Fotografia: Ana Ribeiro | Texto: Ana Margarida Dâmaso
18 de Junho
Neste regresso aos eventos de grande dimensão e chegados à cidade do rock, deparámo-nos, como habitual e logo ao longe, com os tradicionais sofás vermelhos patrocinados pela Vodafone, este ano a concorrerem diretamente com chapéus laranja oferecidos pela Galp e sem necessidade de espera.
À semelhança da semana anterior na cidade do Porto, no NOS Primavera Sound, o público enche o recinto bem mais cedo do que era costume. Seja para fazer compensar o valor do bilhete e aproveitar a experiência na íntegra ou por estarem desejosos de voltar a sentir a emoção deste tipo de eventos após o interregno pandémico, a verdade é que antes das 17 horas o recinto já se encontrava bem preenchido, com as cerca de 74 mil pessoas que marcaram presença neste primeiro dia.
A tenda VIP parece este ano ter ingerido cogumelos, estilo Super Mario, dado tamanho e espaço que ocupa, que tem progressivamente a ser mais evidenciado. Contrariando a típica noção dos eventos de música que começam a meio da tarde e seguem pela noite fora, a edição deste ano do Rock in Rio Lisboa destacou-se pelos inícios precoces, a rondar o meio dia, disponibilizando não só momentos musicais e de dança mas também outras atividades e serviços para todos aqueles que quisessem rentabilizar a sua experiência no Parque da Bela Vista. Por sua vez, esta multi-oferta pareceu não ter agradado a todos, e em certo ponto pode até mesmo ter saído algo forjada, dada a menor adesão em palcos como o da gastronomia ou digital. Um dos upgrades deste ano na área da acessibilidade acabou por ser a interpretação em língua gestual portuguesa junto aos palcos.
Da nossa parte, as atenções, no entanto, focaram-se mais nos sons vindos de outras plataformas, que nos são mais familiares, como a Rock Street, onde a portuguesa Sara Correia, nome emergente do fado, arrancou o festival com um concerto de uma hora para algumas dezenas de pessoas, não tantas quanto a sua arte merece: uma voz e alma antiga num espírito jovial. Pedia-se uma hora tardia ou um silêncio geral no recinto que fizesse jus ao respeito que esta musicalidade exige, ao contrário do que pudemos constatar, com todas as atrações externas a retirar, cada vez, mais a atenção do que efectivamente tem motivado esta organização, a música. Entre canções a capella, e sons ‘arabico-fadistas’ proporcionados pelos seus multi-instrumentistas, escutámos “Porquê do Fado”, “Lisboa e o Tejo”, “Os Teus Recados”. Por fim, uma versão de uma grande marca portuguesa, “Quero é Viver”, de António Variações, provavelmente o seu lançamento mais conhecido e aplaudido, com direito a uma volta extra do último refrão só para que o público acompanhe.
Desde há algumas edições que as distâncias entre os palcos têm sido alvo de crítica, sendo quase impossível concretizar autênticas maratonas para chegar às diversas actuações espalhadas pelo recinto. Para colmatar esta situação, este ano houve uma tentativa de dar aos presentes a hipótese de não perderem na íntegra o que se passa a pouco mais de um quilómetro do local em que se encontram, assegurando a transmissão dos respectivos concertos em palcos opostos, dado o desfasamento que existiu entre cada um.
Para inaugurar o Palco Mundo este ano estiveram os eternos Xutos & Pontapés, com uma música introdutória ao estilo desenhos animados. Kalú, na bateria, foi o primeiro a entrar, juntando-se depois Tim, no baixo, e posteriormente a restante banda. Envelhecidos mas inconfundíveis, mesmo sem Zé Pedro, não deixaram de testemunhar pelo público bandeiras e cachecóis elevados pelos braços, daqueles que sempre se mantêm fiéis ao mais célebre conjunto de rock português. Entre sucessos mais ou menos preferidos, foi após as introdutórias que passaram “Mãos de Veludo”, segundo os mesmos escrita dois anos antes, acerca das saudades de estarem juntos. Despediram-se com o público todo a cantar e a saltar ao som de “A Minha Casinha”.
Foi na ponta extrema do recinto que, em inglês e no denominado palco Galp Music Valley, os também portugueses The Black Mamba, mostraram aos festivaleiros o porquê de terem sido escolhidos para representar o país no festival da Eurovisão, reservado a mesma canção, “Love Is On My Side”, para fechar o concerto. Já no palco musical mais pequeno, de regresso à Rock Street, cruzámo-nos com Bombino, virtuoso guitarrista nigerino numa vertente mais alternativa e instrumentalizada, de músicas do mundo. Agradeceu em nome da banda a recepção, já que Portugal foi o país a acolher a sua primeira actuação na Europa.
Com todo o misticismo em torno de um dos nomes mais aguardados do dia, o concerto de Liam Gallagher foi antecedido por um vídeo com diversas imagens até ao culminar de uma câmara em directo, no qual surgiu o músico, com o público reflectido nos seus óculos espelhados, pedindo mais barulho. De timbre inconfundível, mas de aparência inevitavelmente gasta, fez-se acompanhar pelos restantes músicos e bailarinas na entrada em palco. O público, maioritariamente crescido nos 80 e 90, marcou presença celebrar os êxitos do testemunho geracional dos Oasis. Desde cânticos a very lights vermelhos, o toque de nostalgia parece ter servido para unir pais e filhos. Na sua postura algo arrogante e com uma pronúncia mancuniana super carregada, tornou-se complicado entender o que pretendeu transmitir ao público português, mas musicalmente conseguiu convencer com sucessos da sua antiga banda, como “Hello”, “Rock’n’Roll Star”, “Roll It Over” ou “Slide Away”, fazendo uma visita aos seus Beady Eye mas com especial foco em C’mon You Know, álbum que lançou no mês passado. Para o final reservou “Wonderwall” e, em encore, “Cigarettes & Alcohol”.
Mais uma vez, no longínquo Galp Music Valley, surgiram pelas 20 horas uns ‘tais’ de Linda Martini que, com a saída do guitarrista Pedro Geraldes, se apresentam com novo elemento, Rui Carvalho aka Filho da Mãe, mas com a mesma essência e power para a sua legião de seguidores. No decorrer do concerto faltou o habitual mosh das primeiras filas logo com “Boca de Sal”, já depois das introdutórias “Eu Nem Vi” e “Horário de Verão”, contrastando no entanto com quem se mantinha deitado, a acompanhar o pôr-do-sol nas camas de rede, ponto destacado pela banda a dada altura, «já tocámos para muita gente em pé, sentada… mas deitada é a primeira vez».
A noite acolheu os nosso já velhos conhecidos The National, que trouxeram uma brisa mais forte e fria e que contribuiu para a melancólica introspecção que a banda propõe. Matt Berninger, o vocalista, aproveitou logo “Don’t Swallow The Cap” a abrir para percorrer a extensão do palco e cumprimentar a audiência, rematando-se a efusiva “Bloodbuzz Ohio” já depois de “Mistaken For Strangers”. Seguiram-se “The System Only Dreams In Total Darkness”, com uma entrega extrema e alguma teatralidade, e “I Need My Girl”, que serviu para Berninger contemplar, emocionado, a vista panorâmica preenchida pelo público. «This is beautiful… And all the angels passing by», confessou, referindo-se às pessoas atravessavam o recinto no slide.
“Day I Die” foi interpretada numa versão mais enérgica do que estamos habituados em disco mas, ainda assim, a humildade e o deslumbramento forneceram à banda vários momentos muito emotivos, como “Light Years”, em que o público acendeu por sua iniciativa as luzes dos telemóveis. Matt procurou conforto e contacto junto do público, percorrendo com os vários metros de cabo que lhe era permitido junto das grades, tocando nas pessoas em “Graceless”, “Fake Empire” e a explosiva “Mr. November”. Com “Terrible Love”, a fechar, o vocalista relembrou que o último concerto antes da pandemia foi mesmo em Lisboa. Já sem microfone, arrastou a despedida com um «Thank you so much». A nós, resta-nos pedir, por favor, que regressem sempre.
Os últimos da noite no Palco Mundo foram os repetentes Muse, sacados para o alinhamento para substituir Foo Fighters, que cancelaram todos os concertos após o falecimento do seu baterista, Taylor Hawkins. O que se deu foi um concerto épico, molhado e abençoado. Após dez minutos da hora marcado e acompanhado por uns pingos de chuva, o trio britânico apresentou-se com máscaras metalizadas ao som de “Will of the People”, do mais recente álbum com o mesmo nome. Em “Hysteria” revelaram os seus rostos e aproximaram-se do público, que ficou em êxtase assim que reconheceu o riff de entrada.
Mais velhos, experientes, seguros, maduros e menos rígidos, os Muse entregam-se hoje em dia mais e mais ao público. “Psycho” serviu para arrancar aplausos, com a guitarra escrava e parceira de Matt Bellamy a ser o centro das atenções. Entre canhões de fogo coordenados com os temas sob chuva e explosões de confetti, não lhe faltaram os icónicos truques a la rockstar, com guitarradas de joelhos ou deitado. Apesar do aparato, a verdade é que alguns sentiram que o tempo estava a escassear (“Time Is Running Out”) e não resistiram à molha, sentido-se alguma debandada a meio do concerto. Quem ficou, foi premiado com “Madness”, “Supermassive Black Hole”, “Plut In Baby”, “Uprising” ou “Starlight” na recta final, antes do encore com “Kill or Be Killed” e, claro, “Knights of Cydonia”.
O hino da cidade do rock voltou, por fim, a tocar, e o Palco Mundo encerrou o seu primeiro dia com o habitual fogo-de-artifício, seguindo-se a festa no Galp Music Valley às mãos de Moullinex e Xinobi.
19 de Junho
No dia seguinte e após uma noite de chuva, os brindes mais procurados foram, definitivamente, as capas impermeáveis de cor laranja. Apesar da água que ia caindo, a temperatura foi amena e não afastou os festivaleiros neste segundo dia. Encontrámos mais jovens e famílias que visitaram o Rock in Lisboa para, sobretudo, desfrutar do dia de descanso. Foi entre filas para ofertas, jogos e comida que se parou para escutar alguma música, num dia menos focado nas guitarras e mais na febre da pop.
A nossa primeira paragem musical deste dia foi às 15h30 para Magdalena Bay, dupla de Miami que editou o aclamado álbum Mercurial World em 2021. Com pouco público, composto por uma geração mais nova, e entre amigos, a vocalista Mica Tenenbaum inseriu-se bem na população LGBT+, sublinhando as celebrações do mês Pride. O concerto teria, no entanto, encaixado melhor directamente para a marcha de orgulho realizada na véspera, não passando despercebido como passou no festival.
O início de tarde no Palco Mundo esteve a cabo de David Carreira, com um público sobretudo jovem, que o acompanhou sabendo as letras e passos de cor. Na Rock Street passou o português Bruno Pernadas, com um jazz apontado ao fim de tarde. Foi no meio de audiência composta desde crianças a público mais velho, sentado ou pé, que ouvimos os primeiros acordes de “Anywhere In Spacetime”, que serviram de mote para quem aguardava um motivo para se levantar. “Lafeta Uti” e “Spaceway 70” formaram uma bela mostra do poder vocal enquanto instrumento, dispensando a palavra com significado, para destacar a expressão, vivência e intenção emocional da música.
A eterna estrela do Rock in Rio, Ivete Sangalo foi antecedida por quinze minutos de cânticos do público, que cantarolou em coro «Poeira, levantou poeira» e «Ivete, cadê você, eu estou aqui só pra te ver». Num concerto bem mais composto que o anterior, apesar das gigantes filas para os brindes pelo recinto fora, o público aproximou-se mais do palco principal do festival para vários minutos de celebração da pop brasileira.
A restar menos de dez minutos para as 20 horas, testemunhou-se uma correria para o Galp Music Valley, tal palco-sala de estar, decorado com gatinhos violeta super fofos, a combinar com a fatiota de Bárbara Tinoco. A banda completa entra em palco primeiro e só depois é que a jovem cantora entra, na sua serena e simples simpatia, dando “Estrelas” ao público manifestando o seu contentamento pela presença no evento, «Esperámos dois anos para dizer isto: boa tarde Rock in Rio!». Bastante aplaudida por várias gerações, Tinoco terá convencido em grande parte os mais jovens que porventura arrastaram os seus pais.
Não raramente, o público cantou sem ajuda as suas composições, como “Outras Línguas”, “A Fugir de Ser”, “Sei Lá”, “Devia Ir” (em versão que fez de Wet Bed Gang) e “Advogado”, na primeira metade do concerto. Em “Gisela”, tal como noutras canções, contou a sua origem, entrando no palco à boleia de uma Sboard, que facilmente dirigiu enquanto cantou. Num momento terno, chamou um convidado especial, o seu namorado, que a presenteou com flores num momento de cumplicidade: «Este é o bichinho. Bichinho, esta é a malta». Apresentaram uma tema que compuseram juntos, “Noutra Vida”, terminando-a com um abraço. “Carta de Guerra”, “Antes Dela Dizer Que Sim” e “Passe-Partout” foram os sucessos que marcaram o restante concerto.
Para receber a noite esteve Ellie Goulding, que por muito dançar e saltar encheu o Palco Mundo praticamente sozinha. A plateia aproveitou para a acompanhar e resistir ao frio com passos de dança, mas foi só com os maiores sucessos partilhados que o público ficou mais agarrado, como “Close To Me”, “I Need Your Love” e “Love Me Like You Do”, esta permitindo um momento emocionante com as luzes apontados ao céu pelo público, criando-se um cenário estrelado. O alinhamento passou maioritariamente por Brightest Blue, lançado em 2020, mas foi com temas mais antigos que arrancou aplausos de forma sistemática: “Anything Could Happen”, “Still Falling For You”, “Lights” e “Burn” aconteceram e várias pessoas entenderam que, afinal, até conhecem Ellie Goulding, caso o nome tivesse passado despercebido. A terminar, Ellie fez uma vénia de despedida, em agradecimento.
O último grande da noite, e o mais esperado, foi o de The Black Eyed Peas. Partilharam recordações em 2004, quando estiveram na edição de estreia do Rock in Rio Lisboa no mesmo dia de Britney Spears. Agora, em 2022, com uma nova vocalista, com frio (mas sem chuva) e vários alguns minutos de atraso, ofereceram os seus hits sem grande resistência. Arrancaram com “Let’s Get It Started” e passou-se para “Boom Boom Pow”, na primeira aparição do novo elemento feminino, J Rey Soul, cujo timbre é semelhante à da original Fergie. “Ritmo (Bad Boys For Life)”, “Mamacita” e “Pump It” foram intercaladas com algumas palavras em português, de agradecimento, e um momento algo bizarro: will.i.am não largou o seu telemóvel e aproveitou para realizar um directo e apresentar o novo vídeo da banda, “Don’t You Worry”.
Numa tentativa de aproximação ao público, Taboo ficou sozinho em palco e dirigiu-se ao público em castelhano, frisando que devemos enviar amor para todos os povos do mundo. Aliás, durante todo o concerto os elementos da banda deram relevância às suas origens. Depois foi will.i.am que tomou conta das rédeas, com três músicas a solo, “This Is Love”, “#thatPower” e “Scream & Shout”, nesta última, que partilha com Britney Spears, aproveitou a ocasião para congratulá-la pela recente vitória judicial. Teve ainda oportunidade para descer e percorrer todo o corredor central que separa o público, cumprimentando alguns fãs mais distantes das primeiras filas.
A banda regressou ao palco para continuar a festa, “Don’t Stop The Party”, antes de nos recordar Dirty Dancing com “The Time (Dirty Bit)”. “Where Is The Love?” foi dedicada a todos os que enfrentam problemas pessoais e o final foi mesmo feito em modo folião. “I Gotta Feeling” fez a ponte para a nova “Don’t You Worry”, antes de se regressar à anterior. Houve direito a confetti e, apesar das críticas à divulgação comercial directa e indirecta, os Black Eyed Peas deram aquilo que o público procurava: um bom bocado e motivos para celebrar.
25 de Junho
No primeiro dia do segundo fim-de-semana do festival, o público mostrou-se bastante diferente: com um ritmo mais calmo, os concertos foram dirigidos a uma geração mais experiente e que visita a cidade do rock para recordar a sua juventude, mas sem deixar de parte o cuidado com o estilo ou os passos de dança. Os mais novos – e talvez não tão novos assim em comparação com dias anteriores – estiveram em maioria por arrasto ou por curiosidade, pois a fatia mais jovem do público certamente passará ao lado do alinhamento deste dia de Rock in Rio Lisboa. Pelas 16 horas, Luca Argel apresentou no Galp Music Valley os primeiros ritmos brasileiros do dia, mas com pouca adesão, face a quem se deparava com os habituais brindes à chegada ao recinto.
Numa reabertura em rompante do palco principal estiveram os londrinos Bush. Os primeiros toques na bateria assustaram as centenas que, por volta das 17 horas, já se tinham aproximado do espaço do primeiro grande concerto da tarde. Quando o vocalista e guitarrista Gavin Rossdale entrou em palco para “The Kingdom”, a euforia fez-se ouvir, mas para a dimensão que esta banda em tempos já alcançou, na década de 90, esperava-se outro preenchimento da plateia no Parque da Bela Vista. Tal não desfez por completo a sensação de bem-estar da banda, que vive desde 2010 um segundo capítulo da carreira. «We are so happy to be here!», contou-nos Rossdale que, apesar de lhe reconhecermos o mesmo timbre do passado, notam-se os sinais da passagem do tempo em temas como “Machinehead” ou “Flowers On A Grave”.
Como habitual nos seus concertos, Rossdale desceu do palco e encontrou-se no meio do público – não só nas primeiras filas – durante algumas músicas, havendo pessoas a fazer os possíveis para se aproximar do artista. Este partilhou também o seu entusiasmo, «You look fucking amazing, incredible», entre outras expressões saudosistas de agradecimento. Ergueu a sua cerveja e destacou a importância de estarmos de novo reunidos pela música, depois de um par de anos terrível.
Pelas 18 horas a escolha recaía entre a música nacional no Galp Music Valley com António Zambujo ou com os sons sufi de Arooj Aftab na Rock Street. Pela raridade da ocasião, ficámo-nos pela segunda opção para testemunhar ao vivo a primeira paquistanesa a ganhar um Grammy Award, graças ao tema “Mohabbat”. Com simpatia e bom humor, Aftab e a sua banda mostraram-se deliciados com a audiência muito atenta e embalada. Ficou a certeza de que o idioma não é o que mais liga as pessoas, mas sim a compreensão emocional e a linguagem corporal transmitida.
A esta altura reparámos, em contraste com os dias anteriores, que não existiu grande preocupação em arranjar lugares nas primeiras filas, a não ser que o mesmo envolva um sofá vermelho. Neste aspecto houve uma constante: a fila para os brindes da Vodafone permaneceu longa.
Na hora seguinte e com um recinto bem mais preenchido, começou no Palco Mundo um dos concertos mais esperados desta edição. UB40, com Ali Cambpell, proporcionaram momentos de afecto e paixão pelo público, que não hesitou em balançar e mostrar os seus dotes vocais. No alinhamento, um autêntico desfile de versões próprias, com “The Way You Do The Things You Do”, “Purple Rain”, “Many Rivers To Cross” ou “Can’t Help Falling In Love”, para além das originais “One In Ten” e “I’ll Be There”. Quem ainda resistiu e se manteve sentado, não resistiu à final “Red Red Wine”, versão transformada de Neil Diamond e que se tornou o tema mais óbvio quando o nome da banda britânica de reggae vem à baila.
Houve quem não aguardasse e esperasse por esse tema. O Galp Music Valley estava repleto para receber Ney Matogrosso e às 20 horas surgem as primeiras palavras vindas do PA, numa gravação que nomeia toda a produção envolvida no espectáculo que se seguiu. Como habitual, Ney surgiu com as suas roupas exuberantes e de rosto coberto. A vasta legião de seguidores revelou-se sabedora das suas músicas e letras, aplaudindo um dos, se não o mais lotado concerto deste palco em todo o festival.
Em simultâneo na Rock Street a camada mais jovem do dia juntou-se para bater palmas com Omar Souleyman, lenda síria do dabke e da música de casamentos que emergiu ao mundo ocidental há pouco mais de uma década. O resultado foi um espaço lotado para quem sabia ao que ia. O poder que um homem de 62 anos, de traje e turbante a repetir palmas e a vocalizar «hey», como é o caso de “Wenu Wenu”, tem sobre a música electrónica deixa vários sem palavras.
Ao Palco Mundo subiram os muito celebrados A-ha. Apesar dos 40 anos de carreira, os noruegueses aparentam bem conservados, com um estilo mais refinado e mantendo o timbre que deixou marca na synthpop. Por diversos momentos pudemos constatar a formação deste trio como um conjunto de amigos em torno de um teclado, a apreciar o momento. Com especial atenção às músicas de Hunting High and Low, álbum de estreia que lhes deu o maior sucesso, passaram por “Train of Thought”, “Here I Stand and Face The Rain”, “The Sun Always Shines On T.V.” e a faixa-título, antes da despedida apoteótica com “Take On Me”. «Obrigado. Thank you very much», agradecimento bilingue acompanhado de apresentação da banda e de muitos aplausos.
Numa corrida nocturna de regresso ao Galp Music Valley, valeu a saudade da banda liderada por Miguel Ângelo. Prometeram os êxitos e ei-los: os Delfins desfilaram “Marcha dos Desalinhados”, “Sou Como Um Rio”, “Saber Amar” (contando a história de como trouxeram esta música do Rio de Janeiro, dos Paralamas do Sucesso), “Ao Passar Um Navio” ou “Queda de Um Anjo”. Gritou-se um «viva António Variações!» antes de hastear a “Bandeira” n’”Aquele Inverno” e com um “Lugar ao Sol”.
Ainda esta noite e para encerrar o palco das estrelas de outra geração estiveram os Duran Duran, headliners do terceiro dia de Rock in Rio Lisboa 2022. De aparência mais envelhecida do que a voz (esta mantém-se inconfundível), a aposta foi clara num look superstar, com movimentos sensualizados entre os elementos da banda e a irreverência que perdura desde a década de 80. Num primeiro momento deram-nos “The Wild Boys”, “Invisible”, A View To A Kill” e “Notorious”, antes de um pequeno intervalo.
«There are some people who may know Duran Duran for 40 years… and some people don’t. But maybe you know this one», foi a deixa para “Union of the Snake”, antes de “Come Undone”, “Give It All Up” e “Hungry Like The Wolf”, com o público muito agarrado ao espectáculo, cantarolando os «tu tu tu ru» em uníssono. Dedicou-se uma emocionante “Ordinary World” ao povo ucraniano: «Today we are living in the world for goodness», acompanhado de um ecrã a assinalar as cores da bandeira, azul e amarela, com resposta do público que iluminou o recinto com as lanternas dos telemóveis. “Tonight United”, “Planet Earth”, “Hold Back The Rain” e “The Reflex” abriram a recta final, que incluiu um desfile de sons de flash de fotografia para “Girls On Film / Acceptable In The 80’s”. O regresso ao palco, tal encore à moda antiga, deu o que o público pedia: “Save A Prayer” e “Rio”. Um brilhante concerto que, mesmo assim, não foi o melhor do dia entre as palavras do público. Os A-ha fizeram mesmo maravilhas.
26 de Junho
O último dia da edição de 2022 do Rock in Rio Lisboa esgotou e mostrou-se adicionalmente caótico, como já se esperava pela anunciada greve de metro. A isso foi juntar o sol, a poeira, as extensas filas e os muitos jovens, alguns deles certamente pela primeira vez num festival.
Pelas 16 horas, Rebecca recebeu o público no Galp Music Valley, a esta hora já bastante cheio e rendido ao sexy sem rodeios. Com palavras feministas, a artista ergueu e cobriu as suas costas com uma bandeira LGBT dividida com a bandeira do Brasil, vestindo ela mesmo um fato de labaredas a percorrer o corpo. Não se absteve de mostrar, com as suas bailarinas, as suas capacidades físicas e ainda convidou Anselmo Ralph para “Só Por Uma Canção”.
Pela primeira vez nos quatro dias do festival, o recinto em frente ao Palco Mundo já se encontrava totalmente preenchido com público, que eventualmente aguarda a entrada de HMB, ao som de “Não Me Leves a Mal”. Os músicos apresentaram-se invariavelmente ensaiados e combinados nos passos de dança e Héber Marques, o vocalista, assegurou o bem-estar do público. «Como é que é Rock in Rio, vocês estão bem dispostos?», questionou, antes de admitir «É um prazer estar convosco». O público, bastante efusivo, aderiu. «A minha família costuma dizer que festa só é festa se toda a gente estiver junta e é sobre isto que a música fala», contou a introduzir “Festa Lá no Céu”. Antes entregaram-se os sucessos “Paixão”, “Naptel Xulima” e “Dia D”, com uma audiência pouco envergonhada que aproveitou para cantar e dançar.
Às 18 horas na Rock Street deu-se o início de uma das mais singelas propostas desta edição, com Johnny Hooker. Mesmo antes de se começar, já estava coberto o pequeno tapete em frente a este palco, maioritariamente com jovens e público manifestamente pro-LGBT. A ‘rua’ transformou-se numa pista de dança com a entrada em palco, de casaco de peles e óculos escuros, rematando faixas em português do Brasil e em castelhano. Acompanhado-se por bailarinos, baterista, guitarrista e baixista, deu-nos “Amante de Aluguel” e “Alma Sebosa”, que entre troca de beijos não se absteve do vernáculo do seu Brasil natal. Num momento ainda bastante frágil, partilhou que um amigo com 35 anos faleceu de Covid-19 por não haver vacina no Brasil: «André, para si especialmente, eu escrevi essa música quando éramos adolescentes», dirigiu Johnny Hooker para “Amor Marginal”. A resposta entusiasta do público não podia ter sido mais directa: «Hey Bolsonaro, vai tomar no cu!». Dedicou ainda uma música à sua mãe, que diz ser «uma mulher foda!», e terminou-se o espectáculo com “Flutua”, num momento memorável para todos os presentes.
No Palco Mundo a sexyness não foi, mais uma vez, posta de parte. Desta vez foi a chance de Jason Derulo. Logo após a entrada dos bailarinos, o norte-americano chegou com o seu olhar sedutor, de camisola larga e sorriso estampado. Com um ele, um saco cheio de hits, como as iniciais “Tip Toe” e “Wiggle”, acompanhados de fogo e jactos de vapor. «Does it feel good to be outside?», pergunta à audiência no contexto do regresso aos festivais das grandes massas, antes de “Take You Dancing”, “Savage Love” (cuja coreografia se tornou viral no TikTok), “In My Head” ou “Ridin’ Solo”. A este ponto percebemos que, mais do que um concerto, Jason protagoniza um espectáculo de voz, dança, luz e vídeo. “Don’t Wanna Go Home” teve direito a um excerto de “Shots”, de LMFAO, e alongou-se em “Swalla”, poucos minutos antes de um momento distinto, com a sua capacidade vocal (e não tanto a física) para interpretar “Time To Say Goodbye (Con te partirò)” de Andrea Bocelli. Fez-se ainda umas visitas aos White Stripes e a Beyoncé, mas o final foi mesmo com “Want To Want Me”.
No mesmo registo de sensualidade, a audiência recebe Anitta na chegada da noite. Aqui já não havia lugar para se estar e tornou-se impossível aproximar-se mais do palco, dada a afluência para o que, talvez, tenha sido o concerto mais procurado nos quatros dias desta edição. Resumindo: Pouca roupa, muita dança. A entrada dos bailarinos foi feita com “Mas Que Nada” em som de fundo e logo após surgiu Anitta, numa mota. Ao segundo tema, “Me Gusta”, já víamos Anitta debruçada na percussão e fogo-de-artifício. Não muito depois, a polémica das bandeiras. Anitta agarrou uma bandeira espanhola do público, que depressa arrumou ao perceber o potencial burburinho. Quem viu em casa, na transmissão, terá saltado para os teclados da internet, mas no recinto foi um não-assunto. “Sua Cara”, “Sin Miedo” e “Machika” foram envolvidas num medley, quando o espectáculo partiu para interlúdios e consequentes mudanças de curtas peças de roupa que cobrem o corpo e enaltecem os movimentos retentores de qualquer atenção do público.
Emocionada e feliz, agradeceu a Portugal e reservou um registo mais calmo, sozinha em palco, para “Garota de Ipanema”, com o público a responder com as luzes dos seus telemóveis. Teve ainda tempo para convidar Rebecca, que tinha actuado horas antes no palco secundário, para “Combatchy”, antes de uma “Bola Rebola” de Tropkillaz e de montar o “Show das Poderosas” com direito a buzina.
Alguns abandonaram o recinto depois do concerto de Anitta, ficando os mais curiosos e interessados para o headliner, Post Malone. O jovem nova-iorquino esteve sozinho em palco, ao qual subiu após o som de um trovão e de foguetes, eventualmente gravado junto dos seus instrumentais. De copo na mão para brindar, revelou o jogo: «I am here to play some shitty songs and get fucked up». Manteve a sua voz algo rouca, mesmo para utilizar «fucking» como vírgula de cada discurso. “Wow.”, “Better Now” e “Saint-Tropez” deram a entrada de um concerto que despontou do poder musical redutor de uma só pessoa em palco, com recurso ao mundo digital, mas que ficou marcado sobretudo pela adoração que o público tem pelo seu trabalho. Inevitavelmente, as letras estavam bem sabidas. «This is the fucking coolest thing I’ve done in my life», disparou enquanto sorria para o público, eternecido.
“Cooped Up”, “Insane”, “I Fall Apart” e as acústicas “Stay” e “Go Flex” foram jogadas ao alinhamento, com “Sunflower” e “rockstar” a apontarem para o fim do espectáculo. Antes de sair de cena, garantiu ser o gajo mais sortudo do universo, descendo e cumprimentando as primeiras filas na derradeira “Congratulations”.
Chegou ao fim nova edição do Rock in Rio Lisboa, forçadamente adiada dois anos devido ao contexto pandémico. Neste regresso, a equipa da Ruído Sonoro teve a possibilidade de integrar a Rock in Rio Academy, permitindo-lhe ficar a conhecer os detalhes e os projectos por detrás do grande universo da cidade do rock. A próxima edição já está reservada para 2024.