Podemos chamar Alex Zhang Hungtai, na assinatura Dirty Beaches, de muita coisa – um contador de histórias, perpétuo viajante ou homem de parte incerta, um romântico com um coração na diáspora de muitas nações. Uma coisa é certa, perdido ele não está: por entre uma identidade tão multifacetada, e uma ideia de nação e de pertença que retorna inevitavelmente ao lar em que melhor este se encaixa: ele próprio.
Nos primeiros meses deste ano presente, Lisboa foi a casa que o acolheu temporariamente, no contexto de uma residência artística promovida pela Galeria Zé dos Bois. Este foi o mote para o espectáculo singular da noite passada, Landscapes in the Mist, em casa cheia para ver e ouvir aquilo que foi uma «carta de amor a Lisboa».
Em pouco mais de uma hora e vinte minutos, sem expectativas e grandes premeditações, num registo totalmente instrumental, sem vozes ou interrupções pelo meio, Alex trouxe uma colectânea de sons para a cidade, feitos e inspirados nela. Apresentou-se na companhia de Shub Roy, uma presença já habitual, a cargo da guitarra e dos efeitos e de André Gonçalves, com quem tomou conhecimento durante a sua estadia na cidade e partilhou o estúdio onde desenvolveu este trabalho, no sintetizador modular.
Uma história sonora sobre sentimentos e sensações, também narrada através de uma paisagem visual (não fosse o cinema uma forte inspiração). Na frente do palco, escuro, a meia-luz, foi colocada uma instalação de mais de uma dúzia de monitores televisivos, num jogo de imagens em loop – imagens em movimento que transparecem jornadas, dinâmicas, pessoas, caminhos. Em pano de fundo, uma projecção de movimentos líquidos, aguados, que às tantas se assemelham a uma ténue névoa de fumo disperso. Dirty Beaches trouxe-nos uma narrativa musical homogénea, nebulosa e esparsa, introduzida pelo compasso do sintetizador que abre caminho para as espaçadas lufadas de Alex Hungtai no saxofone, numa postura de experimentação das suas várias potencialidades, que ao longo do concerto vai intercalando com a guitarra e respectiva distorção/feedback, num crescendo de texturas cada vez mais embrenhadas entre si, mais ruidosas e mais distorcidas. Um registo que, no fundo, nos relembra o ouvido de apontamentos de ‘Love is the Devil’ (parte integrante de “Drifters“), editado no ano passado, ou até da bela melancolia de ‘In the Fog‘ (do álbum “Ravedeath, 1972”), de Tim Hecker.
Há uma certa obscuridade, também já característica do repertório de Alex, neste ambiente introspectivo que expôs uma interpretação pessoal do músico canadiano da cidade de Lisboa, e certamente que nem todos nos conseguimos rever nela ou até mesmo compreendê-la de imediato. No final, ficou um amigável abraço entre o trio e um sincero «obrigado» ao público, um agradecimento à Lisboa que o inspirou.
Texto: Telma Correia
Fotografias cedidas por: Luís Martins