Eleanor Friedberger escreve-nos canções de classe média, narrações fáceis de histórias familiares, quadros dum quotidiano que pinta simples e sem complicações. Boa parte da beleza estará na forma como Friedberger as interpreta, como nos puxa para aqueles pequenos universos da sua vida, como se nos incluísse como terceiras pessoas à acção. Até porque somos – ou pelo menos já teremos sido – parte de histórias assim. Da última vez que a vimos era Outubro de 2013, na Casa da Música, umas centenas de quilómetros mais a norte. Provavelmente chovia também, mas as comparações entre essa e esta noite começam e acabam aí. Desta feita vimos a norte-americana tomar o palco sozinha, de guitarra ao ombro, e se na altura era Personal Record o disco que nos apresentava, agora a ocasião fez-se às custas de New View – disco que lançou em Janeiro do ano transacto.
Desde que partiu para trilhar o caminho de uma carreira a solo, a melancolia do que canta nunca se terá assumido tão adulta como no presente. Aqui emparelhando lindamente com a silhueta solitária que se centrava ao palco, Friedberger provou que o seu maior dom estará na forma como constrói e dispõe os seus versos, nutrindo-os dum sentido tragicómico em que poucos sucedem tão bem.
Espaço houve para de tudo um pouco. Recuando ao refrão pop de “My Mistakes”, a uma aceleradíssima versão de “Other Boys” e passando ainda por uma interpretação bem sua de “I Was a Stranger” dos míticos Smog de Bill Callahan – que cantiga, para além desta, espelhará melhor a fuga como redenção para os erros de uma vida passada e a sua inevitável repetição? Até porque, mesmo que da linearidade dos eventos pouco saibamos, a estrada é precisamente um tema recorrente na música de Friedberger. Como se o título do seu disco não fosse indicador que baste, as canções de New View estão intimamente marcadas pela mudança, pelas implicações e circunstâncias de olhar o mundo por uma janela nova. Naquela noite, em pleno Cais do Sodré e mesmo num Musicbox sem vidraças, Friedberger abriu-nos a persianas e deixou-nos entrar, e o que é isso se não precioso?
Texto: Rui P. Andrade
Fotografia utilizada não correspondente ao concerto no Musicbox.