Comendatio Music Fest 2025. De VOL(t)A à I(n)hsahn(a) peregrinação progressiva portuguesa

Comendatio Music Fest. A grande peregrinação progressiva portuguesa. A parceria entre um público sôfrego de privar com sons de complexidade rítmica, anarquia estrutural e constante inconstância, e um espaço de dimensões modestas, pessoas honestas e condições, estas, de manifesto cuidado.

À quinta edição, é já uma tradição, um certificado de qualidade com cartazes cuidadosamente curados, apostando na simbiose de bandas consagradas, contrastes sonoros e excelsas revelações. Em 2025, a organização trouxe finalmente VOLA, desejo antigo e finalmente conseguido. Arriscou num icónico Ihsahn que, não obstante a substância progressiva da sua carreira a solo, estava longe de ser um nome óbvio. Deu a conhecer a muitos dos fiéis uns divinais AVKRVST. Apadrinhou a estreia em palco dos recém-nascidos The Cost. No panorama nacional, qualidade abismal, com nomes emergentes que lutaram com unhas e dentes por um público que começou surpreendido e acabou rendido.

Fora de palco e numa luta eterna contra o calor tomarense, nada faltou para assegurar uma experiência confortável no corpo e na carteira dos visitantes. Lugares sentados e sombra para descansar, bebida e comida a preços acessíveis e a pensar em todo o tipo de dietas, limpeza e higiene nos espaços sanitários, cordialidade e alegria no trato do staff para com o público.

A Ruído Sonoro esteve lá e mais abaixo detalha-vos a excelência desta experiência. Embarquem connosco nesta viagem de prosa e imagem, numa humilde tentativa de registar para a posterioridade mais uma edição inesquecível do Comendatio.

1º Dia (21 de Junho)

Crimson Bridge

Eram 16 horas em ponto quando foi inaugurada a ponte sonora entre bandas e público, com os Crimson Bridge a aquecer um palco já tórrido do sol. Um dos vencedores do concurso de bandas, o quarteto almadense mostrou-se competente, apresentando uma sonoridade com elementos de Melodic Metalcore, Melodic Death, Thrash e Progressive Metal, com forte similitude aos norte-americanos Trivium. Durante meia hora, debitaram sobre um público recetivo singles do seu futuro EP, como Bound By Eternity To Death (detentora de um refrão bastante catchy), alternando com músicas do seu álbum de estreia, In Pitch Black, como Tragedy Befalls. Apesar de algumas imperfeições e com uma correia de baixo fugidia, o balanço foi positivo e um arranque sólido para o festival.

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Yokovich

Subindo da Margem Sul até Lisboa pela Ponte 25 de Abril, foi a vez dos Yokovich tomarem a liberdade de revolucionar o palco com uma sonoridade industrial, aparição rara no âmbito do Comendatio. Atormentados por problemas técnicos, que levaram a um atraso significativo no arranque e resultaram, inevitavelmente, num set mais curto, o quarteto lisboeta aproveitou o pouco tempo à sua disposição para apresentar afoitamente excertos do seu álbum de estreia, Ubiquitous. A voz com efeito semi-robótico do Jonas acompanhou os riffs simples, mas bastante eficazes, do Miguel Sousa, com a bateria do João Samora a marcar o ritmo industrial e o baixo do Bruno Gomez a dar coesão. Vinte minutos que souberam a pouco, mas cumpriram na divulgação de mais um interessante projeto nacional.

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Equaleft

Continuando a ascensão no mapa de Portugal, desta vez o destino sonoro levou-nos ao Porto, de onde os veteranos Equaleft trouxeram uma bagagem de Death e Thrash Metal repleto de groove. Fazendo valer a sua experiência, o vocalista Miguel Inglês invocou uma energia avassaladora e contagiante que, qual pulga inquietante de extremos desígnios, saltou para o público, primeiro figurativamente e, mais perto do final, literalmente, quando o próprio se juntou ao primeiro mosh pit digno desse nome do dia. Meia setlist foi preenchida pela primeira metade do seu mais recente trabalho, Momentum, intercalando com músicas dos dois álbuns anteriores, com destaque para a explosiva We Defy a fechar. Tudo somado e muito suado, foram 45 minutos intensos e com profusos agradecimentos, que fecharam a prestação lusa neste primeiro capítulo do festival.

Setlist: Overcoming | Silent | Wavering | New False Horizons | Fragments | Endure | Invigorate | And It Will Thrive | Heartless Machine | We Defy

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Killus

A um par de minutos das 19 horas, os villarrealenses Killus levaram o Comendatio a abrir fronteiras e protagonizaram um dos concertos mais surpreendentes desta edição. Contrastando com a sua caracterização circense e macabra, foram de um profissionalismo e boa disposição exemplares, interpretando um metal industrial com laivos de Ministry, Static-X e OOMPH!. Com duas décadas de existência a aprimorar a performance, focaram-se sobretudo no mais recente dos seus oito álbuns, Grøtesk, do qual tocaram o brilhante tema homónimo e a mais radio-friendly Man-Made Tragedy, entre outras. O vocalista Javi Ssagittar provou ter pulmão e paixão nos refrões mais melódicos; na bateria, Anhell Stixx aprimorava o som com fills deliciosos; o mais exuberante e atrevido foi o baixista Premutoxx, uma performance em si mesmo; não tão efusivo, mas ainda assim enérgico, o guitarrista Ruk completou o quarteto espanhol, dando também ajuda nos backing vocals; estes dois últimos elementos fizeram também uma visita de estudo ao centro da plateia num dos temas, para dar o mote de abertura ao circle pit. Houve entrega, presença e variedade, num concerto onde se destacaram os clássicos Feel The Monster, Free e Ultrazombies, bem como a sempre divertida cover da intemporal Gimme! Gimme! Gimme!, a fechar.

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The Cost

Não é todos os dias que se tem o privilégio de ver uma banda atuar ao vivo pela primeira vez. Isso acontecer num palco de um festival? Mágico, raríssimo. Um dos elementos da banda ser uma celebridade cibernética, com milhões de seguidores? Oportunidade única na vida. O trio espanhol The Cost elegeu o nosso estimado festival para começar a escrever a sua história em palco, e que bonito foi. Com um exímio Chris Attwell no baixo, um vigoroso Peter Connolly na guitarra e voz e o lendário El Estepario Siberiano na bateria, a banda optou por um set curto de apenas oito músicas (excluindo as duas últimas do seu novíssimo álbum de estreia), tendo executado tudo com tal perfeição que ninguém suspeitaria que nunca tinham pisado um palco enquanto banda. A condição de vedeta online do baterista atraiu algum público mais jovem ou que, de outra forma, não iria ao festival, o que provou ser uma aposta vencedora da organização. Apesar de tudo, por entre a execução exímia e os refrões mais sonantes de Into The Drone (logo a abrir), Her Eyes (com o convidado ausente Serj Tankian) e Not For Me (fenomenal forma de fechar), ficou no ar a sensação que a banda poderia e deveria arriscar mais numa sonoridade própria, estando algo presa ao Alternative Metal mais formulaico, onde apenas uma ínfima parte das capacidades de El Estepario Siberiano são exploradas. Mesmo sem quebrar barreiras, fez-se história nesta meia hora de agradáveis composições, onde houve tempo para mensagens de paz e de compaixão pelas vítimas das cheias em Valência (trágica inspiração do tema Floods).

Setlist: Into The Drone | Counting Every Dime | Her Eyes | One Of A Kind | Ginger | Floods | The Bricklayer | Not For Me

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Oceans Ate Alaska

Já as 21 horas contavam trinta minutos quando o divertido som do meme spinning cat arrancou uns sorrisos do público, para logo de seguida os britânicos Oceans Ate Alaska invadirem o palco com a sua trilogia de álbuns e sonoridades (Metalcore, Djent e Deathcore) no menu. Infelizmente, não foi um concerto de digestão fácil. Apesar da inegável energia e brutal presença em palco de Joel Heywood, os problemas de afinação nos cleans foram uma constante, o que levou a uma experiência auditiva menos agradável. O som em si também pareceu demasiado focado nos graves, reforçando o impacto dos breakdowns, mas tornando menos evidentes os pormenores técnicos nas guitarras e bateria, que acabavam engolidos na avalanche sonora. A nível de setlist, os novos singles Endless Hollow e Onsra tiveram o seu lugar, bem como alguns dos seus temas mais icónicos, Hansha, Metamorph e Covert. Provavelmente o único concerto desta edição onde posso empregar o termo desilusão, mas que ainda assim esteve longe de ser mau e conseguiu manter o público excitado e ligado à corrente.

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Ihsahn

Antecipadas dez minutos da hora marcada, as cordas épicas e cinemáticas de Cervus Venator abraçaram o palco com majestosa imponência; a introdução do mais recente álbum de Ihsahn anunciava a subida do homem e lenda ao palco do Comendatio. Respeitando a ordem do referido álbum homónimo, seguiram-se The Promethean Spark, Pilgrimage To Oblivion e Twice Born, uma trilogia caótica extrema, progressiva e sinfónica que levou o público ao êxtase. Encerrado este capítulo primordial, a bússola apontou para norte com My Heart Is Of The North, caprichosamente aquecendo ainda mais as hostes. Acompanhado por músicos de indubitável competência, Ihsahn foi interagindo com o público e mantendo um ambiente agradável entre músicas. A execução instrumental e vocal foi irrepreensível, mas fruto da sua personalidade menos efusiva, não pude deixar de sentir que faltou um toque de Midas para o concerto ser ouro.

Na sua secção intermédia e de forma algo inesperada, acabámos por ouvir o EP Telemark na íntegra, incluindo as covers Rock And Roll Is Dead de Lenny Kravitz e Wratchchild de Iron Maiden. Apesar de serem momentos divertidos, quebraram algo o ritmo e conceito do restante espetáculo. Until I Too Dissolve reacendeu a chama da genialidade progressiva, a esmagadora Lend Me The Eyes Of Millenia elevou o ritmo, para logo de seguida ser cortado com The Distance Between Us, que talvez tivesse feito mais sentido mais cedo no set. A fechar, a épica A Taste Of The Ambrosia, que apesar de pintada de tonalidades harmónicas de índole triunfal, soou a pouco para o final, deixando no ar a sensação que faltaram algumas músicas para tornar o concerto mais memorável, como Pulse, Arcana Imperii, South Winds ou, mesmo sem Einar Solberg, Celestial Violence. Todos estes ingredientes resultaram num delicioso bolo de agradável sabor e textura, mas sem cereja no topo.

Setlist: Cervus Venator | The Promethean Spark | Pilgrimage To Oblivion | Twice Born | Animae Extraneae | My Heart Is Of The North | Stridig | Nord | Rock ‘N’ Roll Is Dead | Wrathchild | Until I Too Dissolve | Telemark | Lend Me The Eyes Of Millenia | The Distance Between Us | A Taste Of The Ambrosia | Sonata Profana

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2º Dia (22 de Junho)

Above The Ocean

Sob um calor menos ameaçador que no dia anterior, o segundo dia teve honras de abertura num tsunami de energia. De Évora chegaram os Above The Ocean, uma banda com apenas dois singles lançados, três anos de existência, quatro instrumentos diferentes, cinco elementos e seis músicas no alinhamento. O primeiro presságio que iríamos assistir a um bom concerto foi o descaramento com que o vocalista José Saruga chamou implicitamente ao palco de casa. Armado de uma voz que ia dos screams aos cleans com relativa facilidade, provou ser um frontman carismático e ofuscou o resto da banda, que no pano de fundo asseguraram uma execução sólida e de bom domínio técnico das músicas. Prova da aprovação do público foi terem conseguido arrancar logo um circle pit àquela ardente hora, bem como a participação vocal de um fã no refrão da Love Song, quando o vocalista se acercou das grades, a fechar o concerto. Indubitavelmente justos vencedores do concurso de bandas, este concerto marca um arranque de carreira promissor para os eborenses.

Setlist: Until My Dying Breath | Thank You | Therapy | Saying Goodbye | Darkness Comes For Us All | Love Song (For The Broken)

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Phase Transition

Absurdamente longe de terem chumbado no primeiro teste em 2022, os Phase Transition apresentaram-se ainda assim com o rótulo de repetentes no Comendatio. Três anos de maturação depois e com o primeiro álbum acabadinho de sair do forno, o que testemunhámos em palco foi uma evolução vertiginosa de sentido ascendente em toda a linha; primeiro, na presença em palco, com a timidez de 2022 a dar lugar a uma transparente confiança em 2025; segundo, na execução, exímia e virtuosa (mesmo com o som na mesa a não compactuar nalguns momentos); por último, nas novas composições, com The Other Side, Veil Of Illusions e Becoming, (R)evolution a dar corpo ao ambicioso In Search Of Being. A guitarra do Luís Dias teve vida própria, com riffs de essência progressiva e solos executados com mestria. Transpirando precisão e destreza, a bateria do Maia manteve o som coeso e com algum groove, para o qual também contribuiu o baixo do Zé Pereira, mais discreto mas não menos fulcral. No centro de tudo e envergando um vermelho tão vivo quanto o público se sentia, Sofia Beco adornou o panorama progressivo com a sua voz suave e um inquieto violino, marcadamente clássico em Becoming, (R)evolution, faixa fulgente que fechou o concerto em nota alta. Espero que esta não tenha sido a última visita dos Phase Transition ao festival, e invocando os místicos poderes dos deuses do progressivo, profetizo que na próxima passagem terão um slot temporal maior e uma legião de fãs além fronteiras.

Setlist: Your Guide | Shadows Of Thought | The Other Side | Veil Of Illusions | Becoming, (R)evolution

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Lysergic

Um baterista, um guitarrista e um vocalista (também de guitarra na mão) entram num palco. Não, não é o início de uma anedota, que o assunto é sério. Seriamente bom. Os Lysergic nasceram “ontem”, mas o Corceiro e o Xinês já jogaram noutros campeonatos, com nomes como W.A.K.O. e Switchtense em destaque. Em palco, assistimos a um rolo compressor de Death Metal melódico, com laivos progressivos e de Metalcore. Debitando um som hipnotizante e corrosivo, qual ácido psicadélico, o trio encheu o palco com composições do seu álbum de estreia, Black And Blue. Ocasionalmente invocando paralelismos com Omnium Gatherum no jogo de riffs com teclas, o concerto foi acrescentado por um público enérgico e fiel, pincelado aqui e ali com samples que enriqueciam a atmosfera sonora. João Corceiro parecia estar a viver um sonho, mas a sua performance tinha os pés bem assentes na terra, com screams poderosos e uma guitarra que emanava riffs cheios de groove. A derradeira nota lusitana no Comendatio 2025 ecoou em glória, com mais um nome a juntar ao promissor futuro do metal nacional.

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The Broken Horizon

O quê, mais uma banda espanhola no Comendatio que quase ninguém conhecia, com sonoridade assente em Metalcore, a jorrar energia sob uma plateia incendiada e a conquistar fãs como açúcar a atrair formigas? Normal, mais uma “segunda-feira” em Paço da Comenda. Brutalidade e melodia, breakdowns e magia, o concerto deste quarteto de Pamplona conquistou pela paixão, técnica e destreza vocal. Perdoem-me as parcas palavras neste registo, porque infelizmente não consegui assistir ao concerto completo, mas o essencial do que vi e dos testemunhos que recolhi ficou bem resumido. Mais uma aposta ganha no respeitante a momentos de pura manifestação de energia.

Foto © Gonçalo Delgado

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AVKRVST

Pessoalmente, o concerto que mais curiosidade me gerou na antecipação do festival. Em 2023, The Approbation surpreendeu-me pela maturidade enquanto álbum de estreia, com uma sonoridade simultaneamente familiar (algures entre Opeth, Porcupine Tree e Haken), mas estranhamente única. Lançado neste mês de Junho de 2025, o segundo álbum Waving At The Sky segurou o patamar de qualidade. Ao vivo, pudemos testemunhar a mestria destes jovens noruegueses, em 40 minutos de progressão contemplativa dignas de reclamar um lugar permanente na memória futura do Comendatio. A banda acenou a um público de olhar sonhador com o já referido Waving At The Sky e o trio de temas que o encabeçam. Primeiro, a curta injeção instrumental progressiva que é Preceding, um prelúdio de aguçar o ouvido. The Trauma continuou a viagem com um rio de riffs pesados que desaguam numa guitarra em pranto e, finalmente, chega a voz, suave e enigmática, que nos carrega ao colo até um refrão celestial, para tudo se repetir até acabar numa explosão com gutural sufocante. Families Are Forever ampliou a ambição temporal com os seus oito minutos, explorando os mesmos pontes fortes da sua antecessora, mas com uma estrutura mais imprevisível e uma atmosfera mais etérea. Para os mais sedentos de movimento, Isolation impôs um ritmo mais acelerado, invocando traços de Dream Theater, apenas com uma espécie de intervalo a meio a ritmo mais lento para ganhar força para a apoteose final. A fechar, a épica The Approbation, em todo o seu esplendor de treze minutos, perante um público já há muito rendido. A movimentação dos músicos em palco foi reduzida, mas foi um detalhe irrelevante: as composições falaram na sua língua de mestria progressiva e os ouvidos dos presentes foram barrados com o equivalente sonoro ao mel. Voltem depressa!

Setlist: Preceding | The Trauma | Families Are Forever | Isolation | The Approbation
Foto © Gonçalo Delgado

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Humanity’s Last Breath

Alguma vez questionaram qual poderia ser a banda sonora do apocalipse? Dos sons a partir dos quais os pesadelos ganham vida? De como materializar a sensação se sufoco em ondas vibratórias que estimulam tímpanos incautos? A experiência de ver Humanity’s Last Breath ao vivo é tudo isto e algo que nunca tínhamos presenciado no âmbito deste festival. Sem dúvida, o concerto mais pesado, sujo, avassalador, impiedoso e esmagador que esta mão cheia de edições agarrou. Com breakdowns frequentes, profundos e arrastados, fomos engolidos por uma voz demoníaca de gutural profunda, manifesta no vulto sombrio de Filip Danielsson. As trevas reinaram, o fim ecoou próximo, e o último suspiro da humanidade pareceu real. Delimitado no alinhamento entre o metal e rock progressivo mais clássico dos AVKRVST e a onda de energia positiva que foram os VOLA, o contraste atmosférico foi tão evidente que parecia que por entre duas estrelas de ofuscante brilho, um buraco negro nasceu para, durante uma hora, sugar qualquer resquício de positividade do ar que enegrecia, pois até o sol fugia. Venham mais concertos como estes no futuro!

Foto © Gonçalo Delgado

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VOLA

Todas as peregrinações são assentes em fé. Até ateus como eu se rendem ao fenómeno, aplicando o conceito a desejos sonoros materializados num palco que os meus olhos possam evidenciar. Quis o imprevisível caos do acaso castigar-me, ao negar-me a presença no concerto dos VOLA. O que vos trago, portanto, é um registo misto com base em vídeos e testemunhos de alguns dos presentes neste que me foi descrito como um dos melhores concertos da história do festival.

O capítulo derradeiro do Comendatio 2025 teve como protagonista uma banda que, esperemos, faça jus ao título da música com que abriram o concerto, We Will Not Disband; cedo inundou a plateia num vaga sonora quase contemplativa, carregada de energia positiva e uma vontade incontrolável de ritmar o corpo, omnipresente ao longo de todo o concerto. Depois de Stone Leader Falling Down, Paper Wolf, excelente ideia em papel que morde ainda mais ao vivo, com um refrão que nos abocanha como um lobo faminto. Por esta altura, já a plateia tinha a cabeça virada ao contrário de tanto headbang, com Head Mounted Sideways a cimentar essa ideia. Como chegámos a este estado de puro êxtase? I Don’t Know How We Got Here, mas a verdade é que sentimos arrepios a cada nota, arrepios de outro mundo confirmados com Alien Shivers, numa incursão discográfica mais distante a Applause From A Distant Crowd, do qual também pudemos contar com Smartfriend. Ainda mais distante foi a viagem até ao álbum de estreia, com Stray The Skies, enclausurada entre as garras mais experimentais de These Black Claws e Cannibal, que contou a participação do vocalista de Humanity’s Last Breath, assumindo a rendição que em estúdio ficou a cargo de Anders Fridén dos In Flames.

Todas as viagens com bom vento e bom tempo pecam por não correrem num ritmo mais lento, pois demasiado depressa se entrou na reta final do concerto. 24 Light-Years é uma experiência auditiva capaz de arrancar lágrimas de felicidade ao mais duro dos metaleiros; Inside Your Fur faz saltar o mais imóvel dos corpos; e enquanto os últimos acordes se esvaiam com Bleed Out, a última frase deste livro de contos progressivos foi escrita por linhas direitas. Straight Lines foi a chave de ouro que fechou o cofre do Comendatio, que se manterá fechado até 2026; até lá, regozijemos nas memórias a partir das quais os melhores sonhos nascem.

Setlist: We Will Not Disband | Stone Leader Falling Down | Paper Wolf | Head Mounted Sideways | I Don’t Know How We Got Here | Alien Shivers | These Black Claws | Stray The Skies | Cannibal | 24 Light-Years | Smartfriend | Inside Your Fur | Bleed Out | Straight Lines
Foto © Gonçalo Delgado

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Fotos do público

Texto e fotografia: David Matos
Fotos de The Broken Horizon, AVKRVST, Humanity’s Last Breath e VOLA: Gonçalo Delgado
Agradecimentos: Organização do Comendatio Music Fest