Nothing no Musicbox. Nada se criou e nada se perdeu, tudo se transformou

Foi na passada sexta-feira, sob a protecção do tecto curvo que cobre a entrada do Musicbox que se formaram alguns pequenos grupos que faziam prever uma sala menos composta. No entanto, a pontualidade e profissionalismo aos quais a Amplificasom nos habituou fez com que surgissem mais caras familiares quando a hora de ínicio se fez aproximar. À entrada ouvia-se falar inglês americano vindo da banca de merchandise e sentia-se a frescura de uma sala ainda por encher, cujo fim teve lugar com Ricardo Remédio a pisar o palco com o seu novo projecto às costas e, sem palavras, tornou calorenta a sala ao penetrar-nos os ouvidos com sons de Natureza Morta, que nos mergulharam num mar de agulhas e algodão que ora perfurava, ora afagava. Com uma actuação muito bem conseguida e com a sensação deixada de que se foi sujeito a uma transformação kafkiana – quando finalmente se foi expulso do mundo projectado por Ricardo Remédio, é fácil considerar-se este um projecto a ter em conta na cena musical electrónica portuguesa.

Para preencher o vazio deixado por Ricardo Remédio, foi pisado, pela primeira vez, um palco português pelos norte-americanos Nothing, aventureiros nas sonoridades do shoegaze, punk e post-rock. Chegaram há cerca de dois anos à atenção do mundo com o lançamento de Guilty of Everything, álbum que ainda antes do seu lançamento já tinha ouvintes colados às colunas em expectativa. Ex-membro da banda Horror Show e fundador dos Nothing, Domenic Palermo trouxe um legado punk/hardcore para o caldeirão que compõe este conjunto de quatro rapazes, contribuindo com um dos ingredientes que os torna numa banda de shoegaze que valha a pena escutar no meio de milhares.

Guitarras fluentes na linguagem do barulho belo interpretam as melodias agridoces patentes em Tired of Tomorrow enquanto batidas ingénuas e simplistas dão ritmo às palavras de carácter idêntico, vocalizadas angelicalmente por ambos os guitarristas e que chegavam aos ouvidos dos presentes através de sopros de melancolia que faziam aos mesmos acreditar que não estavam debaixo de uma estrada, fechados numa sala, mas sim que estavam noutro local qualquer bem longe do Cais do Sodré. O primeiro contacto entre os Nothing e os portugueses foi um de algum humor, timidez e muita hospitalidade e, considerando que agora se conhecem melhor, esperamos avidamente por um segundo encontro.

Texto: Ricardo Silva
Fotografia: Rita Bernardo