O Baú Perdido do Rock e Heavy Metal: Mr. Mister

Mr. Mister foi daqueles grupos que conseguiram expor-se além-fronteiras com um som muito típico da era, tendo obtido sucesso comercial com um par de canções e conseguindo manter uma chama que ainda parece estar bem acesa, pelo menos, no que toca à reputação do quarteto.

A banda formou-se, em 1982, com Richard Page (vocal e baixo), Steve George (teclado), Pat Mastelotto (percussão) e Steve Farris (guitarra), e lançou-se na ribalta de forma prematura, sobretudo pelo passado que unia Richard Page e Steve George na banda Pages que obteve um sucesso moderado em temas como “If I Saw You Again” e “Come On Home”. Para além da sonoridade comercial da banda, Pages tinha elementos facilmente detectáveis de jazz e soul na sua música, o que ajudou a catapultá-los. No entanto, Pages será tema para um outro BAÚ.

Fruto da sonoridade mais pop e ‘jazzy’ da banda dos anos 70, a necessidade de criar um pop mais rock e adaptado à década de 80 fez com que Mr. Mister saí-se do armário para se tornar na atenção principal deste já experiente duo de artistas habituados a digressões, Page e George. Foi então que, em 1984, é lançado para as lojas I Wear the Face que apresentava uma sonoridade muito própria da década acoplada com um rock ‘mainstream’ que teve repercussão comercial satisfatória, tendo obtido alguma notoriedade com as faixas “Hunters of the Night”, “Talk the Talk” e “Partners in Crime”.

Mr. Mister com o álbum de estreia passou a fazer parte da moda musical da década de 80, tornando-se numa banda de destaque numa época em que muitas eram as bandas que se relançavam no cenário da rádio mais comercial com singles e álbuns fáceis de ouvir. Mas, no final de contas, I Wear the Face consegue atingir o objectivo proposto pelo quarteto aquando do lançamento do longa-duração com um conjunto de faixas agradáveis ao ouvido, um rock ligeiro que envolve uma boa estruturação instrumental e letras muito bem evidenciadas pela voz inesquecível de Richard Page que marcou a década de forma incontornável.

Após a estreia oficial, Page vê-se a braços com duas propostas quase irrecusáveis: entrar nos Chicago para substituir Peter Cetera ou entrar nos Toto para substituir Bobby Kimball. Ora, Page decidiu permanecer no projecto dos Mr. Mister antecipando um sucesso inaudito neste mesmo grupo. O ano de 1985 trouxe grandes boas-novas a Page e companhia, pois é lançado um dos melhores discos de rock comercial da história, Welcome to the Real World. A decisão de Page pode parecer estranha, sobretudo sabendo o que se sabe agora, no entanto, este projecto liderado por Page era uma das grandes promessas da música, esperando-se muito sucesso para o quarteto. O segundo álbum de originais do grupo revela isso mesmo.

Welcome to the Real World é um daqueles álbuns que acontecem apenas uma vez na vida de uma banda. Foi uma verdadeira bomba de êxitos que ajudou a definir o género e uma década que ia apenas a meio, e que testemunhava enormes mudanças. Ora, este segundo disco consegue ter a capacidade rara de nos distanciar de tudo com temas mais virados para o rock e sucessos que apaixonaram audiências, como “Kyrie”, “Is It Love”, “Black/White”, “Welcome to the Real World”, “Tangent Tears” e a incrível “Broken Wings”. É justo dizer que quase todo o álbum é um sucesso comercial, tendo ganhado certificações de ouro e platina, diversas vezes, em vários países europeus e nos Estados Unidos.

De facto, Mr. Mister tornou-se numa referência ímpar no mundo da música com um longa-duração destes, foi um 1985 cheio de sucessos e de alegria para um grupo lançado como que por intuito e paixão musical. Este foi o melhor momento do grupo, foi um verdadeiro pico que o quarteto tentou igualar nos anos que se seguiram. Para além do sucesso comercial, o sucesso da crítica também se verificou com a nomeação para os Grammy pelo tema “Broken Wings”.

Com resultados destes, os Mr. Mister acabaram por sofrer de algo que muitas bandas sofrem quando atingem um patamar tão elevado: o de as expectativas serem tão altas que tudo o que se espera é que consigam igual ou melhor. Ora, com tantos concertos, aparições, prémios e tempo de rádio, era preciso produzir mais conteúdo discográfico e voltar ao estúdio. Go On… seria a confirmação de um valor que não foi correspondido em vendas, pois, em 1987, sai para as lojas um disco altamente subvalorizado que foi ignorado pelos fãs, tendo uma fraca resposta comercial. Na verdade, este terceiro trabalho é um pouco mais emotivo e reflexivo do que os anteriores, apesar de muito do estilo se manter. “O álbum é um exemplo de uma banda da cultura pop que usa do seu púlpito para sugerir que a filosofia de ‘a inveja é boa’ deixava um vácuo espiritual na sociedade americana (…)”, diz a AllMusic numa crítica ao álbum. Em termos de sonoridade, não há grandes novidades, mas criativamente falando, Go On… apresenta nuances de narrativa verdadeiramente espirituais e inteligentes. “Healing Waters” foi uma das faixas nomeadas para outro Grammy, sendo uma das poucas bandas, de duração tão breve, a conseguir obter duas nomeações para estes prémios; mas há outros destaques como “Stand and Deliver” e “Something Real” que se tornaram singles deste terceiro trabalho.

A tentativa de prolongar a aclamação saiu, portanto, furada. No entanto, a banda permaneceu ‘no goto’ do mercado musical, tendo composto músicas para vários filmes e continuando uma carreira a actuar ao vivo. Mas sabia a pouco, principalmente para quem conhecia os Mr. Mister de 1985 que quase representavam a nova esperança para a música rock/pop. Apesar de uma queda nas ‘sondagens’ comerciais, o grupo continuou, preparando um novo álbum em 1989.  No entanto, o guitarrista Steve Farris abandona a banda em 1988, antecipando um rompimento na relação. O quarto álbum já estava preparado, mas apenas mais de 20 anos depois é que Pull seria finalmente lançado ao público. A produtora, RCA Records, decidiu não lançar um disco introspectivo e com uma sonoridade diferente da dos anteriores. Indiscutivelmente, existe uma diferença face aos álbuns anteriores, sobretudo em termos instrumentais, com composições mais clássicas, algumas envolvendo o piano e teclas. Pull foi gravado em 1989-1990 e revela um grupo mais maduro que parece ter tido a intenção de libertar algo diferente, explorando novos conceitos. O quarto álbum, a par do terceiro, é outra preciosidade subvalorizada pela imprensa e pelos fãs que apenas puderam ouvir este disco, em 2010, sob a produtora Little Dume Recordings, de Richard Page.

Mr. Mister conseguiu viver um pouco de tudo na música: um início promissor, um sucesso inaudito e uma descida a pique que chegou a separar a banda em 1990, com um álbum por editar e lançar. Ora, apenas muitos anos depois é que o grupo americano voltou à ribalta com um disco que já havia sido composto muitos anos antes. Hoje em dia, Mr. Mister continua na memória dos fãs, sobretudo graças aos seus êxitos e a Richard Page, que vai mantendo a banda viva com lançamentos de compilações e um site pessoal que se encarrega de promover o que puder ser promovido.

Autor: João Braga