Super Bock Super Rock. O tónico do improviso em noite de catenaccio

Texto: Nuno Bernardo | Fotografia: Rita Sousa Vieira

O Meco recebeu a 28ª edição do festival Super Bock Super Rock entre os dias 18 e 20 de Julho. A Herdade do Cabeço da Flauta, mal-amada por uns pelos seus acessos e pó e adorada por outros pelo seu cenário, deu palco a mais de 30 actuações e o primeiro dia em particular foi feito de muito rock. Lá iremos.

Nesse 18 de Julho, a noite foi de Måneskin. Mas fez-se questão de que o dia fosse mesmo todo em redor da banda italiana. Ainda o sol estava bem alto e com Tom Morello a dar o seu espectáculo, o guitarrista Thomas Raggi subiu a palco para uma participação pomposa. No concerto seguinte, durante Royal Blood, os vencedores do Festival Eurovisão da Canção 2021 estiveram no fosso de fotógrafos a assistir ao concerto da dupla britânica. Não houve como fugir aos holofotes (e a várias fotografias dos fãs), menos ainda com uma presença pouco discreta.

O quarteto romano centrou em si todas as atenções antes para que tomassem o Palco Super Bock da forma mais confortável possível nesta que foi a sua estreia em Portugal. Jogou-se pelo seguro em toda a linha e até o alinhamento foi ancorado em Rush!, editado em 2023 e o terceiro da carreira, dispensando quase integralmente aquilo que os fez conquistar a Europa três anos antes: um bom glam e hard rock cantado em italiano. Pragmáticos e de forma defensiva, deixaram a língua latina no balneário e até a comunicação com o público português foi feita em inglês: «Cristiano Ronaldo is the best football player that ever lived», afirmou o vocalista Damiano David, para arrancar reacções mistas e tentar aproximar-se dos presentes.

Depois das introdutórias “Don’t Wanna Sleep” e “Gossip”, esta segunda que até conta com Tom Morello na versão de estúdio, os Måneskin fizeram elevar os telemóveis com “Zitti e Buoni”, essa malha vencedora que arrebatou a Europa e fez de Victoria De Angelis a baixista mais cool do sul da Europa. Os jogos de luz complementaram as guitarradas e tornou-se ainda mais fácil apreciar esse revivalismo das décadas de 70 e 80. Os solos de guitarra, baixo e bateria ainda têm lugar na estrutura de um clássico concerto de rock e continua a ser ‘fixe’ ser-se instrumentista num universo cada vez mais focado nas vozes e nos artistas a solo. Pena apenas por se ter arriscado pouco e pelo factor diferenciador, o das músicas em italiano, ter ficado na gaveta. Aproveitando o tema do futebol trazido à mesa nos elogios a Cristiano Ronaldo, o catenaccio, afinal, ainda vive.

Nem a propósito sobre o papel de se ser instrumentista, o norte-americano Tom Morello motivou uma hora de celebração do seu legado enquanto guitarrista. A título próprio é difícil ser-se tão minucioso, autor de um hard rock morno e cuja criatividade no seu utensílio não é suficiente para cativar. Enquanto cantor é mediano, percebendo-se porque dispensou a sua voz para temas icónicos das bandas das quais fez parte, mas é enquanto activista político que o já sexagenário permanece à tona. Diz-se anti-capitalista, mas avistámos o seu nome bordado na camisa no lugar do logótipo da Ford, construtor automóvel que inventou a linha de montagem. Bem lhe assentou pela forma como conjugou riffs de músicas dos seus Rage Against The Machine num medley, com “Testify”, “Take The Power Back” e “Freedom” a surgirem curtas e coladas no alinhamento.

Já o concerto parecia estar a meio quando se gritou “Let’s Get The Party Started” e nos deu “Hold The Line”, nas últimas incursões em nome próprio debaixo de um sol abrasador no Meco. Thomas Raggi, dos Måneskin, subiu a palco para “Kick Out The Jams”, essa malha gigante de MC5, para se mostrar que há lições de rock bem estudadas: voltinhas sincronizadas nos instrumentos da banda, solos tocados atrás das costas e todos os outros chavões típicos do hard rock, como a maquilhagem, as calças de couro e as poses fotográficas. Ficou o ambiente mais solto para o que se seguiu, com a cadência de riffs de “Bombtrack”, “Know Your Enemy”, “Guerilla Radio” ou “Bullet In The Head”, com o solo de “Bulls On Parade” tocado com os dentes e de guitarra virada para se ler «ceasefire» nas suas costas.

Da máquina da revolta aos Audioslave, foi recordado e aclamado Chris Cornell através do riff de “Cochise” e meia interpretação de “Like A Stone”, em momento solene que antecedeu a muito aguardada “Killing In The Name” – esta completa e instrumental, cantada a plenos pulmões pelo público. Afinal fomos todos Zack de la Rocha, bem condizente com a despedida ao som de “Power To The People” de John Lennon. As vozes fizeram-se ouvir e, à falta de mais, a celebração foi feita da maneira possível.

 

Entre os concertos de Tom Morello e Måneskin, o Palco Super Bock esteve entregue ao rock de Royal Blood, esse híbrido de hard, blues e garage cujo instrumental é construído apenas com baixo e bateria. Bem conhecedores do público português, somando múltiplas visitas desde a sua estreia em 2015, Mike Kerr e Ben Thatcher encontram-se numa fase em que o modo piloto-automático já se tornou uma realidade. O alinhamento foi composto inteiramente por singles, com o mais recente disco Back To The Water Below a surgir de forma tímida via “Mountains At Midnight” e “Pull Me Through”. Reflexo do percurso discográfico, em que cada disco se tem assumido como uma versão menos inspirada do disco de homónimo de estreia apesar de adicionados aspectos mais gingões em Typhoons graças a Josh Homme e outros mais introspectivos neste último trabalho.

Certo que a tarefa não era mostrar nenhum álbum em concreto e a slot de jantar pedia apenas para se passar um bom bocado, mas a exclusão de qualquer deep cut resultou numa hora sem surpresas. As menções a Måneskin, a ver o concerto no fosso, foram as que arrancaram mais aplausos e as interrupções em “How Did We Get So Dark?”, quando o PA foi abaixo, fez Kerr lançar uma farpa: «talvez toquemos demasiado alto». Tentou-se ainda recuperar algum espírito na final “Figure It Out”, quando o baixista e vocalista já usava uma bandeira de Portugal como venda nos olhos, antes do som voltar a fraquejar. Não houve muito para que este concerto se tornasse memorável e a verdade é que este “One Trick Pony” teima em não sacar outro tipo de cartadas da manga. Houve, no entanto, rock. E para sorver mais uma pint ao pôr-do-sol foi mais do que suficiente.

 

Para contrariar essa sentido de desinspiração, a noite de 18 de Julho terminou no Palco Palco Pull&Bear com as batidas de Marc Rebillet. O intitulado «loop daddy» estreou-se em Portugal com a receita que o tem tornado uma sensação pela internet e agora também pelos palcos: o improviso desenfreado e o (muito) humor. Com visuais de fundo a proporcionar múltiplas gargalhadas, desde nomes de pastas pouco suspeitos («not porn») e a passwords pouco ortodoxas, Rebillet tomou o deck e a sua loop station para musicar aquilo que testemunhava e se pedia. A partir de um fã nas grades passou-se a gritar «pizza» e até a palavra «obrigado» serviu de melodia para outro momento de festa.

Dispensado o seu habitual robe e apenas de boxers, o artista texano guardou para o final as explicações do seu espeectáculo e do seu processo após ter conseguido angariar mais curiosos que se dirigiam à saída pós-Måneskin. De um espectáculo completamente improvisado sobraram escassos minutos para momentos mais célebres dos streams que o popularizaram. Sem surpresa, “Girl’s Club” e “Your New Morning Alarm” fizeram suar mais um pouco. Tão esperadas e, simultaneamente, no limbo de poderem não ser recuperadas para o seu set. Assim se consegue alguma magia.

 

Umas horas antes no mesmo palco os Capitão Fausto celebraram os dez anos de Pesar O Sol, simultaneamente o disco mais tocado e agora menos lembrado nos seus alinhamentos, e Will Butler + Sister Squares apresentaram o álbum homónimo desta colaboração que soma os talentos do ex-Arcade Fire com o quarteto nova-iorquino, incluindo no concerto passagens por outros singles anteriores como “Take My Side” ou “Anna”.

 

O Super Bock Super Rock prosseguiu nos dois dias seguintes com Slow J (que ocupou a vaga de headliner deixada no próprio dia por 21 Savage), Stormzy, Mahalia, Vulfpeck, Anna Calvi, Mind Da Gap, Aminé ou Kneecap, entre outros. As guitarras em geral foram substituídas pelas batidas saídas dos decks nos dois dias que restaram, algo já habitual no festival desde a edição de 2016. Não terá sido, no entanto, sobre o cartaz que deverão ter caído as maiores queixas deste ano.

A música nova, emergente e popular ocupou o seu lugar de sempre, enquanto as filas de trânsito para abandonar o estacionamento continuam a ser o principal foco de melhoria – seja em alternativas de acesso ou em planeamento do estacionamento. Também já vimos melhores infra-estruturas e condições de saneamento noutras paragens, mas a vantagem do Meco enquanto destino de festival resiste pelo seu isolamento do centro urbano de Lisboa apesar da proximidade física. Mesmo que se demore a chegar e a sair.

O regresso será de 17 a 19 de Julho de 2025 e novamente no Meco, «se as condições o permitirem», nas palavras de Luís Montez, director da promotora responsável, a Música no Coração.