Eyehategod no RCA Club. A deliciosa sujidade do ódio

Texto: Bruno Correia

De volta ao nosso país menos de um ano depois, os Eyehategod chegaram a Lisboa em data única nacional inserida na sua tour europeia “Turn Troubled Tables”.

O aquecimento ficou a cabo dos Scatterbrainiac que desceram até Lisboa numa tour de um só dia (como brincaram durante o concerto) com a sua habitual energia electrizante. Descrevem-se online como «uma banda punk de Portugal» naquela que é uma bastante apta descrição do que fazem e de quem são. O que a curta frase não transmite, contudo, é o caos (num óptimo sentido!) levado ao 11 que são as suas actuações ao vivo. Uma verdadeira cápsula de café em formato banda punk que tomamos no início da noite e cujos efeitos no corpo ainda sentimos ao ir deitar, várias horas mais tarde.

«Mexam-se. Cheguem-se à frente», pedia Esteves desde o início numa demonstração de que era importante sentir o mesmo nível de energia do lado de cá. Liderou por exemplo e não demorou muito a descer do palco para mostrar como se fazia. A habitual timidez inicial do público não tardou a desvanecer e os corpos, de forma algo inevitável com o que ouviam, começaram rapidamente a mexer-se ao som das malhas do grupo de Vila Nova de Gaia.

Com a vantagem de terem temas curtos, houve tempo para trazer o último disco, de 2023, na íntegra, bem como para voltar a registos anteriores. Dedicaram “Kick Your Boss”, do Anti-Lethargic (2021) aos Eyehategod, e não deixaram de mencionar a engraçada semelhança no título – já que musicalmente os BPMs até são bem diferentes – com “Kill Your Boss”, da banda norte-americana. «Não é plágio, é inspiração!».

A caminho das quatro décadas de existência, os Eyehategod são há muito um nome incontornável na cena de Nova Orleães e, em particular, da tão adorada sujidade do sludge metal e dos seus tons lentos, arrastados e distorcidos aos quais tantas outras bandas têm ido beber ao longo do tempo. As passagens por Portugal até têm sido relativamente frequentes – a última foi há menos de um ano, no SonicBlast – mas a casa praticamente cheia não deixava dúvidas: o gosto pela banda é grande por cá.

Entrados para testar o som antes do início real – «é isto o nosso soundcheck» – foi aparente desde cedo que Mike Williams, o mítico vocalista da banda, estava no RCA Club tão peculiarmente comunicativo como é habitual. O disco mais recente até é de 2021 (lançado em plena pandemia e, talvez por consequência, não recebido pelo público como a banda esperava, assim confirmado pelos mesmos em entrevistas anteriores) mas, com uma tour a ir buscar nome a uma música de um outro lançamento com quase vinte anos, a expectativa de que o concerto fosse quase uma espécie de viagem geral pela discografia acabou mesmo por se confirmar.

Ao longo dos 60 minutos antes da primeira saída de palco não pareceu por um único momento que os Eyehategod não tivessem toda a plateia na palma da mão, completamente rendida. Devolveram a dedicatória aos Scatterbrainiac, a quem Mike Williams chamou de seus novos amigos, com “Agitation! Propaganda!” que antecipou a expectável maior explosão de energia da noite com “New Orleans Is The New Vietnam” num claro aproximar do final que inevitavelmente chegou na forma de “Every Thing, Every Day”, um resumo musical perfeito do que são os Eyehategod e o seu último álbum.

Num dos raros casos em que o encore não parecia de facto planeado, e já com a sala a começar a ficar mais vazia já que o concerto parecia mesmo ter terminado, os vários e efusivos pedidos para mais uma foram acedidos e o quarteto voltou com Williams a gritar «Black Sabbath!» e terminar com a sempre deliciosa “Sabbath Jam”.