Nuno Bernardo

Pussy Riot no Capitólio. A opressão russa desmascarada

Texto: Ana Rodrigues | Fotografia: Nuno Bernardo

A rebelião começou à hora marcada, num Capitólio quase cheio. Entre meros curiosos a apoiantes da causa, muitos se juntaram ao manifesto da banda punk rock feminista russa. Se estavam somente à espera de uma performance caótica e desorientada, desenganem-se, foi muito para além disso.

Tudo começou com uma breve introdução ao espectáculo que se avizinhava, feita pelo produtor musical da banda, Alexander Cheparukhin, que explicou como se juntou à luta e destacou o poder poético de Masha para contar a história, que começa desde o protesto na Catedral de Cristo Salvador, em Moscovo, até ao processo de condenação e consequente prisão. A tour europeia “Riot Days” não só serviu para contar a «verdade», a partir de um vídeo legendado em português do Brasil e da narração, baseados no livro que deu o nome à tour, mas também para angariar fundos para construir um hospital pediátrico em Kiev, Ucrânia.

Após ser-nos pedido o «comportamento mais punk possível», a performance foi iniciada por sirenes que ecoaram na sala, imergindo-nos automaticamente para a realidade crua e dura que por aí viria a ser declarada pela autora do livro Riot Days, Maria Alyokhina, e a integrante do colectivo Olga Borisova. Foram acompanhadas por Diana Burkot, na percussão, e Anton Ponomarev, no saxofone.

O manifesto foi contado em sete brutais actos, acompanhado do início ao fim por uma narração sempre muito ríspida e assertiva: gritos e grunhidos, balaclavas, auto-flagelamentos, banhos de garrafas de água, danças desde provocantes até meio-circenses, uma marcha fúnebre e um peito descoberto para marcar o final do espectáculo, forma de protesto contra a guerra na Ucrânia.

Surgiram várias passagens que merecem especial destaque como «Anyone can be Pussy Riot», marcante repto inicial; «It was only 40 seconds», tempo que demorou a intervenção musical da banda dentro da Catedral e que as levou à detenção; «Virgin Mary, please get rid of Putin», «Mother Mary, be a feminist», algumas das desesperadas preces; «The first hunger strike is like your first love, it hurts a lot», «They make you feel like you’re just a body», referindo-se, respectivamente, às experiências do processo judicial nos tribunais russos e dos «Fucking gulags». Um ímpeto, «My hell, my rules», reforçou a luta constante pelos seus direitos.

Masha, ou Maria Alyokhina, não fugiu da sua pena de prisão domiciliária, disfarçada de estafeta de um serviço de entrega de comida, em vão. A maneira visceral de como todo este manifesto foi demonstrado não conseguiu deixar ninguém demovido pelo atroz regime opressivo de Putin. Este espectáculo é impreterível para divulgar a mensagem, para causar desconforto, para percebermos claramente que a desumanização existe e perdura. Obviamente nada melhor do que um movimento Riot grrrl para o fazer.