal às 18 horas para Os Quatro e Meia. Seis rapazes, unidos pela vida académica e de fato para «serem levados a sério», dizem nunca ter esperado estar num palco daquela dimensão. Não se couberam em palavras e referiram que até tinham bilhetes para Da Weasel dois dias depois, fazendo a ponte com a colaboração com Carlão no tema “Bom Rapaz”, um dos mais conhecidos do conjunto. O público, sobretudo jovem e feminino, mostrou saber as letras e ajudou a tornar o momento ainda mais marcante para a banda de Coimbra.
Num pulo até ao Palco Heineken encontrámos mais uma das vozes mais aguardadas desta edição, a de Alec Benjamin. Este palco, decorado com balões brancos suspensos, mostra-se ser cada vez mais acolhedor e até fofo face à magnitude de tenda que se traduz no palco secundário do festival há muito, muito tempo. A plateia bem preenchida, especialmente para a hora em questão, mostra que o artista era bastante esperado pelo público, composto sobretudo por jovens e até acompanhados pelos pais. Ergueram-se cartazes, cantaram-se todas as letras e aplaudiram-se fundos coloridos, com direito a algumas bandeiras de expressão LGBT. Sorridente e interactivo, o cantor falou sobre esta sua primeira vez em Portugal, garantido ser um dos sítios mais bonitos onde já esteve. A nível de alinhamento, ofereceu “Older”, “If We Have Each Other”, “Change My Clothes” e “The Way You Felt” num dos concertos a destacar deste festival. «Vocês são incríveis! Este é o meu concerto favorito», confessou Benjamin, prosseguiu com “Jesus In LA”, trocou de guitarra para “If I Killed Someone For You” e, já depois de “Death of a Hero”, fez levantar até quem aproveitou para relaxar no chão do festival para se cantar “Let Me Down Slowly”.
Em comparação com o dia anterior – leia-se Jungle no Palco NOS a esta hora – Celeste teve direito a uma plateia bem mais composta. Depois dos seis meninos de fato chegou uma mulher cheia de elegância e classe para receber os festivaleiros num registo jazzístico, roçando entre a R&B e a soul, fazendo até relembrar algumas divas do género, como a falecida compatriota Amy Winehouse, desde o cabelo à maquilhagem. De luvas pretas e com um vestido que contempla um género de bóia de salvação (apesar de não precisar, de todo, de ser salvo), a cantora britânica abriu caminho com “Ideal Woman”, “Father’s Son” e “Lately”. De poucas palavras mas dada à acção, acabou por descer ao público e percorreu o corredor central para cumprimentar quem estava nas primeiras filas.
Já às 20h15 voltou a ganhar destaque a bandeira irlandesa, no Palco Heineken, para receber Inhaler. Mais uma certeza deste palco secundário com o indie rock a marcar presença diante de público muito efusivo e em êxtase a cada tema. Foi a apresentar It Won’t Always Be Like This que a banda atraiu não só o público português mas também muitos festivaleiros estrangeiros, em especial visitantes das ilhas britânicas. Tendências vincadas no NOS Alive, tal como o uso dos telemóveis com letras garrafais por parte do público à espera que um operador de câmara lhes dê o spotlight dos ecrãs que ladeiam o palco.
Com um recinto bem mais preenchido pela hora de jantar, a impressionante Jorja Smith garantiu muitos lugares marcados para o seu concerto a arrancar às 21 horas. Num palco que mais pareceu uma sala de um concerto intimista, apesar da sua imensidão, consagrou-se uma das mais agradáveis certezas desta edição. Cabelos longos enquadrados numa banda que instrumentou soul, smooth jazz e R&B ao longo do alinhamento, iniciado com “Teenage Fantasy”, “Be Honest” ou “Addicted”. O público dançou, deixou-se arrepiar e escutou as palavras de Jorja: «Hoje é o dia das mulheres!», fazendo alusão ao trio de concertos terminado com a headliner Florence Welch. Depois de um solo de bateria, ficaram para o final os maiores sucessos. Casos de “Blue Lights”, “Come Over” e “On My Mind”, que encaminharam para uma despedida emocionante, de olhos lacrimejantes por parte da cantora britânica.
Com um pezinho no WTF Clubbing, sendo o palco mais perto do principal, deu para algum tempo para um dos omnipresentes ‘tugas’ deste ano. Pedro Mafama ofereceu ao seu bastante público um punhado de canções balançadas entre o velho (que não é assim tão velho) e o novo, com clara preferência da audiência pelas primeiras, exemplo de “Lacrau”.
Prosseguindo-se o desfile no feminino no Palco NOS, 22h45 foi a hora de Florence + The Machine. A incomparável voz angelical e a beleza de Florence Welch estiveram de mãos dadas também com a maturidade da cantora, de regresso ao festival e com mais anos disto nas pernas. Assegurou o seu estatuto com um vestido vermelho e uma espécie de xaile que, quando aberto, lhe proporciona a ideia de umas asas numa figura assente em pés descalços e firmes. A característica harpa assinalou êxitos incontornáveis na setlist. “Heaven Is Here”, “King”, “What Kind of Man” e “Kiss With a Fist” deram o pontapé de saída, mas não demorou muito para a apoteose de “Dog Days Are Over”. Na sua cumplicidade indescritível, Florence acabou por pedir aos fãs para iluminarem o recinto com os seus telemóveis, assinalando um dos momentos mais bonitos de todo o festival. «Eu adoro-vos!», rematou, motivando abraços e saltos em várias filas.
Em “June” gritou «Hold on to each other», antes de descer às grades e cantar o primeiro verso para uma fã, que se agarrou a si incrédula em “Dream Girl Evil”. Seguiu-se com “Ship To Wreck”, “Cosmic Love” e “My Love”. Entre sorrisos e abraços, a recta final foi arrancada com “Big God” e com a corrida em “Spectrum”. Emocionada e com o público rendido, entoado o seu nome, Florence Welch passou ainda por “Never Let Me Go” e “Hunger” antes do encore. Na sua simpatia contou-nos que esta foi a audiência mais «amável» de todos os festivais por onde tem passado. “Shake It Out” e “Rabbit Heart (Raise It Up)” fecharam com chave de ouro após regresso ao palco.
A noite prosseguiu nos palcos secundários com Fogo Fogo e Nilüfer Yanya, mas foi novamente no Palco NOS que se centraram as atenções para os já conhecidos alt-J. Talvez por serem repetição – ou o horário tardio, face a ser um dia de semana, apenas meio-público ficou para “Every Other Freckle” ou “In Cold Blood”. A banda formada em Leeds afirmou estar feliz por regressar ao festival, mantendo a constante admiração mútua com o público português. “Tessellate”, “U&ME”, “Matilda” ou “Something Good” foram alguns dos temas que desfilaram pela noite dentro, com uma panóplia de efeitos strobe, fundos do mar e superfícies planetárias. Já depois de “Taro” ou “Fitzpleasure”, foi a sempre apreciada “Breezeblocks” que fechou o concerto que, tal como em passagens anteriores, teve o seu alinhamento focado no aclamado álbum de estreia An Awesome Wave, um fenómeno que continua a arrancar aplausos dez anos depois.
Mais tarde, coube a Dino D’Santiago fazer a festa no Palco Heineken, seguido de Bateu Matou que substituíram um dos nomes mais esperados desta edição, os cancelados Glass Animals.
8 de Julho
Ao terceiro dia de NOS Alive e apesar dos 43ºC (!) e apenas uma leve brisa marítima, o recinto vestiu-se de negro com os metaleiros a envergar o seu merchandise de Metallica. Sozinhos, entre amigos ou até em família, são várias as gerações que se cruzaram em Algés para este dia, com uma média de idades claramente superior face aos dias anteriores.
Talvez devido ao calor que se fez sentir, a maioria acabaria por chegar em horas mais tardias, sendo que para o primeiro concerto no Palco NOS encontrámos apenas umas poucas centenas de pessoas, a aproveitar a sombra proporcionada pelo palco: foi mesmo assim que às 18 horas os Don Broco foram recebidos. O vocalista Rob Damiani podia ser considerado o tipo mais estiloso do rock, a distanciar-se do black style. Não obstante, a banda suscitou mosh logo ao segundo tema, com o guitarrista a revelar-se super inquieto com movimentos de pernas a superar muitos atletas.
Meia-hora depois já os Sea Girls subiam ao Palco Heineken, espaço mais fresco mas também menos lotado. Os simpáticos rapazes britânicos praticaram o seu indie rock de voz fofa e deixaram-nos o seu repertório com “Sick” e “Call Me Out”, entre outras.
Uma das escolhas incompreendidas do dia caiu na hora que se seguia, com o concerto de AJ Tracey no Palco NOS. A entrada do rapper londrino foi antecedida por um vídeo com a sua versão digital, à moda de jogo de computador e com olhos azuis de laser. Em palco, apenas o seu DJ pede ajuda ao público para a entrada de AJ. Apesar de haver quem abanasse as pernocas ao som do hip-hop, a verdade é que o concerto pareceu muito deslocado para o que se esperou para um dia dedicado ao metal, ou pelo menos como a tradição mandava quando o nome de Metallica surgia no topo de um alinhamento de um festival generalista. No palco WTF Clubbing, no entanto, a tendência do dia foram mesmo as rimas e as batidas.
As filas para o merchandise foram-se adensando e o recinto também ficou bastante mais preenchido assim que a luz solar se começou a desvanecer. O hip-hop deu novamente lugar ao rock no Palco NOS com os certeiros Royal Blood. A dupla fez-se acompanhar com apoio na percussão mas, mais uma vez, Mike Kerr e Ben Thatcher surgiram para reafirmar que a bateria e a guitarra (que, neste caso, o papel é desempenhado por um baixo) são os ingredientes representantes do mundo rock. Estes putos cresceram, assumem agora uma postura mais madura tanto na música como no contacto com o público. Deram-nos a escutar “Typhoons”, “Boilermaker” ou “Trouble’s Coming” do mais recente disco, Typhoons, mas foi o trabalho de estreia que teve maior destaque com “Come On Over” ou “Little Monster”, por exemplo.
Pouco antes das 22 horas, encontrámos uma tenda cheia para receber uma das artistas mais esperadas do dia: Annie Clark conhecida na música como St. Vincent. Classe e impacto, de shorts cor-de-rosa e com um quê de suave, Clark mostrou-se sempre muito coordenada com as suas vozes de suporte. “Digital Witness” serviu de entrada e, entre descuidos calculados, foi-nos mostrando todo o seu poder vocal. Além de um espectáculo sonoro, o concerto permitiu assistir a todo um enredo teatralizado em “Down”, “Birth in Reverse” ou “Daddy’s Home”. Depois de um brinde, em “New York” a artista texana dirigiu-se à primeira fila de onde cantou durante vários minutos. A apresentação do mais recente disco Daddy’s Home fez ainda outras passagens, como “Pay Your Way in Pain” ou a final “The Melting of the Sun”, mas existiram também aplausos para o catálogo mais antigo, como “Your Lips Are Red” e “Cheerleader” nas visitas a Marry Me e a Strange Mercy, respectivamente.
Já a noite tinha chegado quando o grande nome da noite subiu a palco. Telemóveis ao alto e o público recebe os Metallica que, com o passar dos anos, mais nos assustam pelas suas capacidades físicas. Mantém-se a pedalada e o mesmo timbre e, sem se distrair, James Hetfield foi frequentemente saltando um «Lisboa!» com resposta efusiva para cerca de 60 mil pessoas. Dispararam cedo com “Whiplash”, “Creeping Death” e “Enter Sandman”, não ficou de fora a balada “Nothing Else Matters” e fizeram-se visitas rápidas a Death Magnetic e a St. Anger com “Cyanide” e “Dirty Window”, respectivamente. “Whiskey in the Jar”, versão própria do cancioneiro tradicional irlandês, foi entoada antes de “For Whom the Bell Tolls” e “Moth Into Flame”, antes da saída de palco com “Fade to Black” e “Seek & Destroy”.
O encore aconteceu ao som de “Damage Inc.”, antes de “One” e “Master of Puppets”, esta agora guardada para o fim depois da revitalização juvenil na série Stranger Things. Se fossemos a votos, Metallica talvez ganhariam o prémio para melhor concerto do festival.
No Palco Heineken a noite continuou com Três Tristes Tigres e, mais tarde, com M.I.A., a dar entrada à madrugada.
9 de Julho
Por ser sábado ou o quiçá o dia mais aguardado, o recinto encheu bastante mais cedo no quarto e último dia de festival. Encontrámos mais falantes de português, mais famílias e mais gerações e, por consequência, mais filas para todo o tipo de brindes.
Os primeiros a subir ao Palco NOS neste 9 de Julho foram os Mother Mother, banda canadiana de indie rock que se aproveitou da sombra provocada pelo palco para entreter as primeiras filas que já guardavam lugar para os nomes da noite.
Estaria para acontecer neste dia o concerto mais esperado dos últimos anos, anunciado ainda pré-pandemia. Na conferência de imprensa que antecipou a actuação de Da Weasel, passados quase treze anos depois do seu último concerto e que nunca se chegou a formalizar como despedida, a banda partilhou a sua ansiedade e excitação pela presença nesta edição do NOS Alive, cujo alinhamento estaria pronto desde 2019. Foi realçada também a importância da sua música que, após 15 ou 20 anos, continua a ser cantada e admirada pelas novas gerações. Enverderam, a rigor, t-shirts oferecidas e enviadas pela Federação Portuguesa de Futebol, como sinal do orgulho lusitano e esta ligação ao desporto que sempre os marcou.
Ainda antes deste concerto especial, tivemos hipóteses de assistir, no mesmo palco, às magníficas HAIM, numa altura em que chegar às primeiras filas já era tarefa complicada. Na tela de fundo podia-se ler «Women In Music» e foi, assim, que as três irmãs multi-instrumentitas, à sua vez, foram invandindo o palco e a audiência com o seu poder ao som de “Now I’m in It”, sublinhando a importância do rock no feminino. A acompanhá-las esteve a restante banda composta por baterista, teclista e percussionista. Aproximaram-se do público, chutando um «Lisbon, are we in it?», seguindo o concerto com “My Song 5”, “Want You Back” e “3 AM”. Muito interactivas e com uma certa dose de humor, acabaram por captar a atenção do público nacional que ainda não as conhecia.
No final deste concerto quem ainda não tinha garantido o seu lugar, começava a aproximar-se do pouco espaço disponível junto ao Palco NOS para o ‘o’ concerto. A doninha estava mesmo de regresso e várias gerações não queriam deixar de testemunhar, incluindo vários milhares que não chegaram a ver a banda a actuar durante a sua actividade. Foram-se juntando grupos improváveis para o mesmo concerto: pessoas mais novas, mais velhas, de estilo mais rock ora mais pop e glitter. Pais, filhos e amigos. Todos juntos que se foram concentrando com o vento, uma brisa marítima apontada de Almada que colocou os Da Weasel em Algés.
O documentário lançado pela banda este ano serviu de introdução nos ecrãs e o público respondeu, cantando as músicas introduzidas. Assim que o relógio bate a hora certa, as 21, a banda entra em cena para tomar os seus lugares debaixo de uma enorme ovação. Como um estalo, “Loja (Canção do Carocho)”, “A Essência – Vem Sentir” e “Força (Uma Página de História)” abriram caminho para uma das histórias mais bonitas da música portuguesa. Só ao final do terceira tema é que Carlão deixou sair um «Custou mas foi, porra!», servindo de rosto para o alívio e a felicidade de estarem novamente juntos em palco. O banquete de emoções prosseguiu ao som de “Duía”, “Jay” e “Carrosel (Às Vezes Dá-me Para Isto)”. O híbrido rock, hip-hop e pop que assinalou a sua carreira discográfico foi dissecado neste concerto, somando “Dialectos de Ternura” com “Bomboca (Morde a Bala)” e “GTA” com “Casa (Vem Fazer de Conta)”, mostrando que este concerto não foi apenas para os ligeiros fãs, mas sim também para os mais fanáticos.
“Mundos Mudos”, “Niggaz”, “Outro Nível”, “Pedaço de Arte” e, claro, “Re-Tratamento”, definiram o corpo central do alinhamento, que terminou com “Adivinha Quem Voltou”, “God Bless Johnny” no regresso às origens e o hino, que podia ser mesmo o tema do festival deste ano, “Tás Na Boa”. Cereja no topo do bolo que só poderá ficar manchado por muitos esperarem a presença de Manel Cruz em “Casa”, já que actuou na mesma noite, noutro palco. Mas a verdade é que parecia impossível encaixar todos os seus hits numa só noite mas, ainda assim, o público não se contém a entoar «Esta merda é que é boa», repetidamente, às notas de “Seven Nation Army” dos White Stripes. Os Da Weasel, abraçados e a encararem os muitos milhares de aplausos, despedem-se com “A Palavra” saída do PA, o instrumental tema para Sassetti, como em homenagem ao falecido pianista.
Na nossa única passagem pelo Palco Comédia, após as 22h30, serviu para assistir à enchente de Inês Aires Pereira e Raquel Tillo, que precisariam de muito mais espaço para receber o talento destas duas comediantes.
Já depois das 23 horas foi a vez de Imagine Dragons, herdando muito do público de Da Weasel, a terem casa cheia neste regresso ao NOS Alive cinco anos depois. O vocalista Dan Reynolds surgiu com um ar meio atlético, com camisa de rede preta e calções, mas foi com a sua simpatia e entrega esplendida que agarrou a plateia. O toque de entrada deu-se com “It’s Time” e logo no último refrão explodiram confetti, passando-se depois para canhões de fogo no meio de “Believer”, com a audiência bem formada para entoar os silêncios. «Que noite bonita. Eu lembro-me do nosso primeiro concerto aqui, há dez anos atrás», refere Dan Reynolds, referindo-se a um concerto que aconteceu não há dez mas sim há oito anos, naquele mesmo palco no NOS Alive de 2014. «Esta noite é uma celebração. Uma celebração de vida, com família e amigos», garantiu.
Somaram-se sucessos, como “Natural”, “Demons” e “Enemy”, e dedicou-se “It’s Ok” aos mais novos, uma geração que os idolatra, falando-lhes directamente num ensinamento sobre o bem-estar e os recursos, pois há momentos da vida que podem ser mais difíceis do que outros. Depois de uma passagem acústica por “Forever Young” dos Alphaville, despediram-se com “Radioactive” e com mais palavras dirigidas ao público português: «Vou levar-vos comigo para casa em Las Vegas. Nós continuaremos a voltar!», não deixando margem para dúvidas de que a banda se sente apreciada nos palcos nacionais.
A língua portuguesa continuou a reinar pela voz e guitarra de Manel Cruz no Palco Heineken, entregue à escuridão com a sua pronúncia do norte. Deixa-se passar uma leve passagem de ar pela extensa plateia e o artista, num bonito gesto, usou as mãos para registar o momento, como se segurasse uma invisível máquina fotográfica. Partilhou-nos uma cria do confinamento, “Acordou”, e foi até ao disco de Foge Foge Bandido e fez voar a “Borboleta”, apreciando a companhia do público que mostrou saber as letras de cor. Deixou para o “Ainda Não Acabei” e “O Navio Dela” debaixo de aplausos.
Continuando pela noite no mesmo palco, deparamo-nos com Parcels, os miúdos que poderiam perfeitamente encaixar no palco principal, dado que a dimensão deste não foi suficiente para receber todos aqueles que pretendiam ver os australianos. Como esperado, foram dignos de uma das maiores recepções, com o público a entoar cânticos. Bem mais crescidos, despiram-se da classe habitual que os caracterizava e surgem agora mais inovadores na aparência – digamos, uma espécie moderna do estilo Stranger Things, se tivessemos de arriscar a descrever.
Apresentaram-se numa versão mais disco party, entrando quase discretamente pelos seus sucessos como “Lightenup”, “Comingback” ou “Tieduprightnow”, vibrando com o público, maioritariamente jovem, em êxtase. «Vamos iniciar esta festa», pôde-se ouvir antes de “IknowhowIfeel”, com as palavras a serem sempre dirigidas durante as músicas. Dançou-se ao seu jeito e ritmos próprios, descartando as letras para dar mais ênfase nas batidas, recorrendo somente a algumas estrofes de cada música. Com a sua boa energia, elogiaram o público para “Hideout” e qual febre de sábado à noite, a pista fez-se sentir com dança, saltos, copos a voarem, cervejas entornadas e pessoas levadas em ombros.
Para alguns este foi o melhor fecho possível do festival, enquanto que para outros seguiu-se ainda à entrada da madrugada no Palco NOS com Two Door Cinema Club e, mais tarde, com Caribou no regresso ao Palco Heineken.
De acordo com a organização, na pessoa de Álvaro Covões, o NOS Alive «foi um sonho do qual não queremos acordar», contabilizando-se no fim um total de 200 mil pessoas, de 98 nacionalidades e somente 4 baixas de artistas no total do alinhamento, numa altura em que os cancelamentos provocados pela logística pandémica ainda são possíveis. Para o registo, a maioria dos bilhetes para esta edição foi vendida aquando do anúncio do concerto de Da Weasel, deixando assim uma marca história da vida deste festival.
Foi mais um ano, mais uma edição e um grande regresso deste «teatro de sonhos», que regressará em 2023 nos dias 6, 7 e 8 de Julho.