Texto: Nuno Bernardo
A primeira edição do MEO Kalorama aconteceu de 1 a 3 de Setembro e vestiu de uma forma diferente um recinto que já conhecemos de outras ocasiões: o Parque da Bela Vista, que lhe vemos associado o Rock in Rio Lisboa. As comparações não puderam ser postas de parte, apesar do público-alvo ser completamente diferente. Ao contrário do gigante nascido no Rio de Janeiro, o MEO Kalorama oferece uma experiência mais comum aos habituais festivaleiros de pulseira, que saltam de palco em palco para ouvir as novas tendências ou para nomes com um legado significativo.
No primeiro dia do festival, a batida foi tónica e preencheu grande parte da programação dos três palcos: o Palco MEO, o principal, o Palco Colina, no topo do recinto, e o Palco Futura, perto do palco principal e dedicado aos nomes mais emergentes. À cabeça no dia 1 de Setembro esteve a dupla britânica The Chemical Brothers, que repetiu a grande escala o concerto que já haviam mostrado ao público do NOS Alive em 2019, antes da pandemia. Ainda assim o reencontro com a dupla formada por Tom Rowlands e Ed Simons respondeu-se com muita dança, embora o som não tivesse acompanhado as necessidades. Aos que estavam perto do palco, no fosso provocado pela inclinação do Parque da Bela Vista, teve os graves poderosos como inimigo; os que estavam mais longe e avistavam da colina, sentiram dificuldades em identificar os beats no meio da salgalhada de agudos dos sintetizadores ácidos.
“Got to Keep On”, entoou-se a dada altura, quase como uma alusão a ter de aceitar as condições. Valeu pela componente visual que ilustrou outros temas como “Hey Boy, Hey Girl”, “Eve of Destruction”, “Dig Your Own Hole”, “The Golden Path”, “Star Guitar” ou a final “Galvanize”, tudo isto após o pontapé de saída às leis de “Block Rockin’ Beats”. Mesmo sem novidades, o duo deu aquilo que se esperava de um headliner: entretenimento e os hits todos presentes. Menos sorte tiveram antes 2ManyDJs e Tiga, num back-to-back que durou dez minutos até ser interrompido e eventualmente cancelado por conflitos com o som do Palco Colina, que à mesma hora desfilava a história da electrónica alemã.
Os Kraftwerk estão há anos e anos com o mesmo espectáculo, mas sem música nova há décadas não se esperava outra coisa e o conceito das projecções 3D continua a ser surpresa para milhares de pessoas que acabaram por utilizar os óculos oferecidos à entrada para ter acesso à experiência. São mais de 50 anos de história de uma verdadeira instituição da música electrónica com Ralf Hütter ao comando enquanto único membro da formação clássica. Ainda que com previsibilidade, a ode aos sintetizadores não se fez com meias-medidas, tal como tinha acontecido no EDP Cooljazz em 2019. A estrada serviu de cenário tanto para o esforço de “Tour de France” como para o imaginário retrofuturista de “Autobahn”, num raro momento em que o alemão se fez ouvir.
Não deixamos de lamentar quem prefira a versão originais das músicas em alemão; para além de estarmos perante temas revitalizados para o espectáculo 3D, só nos chegam as letras em inglês. Assim sendo, entoámos “The Model” em vez de “Das Model” e “The Man-Machine” em vez de “Die Mensch-Maschine”. Preferências linguísticas à parte, são as melodias dos sintetizadores que nos conquistam, como em “Spacelab”, “Trans-Europe Express” ou “Radioactivity”. “Computer Love” recordou-nos que é possível emprestar uma melodia aos Coldplay e manter-se alheios a todo o aparato da banda britânica, enquanto “The Robots” nos coloca em perspectiva de um futuro que não é assim tão distante: somos seres pensantes, sim, mas até que ponto? Vamos levantar os telemóveis e filmar mais um pouco, trocar mais umas palavras de café com os vizinhos no concerto e estragar a experiência diante de um palco que já teve dificuldades em impor o seu som.
Esse problema existiu também à entrada da madrugada para os conterrâneos Moderat, que tentaram servir da ocasião para apresentar MORE D4TA. Não sendo o mais inspirado dos álbuns do trio, em palco as coisas pareceram menos insípidas quando o som nos permitia decifrar os graves das batidas. Abafados por “A New Error” ou “Bad Kingdom”, tornou-se uma tarefa hercúlea fazer valer a inclinação e a visibilidade do Palco Colina para apreciar a música.
Felizmente esse problema pareceu não existir nas primeiras filas para assistir ao concerto dos colombianos Bomba Estéreo, também no Palco Colina. Deixando-se levar pelas cores e pelos ritmos tropicais vocalizados por Li Saumet, abrimos porta à fusão de electrónica, rock, reggae, reggaeton, caribe, cumbia e champeta. Um cocktail latino para acompanhar a tímida apresentação de Deja, aclamado disco editado no ano passado, para dar mais força às faixas de Amanecer, como “To My Love”, “So Yo”, “Somos Dos”, “Algo Está Cambiando” e “Fiesta”. Foi incluída no alinhamento uma faixa nova, resultante de uma colaboração com Manu Chao, intitulada “Me Duele”, ficando de parte “Ojitos Lindos” com Bad Bunny e a calorosa “Fuego”, do já distante Estalla de 2008. Um concerto condizente com o sunset e de energia contagiante, mas que ao mesmo tempo já pede uma apresentação em nome próprio dada a afluência.
No Palco MEO, James Blake actuou às 19 horas quando ainda muita gente se encontrava às portas para entrar no festival. Foi praticamente descartada a música de Friends That Break Your Heart, do ano passado, para tentar agregar o máximo de pessoas numa versão menos intimista com “CMYK” ou “Voyeur”. Não ficou de parte, ainda assim, a estupenda versão de “Limit To Your Love” de Feist, embora a atmosfera provocada pelo dub electrónico do produtor britânico já mereça há muito uma sala para o receber em Portugal. Sucedem-se as visitas a festivais e continua-se a perder grande parte da magia.
Além dos concertos, o primeiro dia do MEO Kalorama também serviu para testar a distribuição do recinto. Enquanto para umas coisas pareceu curto demais, como no atropelo sonoro entre palcos, para outras coisas tudo parecia extremamente longo: era difícil encontrar WCs e em condições dignas de festival generalista, enquanto a zona de restauração também estava ela bastante espalhada, acumulando-se demasiadas filas num lado e a haver falta de festivaleiros noutra parte.
Existe muito espaço para afinar detalhes e processos, mas a comparação não é justa quando é feita com festivais que já levam muitos anos de avanço. O primeiro dia de sempre do MEO Kalorama não correu tão bem quanto se esperava, mas os pontos a repensar e melhorar são evidentes. A aposta é para continuar e a oferta musical, juntando-se às datas em que acontece, garante uma nova aposta segura na cena de festivais na capital e arredores.
Por motivos de saúde, não foi possível à nossa repórter destacada para os três dias fazer a devida reportagem do MEO Kalorama como planeado.
Fotografia: MEO Kalorama