GBH no Hard Club. Uma sova punk à antiga

Texto: Filipe Silva | Fotografia: Alexandra Ramos

Se existe algo que cada vez mais sentido faz nos dias de hoje é a música punk. Nascido em meados dos anos 70, o punk sempre se caracterizou pelas suas sonoridades incrivelmente rápidas e cortantes, conteúdo lírico de cariz político, anti-capitalista e anti-conformista, e por uma ética de trabalho bastante do-it-yourself. No dias que correm, com toda a instabilidade social, económica e política em que vivemos, a mensagem transmitida por bandas como Crass, Black Flag, Dead Kennedys, Anti-Flag e NOFX torna-se cada vez mais relevante e actual. Compreende-se, portanto, que a vinda de uma banda tão mítica e importante como os britânicos GBH seria algo a não perder, especialmente quando tomamos em consideração que se tratava da celebração dos seus pouco mais de quarenta anos de carreira. De facto, a banda não faria apenas uma data de regresso ao nosso país, mas sim três – Faro, Porto e Lisboa foram os palcos escolhidos para novamente receber em Portugal um grupo tão influente quanto GBH. Atirando a seta à parede, decidimos aproveitar o fim-de-semana na Invicta para assistirmos ao concerto dos punks britânicos no Hard Club, que se fariam acompanhar por três bandas de abertura, cada uma a puxar de vários aspectos importantes do movimento punk, desde o oi! ao hardcore.

As hostes foram assim abertas pelos Crab Monsters, banda oriunda de três pontos diferentes do nosso país mas cujo coração é maioritariamente albicastrense. Apesar de estarem a ser assistidos por um número bastante reduzido do público, tal coisa não defraudou a banda, que em pouco mais de meia-hora fez desfilar um punhado de temas, desde “License Man”, “Rock and Roll” e “Good Home” do seu disco de estreia, High On Guts, até “Stage Chaos” e “Flat Earth Squirt”, pertencentes ao segundo disco da banda, Piss Wizard. Curto e grosso, como se costuma dizer neste belo país, o concerto fora marcado por virtualmente zero intervalos entre cada tema e com o intenso ímpeto do vocalista Tiago Guterres – ou Granada, para os amigos -, que até do palco saltara fora para espalhar a boa palavra do hardcore punk entre a audiência. Um excelente começo de noite.

 

Sem grandes demoras, como já é habitual em concertos do género, seguiram-se os Grito!, a representar a força oi! da Invicta. Hino é a palavra de ordem quando se fala da música de Grito!, pois foram autênticos hinos à degradação económica, às péssimas condições habitacionais e de vida em que muitos vivem, e ao ridículo investimento turístico, que a banda fez desfilar durante o seu tempo de actuação. Músicas como “Porto Arder!”, que contém a bela salva «o Porto está arder, e nós vamo-nos foder!», servem de uma perfeita analogia à grave crise que o nosso país atravessa em vários níveis, especialmente os acima mencionados. “Último Gang da Cidade” dá fim a um concerto bastante competente e entretido, uma espécie de último reduto contra a sociedade conformista.

 

Seguiram-se os Bladders, que acompanhavam os cabeças-de-cartaz nestas três datas em Portugal. Entrando logo de rajada com “Offroad”, “At This Show” e “Shy”, três temas do seu disco de estreia, Taking Off, os Bladders provaram ser uma das novas potentes forças do punk rock da actualidade. Se nos dois concertos anteriores, o público se encontrava mais tímido, foi com os madrilenos que os primeiros violentos passos de dança aconteceram. A banda correspondeu ao crescente movimento com crescente pujança, alternando entre o acima mencionado disco de estreia e o seu segundo disco, “Loin”, o último do qual fizeram soar temas como “Full of Rockets”, “Shoot Them All”, “Andromeda” e a grandiosa “Ode to Funk Polk”, assim como uma rendição da “The Quass” dos lendários NOFX. Sempre sorridentes e já com os cabeças-de-cartaz ao lado com vontade de subir ao palco, os madrilenos dão por terminado uma estupenda actuação com a epónima “Bladders”, expressando um enorme desejo por voltar ao nosso país em breve.

 

Pouco existe ainda por dizer sobre uma banda como GBH. Autênticas lendas vivas e com mais de quarenta anos de carreira nas costas, os britânicos têm sido uns dos mais importantes e influentes porta-estandartes de todo o movimento punk. O regresso a Portugal é sempre motivo de celebração, e toda uma legião de fãs se move de vários pontos do país para os receber da melhor forma possível sempre que um retorno é anunciado. Desta vez, e como acima referido, a razão pela qual os GBH pisavam de novo solo português era ainda mais especial que o habitual – não se tratava da apresentação de um novo disco, mas sim da celebração dos quarenta anos de carreira da banda, com particular foco no disco de estreia, City Baby Attacked by Rats, editado no já longínquo ano de ’82 pela importantíssima e já extinta Clay Records.

De facto, fora com “Time Bomb”, tema intemporal pertencente ao disco acima mencionado, que os GBH deram o toque de partida para um concerto que se advinha absolutamente avassalador. Seguiu-se a icónica “Sick Boy” e uma chuva de outros temas como “Slit Your Own Throat”, “Wardogs”, “Maniac” e “Gunned Down”, entre outros. A meio, e sempre com grande entusiasmo, os britânicos presenteiam o público com uma rendição de “Boston Babies” dos Slaughter and the Dogs. Por sua vez, o público responde de forma frenética, exteriorizando ainda mais a sua energia através de mosh e stage diving constante. Após “I Never Asked for Any of This”, do seu mais recente disco, Momentum, o vocalista Colin Abrahall solta umas palavras em favor do povo ucraniano, dedicando “Generals” ao mesmo, e lançando um grande «vai-te foder!» a Putin, um gesto calorosamente aplaudido pelo público presente.

Após uma “Fifty What?” dedicada aos sessenta anos de idade de alguns dos membros da banda – excepto o próprio Abrahall, que se assumia como ainda sendo bastante jovem e na casa dos vinte anos -, e de mais uma curta jorrada de temas do seu acima mencionado disco de estreia, os GBH abandonam o palco por breves instantes, regressando pouquíssimo depois para ainda tocarem “Liquid Paradise (The Epic)” e uma cover da grandiosa “Bomber” dos Motörhead. Findado o concerto, limpamos o suor do corpo enquanto nos despedimos da malta que apenas vemos em concerto, arrastando depois o esqueleto de volta a casa, com o desejo que os punks britânicos regressem muito em breve para mais uma sova à antiga.