Andrew Bird no Centro Cultural de Belém. O bom anfitrião

De volta a Portugal no âmbito do Misty Fest, o músico norte-americano recebeu-nos na sua casa temporária, por uma noite apenas, o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, e abriu-nos as portas de par em par, para um fantástico serão. No espectáculo, intitulado “An evening with Andrew Bird” – uma noite com Andrew Bird -, o prolífero e talentoso artista apresentou o mais recente disco Are You Serious, mas ainda revisitou outros muitos temas do seu já vasto espólio de discos. Como bom anfitrião que recebe “os amigos”, relembrou momentos e peripécias passados, neste caso em Lisboa, cidade com que mantém um duradouro relacionamento, e soube entreter as muitas pessoas que ocuparam as cadeiras do auditório, quer nos momentos entre músicas, quer fazendo uma homenagem a grande figura que é Amália Rodrigues.

Dois microfones, um violino, guitarra, xilofone, pedais e um trio de amplificadores ocupavam o centro do grande palco, adivinhando um verdadeiro one-man-show. Andrew Bird, o homem do assobio recebido por entre calorosos aplausos, pegou no violino e, debaixo de um intenso foco de luz, com todas as atenções da escura sala postas em si, numa aura com um pouco de magia, começou a jogar com loops para, a pouco e pouco, som a som, camada a camada, tecer a malha que daria lugar a “Hole in the Ocean Floor”, um início etéreo para o alinhamento que se seguiria.

“Capsized”, primeira faixa do novo disco Are You Serious, e mesmo a música que dá o nome ao disco, traçaram uma retórica que serviu que nem uma luva no dia em que foram conhecidos os resultados das eleições para a corrida à Casa Branca. Ainda assim, sempre com um tom um tanto ou quanto jocoso, o músico de Chicago referiu, numa das primeiras vezes em que se dirigiu à audiência, que este era um dia “triste e vergonhoso”, referindo-se desde logo e abertamente ao “elefante na sala”– citando a expressão. E mesmo “Sic of Elephants”, escrita aquando da reeleição de George W. Bush, serviu para expressar um mesmo sentimento e também como um pretexto para trocar o violino para guitarra.

Do mais recente disco, lançado em 2016, ouvimos também a bela “Roma Fade”, “Saint Preservus”, descrita por Andrew Bird entre risos como a sua música “western spaghetti”, inspirada numa visita à Costco, e “Left Handed Kisses”, o single que conta também com a poderosa voz de Fiona Apple. “Este é o momento mais difícil, em que tenho de interpretar um dueto sozinho”, explicou antes de começar a cantar sobre o quão difícil é escrever simples canções de amor, e revezar-se entre a esquerda e a direita do microfone.

Num curto par de horas, que desejámos que se estendesse um pouco mais ainda, fomos embalados ao som de “Tenuosness”, escrita em Lisboa, da maravilhosa “Three White Horses” e ouvimos também “Why?”, canção enérgica e terapêutica, que eleva o delicado violino a quase guitarra eléctrica e que toma proporções gigantescas ao vivo.

Recordando uma visita recente à capital portuguesa, em que teve a oportunidade de gravar no Aqueduto das Águas Livres, Andrew Bird revela que naquele espaço tão único, interpretou também a música “Estranha Forma de Vida” de Amália Rodrigues. No vazio palco do CCB, apenas de violino em punho, afastado do seu rol de instrumentos, o fado (e a música em geral) provou, mais uma vez, o seu valor de expressão internacional e o assobio de uma música tão familiar e o seu toque com mestria no violino foram arrepiantes.

Com “Pulaski at Night”, um tema sublime e arrebatador, rumamos à terra-natal de Andrew Bird, enquanto este assume que, apesar de adorar Lisboa e os amigos o incentivarem a mudar-se para cá, o mais nobre é voltar e resistir. E, nas cordas tocadas por Andrew Bird, Chicago soa tão bonita. Uma ideia que reiterou no regresso para o encore com “I Shall Not Be Moved”. Já a magnífica “Tables and Chairs, que diz tanto de forma tão despreocupada e melódica, terminou o concerto de forma harmoniosa, num regresso a 2005, e foi seguida de uma ovação em pé, como despedida do maravilhoso anfitrião da noite.

Texto: Rita Bernardo
Fotografia: Nuno Bernardo