Maruja no Musicbox. Jazz e punk de intervenção em perfeita ebulição

Fotografia: Fábio Caeiro | Texto: Filipe Silva

Algo maravilhoso acontece sempre que visito o Musicbox em Lisboa. São quase dez anos a observar concertos neste espaço tão icónico situado na inigualável rua cor-de-rosa, e todos esses concertos se diriam de fantásticos, pelo menos. Hoje, venho-vos falar de mais um que se junta a essa lista interminável e em constante crescimento: o regresso dos britânicos Maruja a Portugal, e a sua primeira vez a actuar na capital.

Donos de um som pesadíssimo que recolhe influências de vários estilos musicais como o jazz, o hip hop e o punk, etiquetar os Maruja não é nem nunca será tarefa fácil. Facto é que, em tempos relativamente pós-pandémicos, o colectivo britânico começou a ganhar uma força descomunal e são hoje um dos nomes mais falados dentro do panorama da música underground. Altamente exploratório, interventivo e por vezes caótico, o som de Maruja transcende estilos musicais e derruba barreiras em todos os sentidos. Tendo observado todos estes factores em primeira mão no passado mês de Agosto, em contexto festivaleiro, a chegada da banda em nome próprio (e diga-se de passagem, num espaço mais propício à sua música), era algo imperdível.

Antes da dita hora H, no entanto, o palco do Musicbox foi ocupado pelos nacionais Divã, uma banda de pós-punk sediada na Amadora, com data de criação relativamente recente. Tal como Maruja que actuariam depois, os Divã vinham munidos com sonoridades jazz providenciadas pelo saxofone de Gabriel Nery, bem como uma sessão rítmica invejável que criava um ambiente de tensão e azáfama, como se estivéssemos a viajar no metro de Lisboa em plena hora de ponta. Com influências que se poderiam dizer estarem claramente colocadas em cima de bandas como IDLES, Black Country, New Road, ou até nos próprios Maruja, os Divã providenciaram uma boa dose de caos controlado que culminou em “Morte em Abrantes”, cujo refrão foi ferozmente cantado em uníssono pelo público presente, público esse que recebeu a banda de forma calorosa, como se de um cabeça-de-cartaz se tratasse. Sendo eu de Abrantes, concordo em absoluto com o sentimento.

 

Com um apagar de luzes repentino, os Maruja deram o sinal de que a cerimónia vai começar. Como um vulcão prestes a explodir, o público gritou pela banda e a banda respondeu quase de imediato com o começo de “The Invisible Man”, a qual teve o seu refrão final trocado por um apelo ao cessar-fogo no actual conflito entre a Palestina e Israel.

Com uma energia altamente contagiante, os Maruja percorreram alguns dos temas mais importantes da sua discografia, como “Zeitgeist”, “One Hand Behind The Devil” e “Thunder”, sempre em constante movimento e interacção com o público, especialmente por parte do vocalista e guitarrista Harry Wilkinson e do saxofonista Joseph Carroll. Por sua vez, o público entrou em completa ebulição, com mosh intenso à mistura, bem como a acompanhar de todas as letras e todas as notas tocadas através de air guitar. Houve até momentos de wall of death, em que Carroll se enfiou por entre o público e o aqueceu até ao momento de perfeita erupção.

A meio da actuação, o espetáculo toma um rumo mais lento e pensativo, com uma sessão de improviso que parece ter durado tanto um minuto como meia-hora, tal era a forma como eu e todo o público se encontraram totalmente enfeitiçados pela mestria instrumental dos Maruja. A desordem regressou pouco depois ao som de “Kakistocracy”, e para o fim, ficou reservada a brilhante “Resisting Resistance”, música que também dá o fecho ao EP Connla’s Well, um dos lançamentos mais excepcionais deste ano.

Com o habitual regresso da luminosidade habitual pós-concerto no Musicbox, arrastei o corpo para fora e iniciei a jornada de regresso a casa. Noites assim valem a pena, mesmo quando precisamos de nos levantar tremendamente cedo no dia seguinte. Mas quem nos faz feliz é a música, portanto que se lixe o trabalho.