Super Bock Super Rock. O Hip-Hop voltou a fazer história no lugar do Rock

A 23ª edição deste festival que já passou por diversos locais da grande Lisboa, desde a margem norte do Tejo à praia do Meco (que a tantos deixa saudade), vem cada vez mais a afirmar a sua localização, agora situado no Parque das Nações, servindo-se das instalações do MEO Arena, Pavilhão de Portugal e áreas lúdicas adjacentes. Além da vasta rede de transportes de fácil acesso e em horário alargado, a vista deslumbrante para a Ponte Vasco da Gama, a brisa refrescante do rio em tardes de calor e a tranquilidade de um pôr-do-sol entre amigos culminam no sucesso de um dos mais antigos eventos de música do nosso país.

Dia 1 – 13 de Julho

O primeiro dia arrancou com o público característico, mais urbano. Com medidas de segurança visivelmente reforçadas, fizeram-se cumprir os trâmites supostos para um evento de tal dimensão. Para se escapar ao calor abrasador dos inícios de tarde, só mesmo os gelados que iam oferecendo e a Pala de Siza, sempre repleta de festivaleiros resguardados do sol, este ano com um spot para carregamento de aparelhos móveis estrategicamente situado.

A abrir o Palco EDP, o projecto Alexander Search, baseado no heterónimo de Pessoa, banda conduzida pelas mãos de Júlio Resende ao piano e voz de Salvador Sobral, trajado a rigor. Pouco conhecido entre público (a maioria, sobretudo jovens, apenas se deparou com a celebridade da Eurovisão quando se aproximavam do palco), serviu para acalentar a tarde que se fez seguir com Boogarins, os brasileiros que por várias vezes têm escolhido o solo lusitano para actuar, apresentaram-se envelhecidos e pouco motivados, contrariamente à sua arte e a actuações anteriores. Deixaram ainda as músicas de maior sucesso na gaveta. Felizmente no Palco LG a música prosseguia com grandes nomes portugueses em ascensão. Com um copo de cerveja na mão ou deliciando-se com um algodão, doce, como a voz de Francisca Cortesão de Minta & The Brook Trout, a escadaria do MEO Arena compunha-se com os sons calmantes “I Can’t Handle the Summer” ou “Bangles”. Mais tarde repetiu-se com Manuel Fúria e os Náufragos, que puseram os presentes a bater o pé e a cantarolar os seus refrões em bom português com “Cala-te e Dança” e “Aquele Grande Rio” do seu álbum deste ano “Viva Fúria” passando também pelo anterior “Manuel Fúria Contempla Os Lírios Do Campo”.

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O já conhecido Kevin Morby continua a confortar as almas portuguesas dos seus 20-30 anos, que aproveitaram este sons melancólicos para trocar gestos de afecto, entre “I Have Been To The Mountain” e “Parade”.

Embora continuem em digressão pelo país, um dos nomes portugueses mais esperados foram os Capitão Fausto, que após um ano a conquistar os maiores palcos nacionais, chegaram por fim ao grande palco principal do SBSR, com mais de dois terços desta arena repleta de pessoas que, sobretudo mais jovens, tinham já decoradas as letras desta banda. Ao mesmo tempo que estes meninos actuavam, acontecia algo igualmente estrondoso mas numa escala menor: Throes + The Shine, a banda de rockuduro com origens no Porto fazia abanar os esqueletos mais atrevidos, juntando-se ao público no chão com “Batida”, “Capuca” e afirmando que “Hoje é Festa”, confirmando que por mais palcos internacionais que andem a visitar, em Portugal é sempre diferente.

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Os mais esperados do primeiro dia, e quiçá, do próprio festival, chegaram com três minutos de atraso – Red Hot Chili Peppers: o nome que mais se (ou)via no recinto, por quem há muito aguardava o seu regresso. T-shirts sem conta desfilaram nos corpos dos fãs durante este primeiro dia, mostrando a saudade que uma das bandas mais importantes do panorama musical das décadas de 1980-90 e que se arrasta até ao presente, pelo seu atrevido rock alternativo.

Interactivos, mas pouco, cumprimentaram os tugas mas entre mensagens de paz, amor e gratidão pela contribuição dos presentes para a música ao vivo, faltou apresentar a banda. Ok, é certo que todos já estamos mais que habituados à sua existência mas para quem, há tanto tempo não aparecia, ficaria bem relembrar alguns pormenores. Do mesmo modo, e tal como os restantes cabeças-de-cartaz deste ano, quiseram que o tempo voasse e deixaram o público constantemente à espera de mais -, sendo que a sua hora e meia de espectáculo não foi suficiente para deixar em chamas os milhares que ali acorreram. Apesar de ter sido um dos melhores concertos desta 23ª edição, em que percorreram hits históricos da banda desde “Suck My Kiss” até “Tell Me Baby” ou do seu álbum mais recente The Getaway, alguns dos temas mais esperados não saltaram das colunas e foi mesmo necessário refugiarmo-nos num Tissue mental porque a ferida continuou por cicatrizar. Encerraram com “Give It Away”, culminando no êxtase do público – para muitos, o festival estava feito.

Dia 2 – 14 de Julho

…E ao segundo dia, o Hip-hop destronou o Rock.

Em comum com todos os artistas deste dia, do palco maior ao mais pequeno – as mensagens de paz e amor de, e para o mundo, que a música universalmente tem o poder de transmitir.

Diferente do primeiro e terceiro dia, como tem vindo a ser hábito, os adeptos do hip-hop são o que podemos, de facto, chamar fãs. Não daqueles que correm desalmadamente para o lugar da frente ou que choram quando o artista em palco se cruza com eles – mas sim aqueles que desde a primeira à última fila, sobretudo pertencentes a uma camada mais jovem da sociedade e caracterizados por um estilo que não deixa dúvidas, as mãos no ar e as rimas por vezes melhor ditas do que pelos próprios músicos, demonstram mais que interesse, respeito pelo trabalho dos que seguem.

Exemplo perfeito desta situação é o português Slow J, cujo festival tem vindo a abrir caminho para o seu talento – se no ano passado o vimos no palco mais pequeno, este ano conquistou o secundário, garantindo-lhe passagem directa ao palco principal no próximo ano. Uma camada mais jovem visivelmente empolgada, cantando mesmo quando o músico se calava, gerando um panorama de final de tarde deslumbrante com o Sol a descer sobre o Tejo para quem se encontrava em cima do palco a produzir uma versão de “Menina Estás à Janela” e convidando diversos outros artistas com quem habitualmente partilha as suas faixas. Talvez seja esta a “Vida Boa” que, a par da sua banda – sim, porque o hip-hop não se faz exclusivamente de rimas -, aborda na sua música. E que merecido que é!

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Akua Naru regressou com todo o seu poder feminino ao nosso pais para mostrar que o hip-hop pode conviver perfeitamente na fusão poética de jazz que, em conjunto com a sua banda, produz e que, sem grande esforço, conseguiu convencer aqueles que ainda não a conheciam. A sua boa vibe fez abanar esqueletos e a sua comunicação relativamente prolongada em português realçou o carinho que sente por nós, referindo não saber muito da nossa língua mas que “a música é linguagem universal”.

Já os estreantes London Grammar presentearam-nos com lindíssimo espectáculo no MEO Arena mas nem a versão de “Rooting For You” da sua vocalista foi suficiente para atrair a maioria das pessoas que, num dia dedicado ao hiphop, preferiram a concorrência do mais recente fenómeno luso-brasileiro Língua Franca que, àquela hora da noite, mantinha o palco EDP bem firme. Aguardamos com carinho que ambos, em data e hora diferente, possam regressar com o seu trabalho.

Uma das atuações mais esperadas deste ano estava entregue a Future e, apesar da multidão que sabia de cor as suas rimas e batidas, a sua conversa sobreposta às gravações e o trio de bailarinos que trouxe consigo só desiludiu a comunidade de uma das personalidades mais em vogue na actualidade.

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Dia 3 – 15 de Julho

Ao terceiro dia, coube ao brasileiro SILVA, três anos após o jejum do nosso país, relembrar os seus trabalhos. Como a expectativa anda frequentemente a par com a desilusão, embora tenha encantado o Palco EDP, faltaram algumas das músicas mais conhecidas do público.

Já o palco principal arrancou com os Foster The People satisfazendo um público em número reduzido que quis perder esta oportunidade para os ver ao vivo. No meio de entradas e saídas do público para jantar, foram tocando “Houdini” e “Pumped Up Kicks” e a malta ia-se divertindo na apresentação de Sacred Hearts Club.

Mais uma corrida para o palco secundário para receber uma estreia há anos aguardada pelos mais românticos, o simpático e expressivo James Vincent McMorrow apresentou-se de noite mas trouxe consigo na mala os seus hits de um Early In The Morning que após sete anos de lançamento, continua a fazer suspirar por esse mundo fora com temas como “Higher Love” cantado pelo público, “If I Had A Boat” e “Breaking Hearts”. Durante o concerto num tom entusiasmado, o irlandês aproveitou ainda para dizer que há dez anos tinha-se cruzado com SILVA no Brasil e que não se viam desde então. Mais um nome a apontar na lista “a ver futuramente”.

Entretanto, o MEO Arena já estava repleto para assistir aos gigantes Deftones, talvez a banda mais aguardada deste último dia na cidade do Rock. Por mais idade e dimensão que tenham, já conseguimos perceber que, a par de outros grandes grupos, a sabedoria é como o vinho do Porto e quanto mais tarde se consumir, melhor gosto terá. Dizemos nós e dizem os fãs de Chino Moreno e companhia, que ansiavam por “Back To School” ou “Change”. Das várias vezes que saltou do palco para abraçar o público, o crowdsurfing e o mosh constante na frente do palco fizeram jus ao cenário do palco. À memória saltaram rapidamente algumas edições passadas do SBSR, em que o rock mais pesado e expressões mais urbanas do metal preenchiam os recintos de camisolas negras. Estes Deftones, apesar de centrarem o seu espectáculo no icónico White Pony, provaram em palco que são um caso raro de amadurecimento em comparação com outras bandas com quem partilharam palcos e fãs há década e meia atrás.

O último cabeça-de-cartaz desta edição, Fatboy Slim que não nos visitava há uns anos, veio reforçar debaixo do lema “Eat Sleep Rave Repeat” que não é preciso ser jovem para que a boa música exista, principalmente enquanto DJ e sozinho em palco. Trouxe não só as músicas electrónicas dos anos 90 como também as ilustrou, demonstrando que há mais vida para além dos botões e dos pratos.

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No próximo ano o festival regressa para a sua 24ª edição de 19 a 21 de Julho.

Fotografia: Rute Pascoal
Texto: Ana Margarida Dâmaso