Biffy Clyro no Coliseu de Lisboa. A recorrência do rock de tirar a camisola

27 de Janeiro, uma sexta-feira, assinalou a data do primeiro concerto em nome próprio de Biffy Clyro em Portugal. Demorou e até tardou, lembrando a data que “nos” foi roubada no final de 2009, onde o trio escocês cancelou um concerto no Santiago Alquimista para fazer a primeira parte de Muse no Pavilhão Atlântico uns dias antes. Volvidos sete anos, percebeu-se o porquê neste concerto no Coliseu de Lisboa.

Mas lá iremos. Cada coisa a seu tempo. A primeira parte não pôde passar despercebida de maneira nenhuma quando nos indicam em letras pequenas que se trata de Frank Carter & The Rattlesnakes. O frontman de Pure Love e ex-Gallows puxa o som deste novo projecto às suas duas veias – há aqui o rock mais transgressor de Pure Love, mas é nos sopapos do hardcore que encontramos mais semelhanças. Com Modern Ruin tão fresco (editado exactamente uma semana antes do concerto), existiu alguma inércia na ligação aos temas retirados de Blossom, disfarçada pela energia de Frank Carter e o seu look dos anos 20.

Estenderam-se várias palavras ao público e até houve uma bandeira a sobrevoar o fosso que separa a plateia do palco. Não muito antes Carter colocou-se sobre as cabeças do público e identificou-se gente suficiente para um concerto em nome próprio numa sala mais pequena – Biffy Clyro, são vocês os Muse de 2017 neste aspecto? -, mas é verdade que a espontaneidade do vocalista colmatou algumas fragilidades do concerto. Não é fácil dar pontadas de hardcore num palco como o do Coliseu, mas a missão de dever cumprido e umas boas dezenas de novos fãs terão compensado.

Existe algo de estranhamente poético ao ligar a sonoridade da primeira parte aos primeiros discos de Biffy Clyro. As semelhanças são mais do que muitas se pegarmos nas faixas mais violentas de Blackened Sky (2002) e sobretudo de The Vertigo of Bliss (2003) e Infinity Land (2004). Em três anos a banda escocesa debitou três discos em que pontapeou o seu lado emocional para o post-hardcore, respondendo com raiva as suas pieguices. Nada contra e reconhece-se a sua influência em fileiras de projectos do género que surgiram depois, dos La Dispute aos Touché Amoré ou Pianos Become the Teeth. Mas a evolução – ou desconstrução – começou em 2007 com Puzzle, disco que deu as mãos os “velhos” e os “novos” Biffy. Precisamente o disco que iria encher o Santiago Alquimista, com Only Revolutions a ter menos de um mês de vida no momento em que subiram ao palco de um esgotado Pavilhão Atlântico à espera de Muse.

A direcção que se tem seguido desde então é parcialmente orientada para o mesmo tipo de público – rock de estádio, com golpes de quem sabe realmente fazer barulho. No entanto, um certo “vedetismo” mora lá à mesma. Da mega-produção de luzes de palco (em contra-balanço com a crueza selvagem dos Biffy Clyro de 2009 para trás) à troca de guitarras em cada faixa, o público respondeu com saltos e apoteóticos sing-a-longs, apesar da recepção menos calorosa aos temas do novo Ellipsis. Mas mesmo no disco mais recente a banda revela o seu lado mais destructivo, aquele que (provavelmente) preenche de tatuagens os troncos nus de Simon Neil e dos gémeos Johnston – “Herex” chegou a assustar numa secção de blastbeats aliada ao brilhante som que o concerto gozou do início ao fim.

Pautado pela intensidade pendular de faixas como “Modern Magic Formula” e “Black Chandelier” – esta muito entoada pela montra humana que preencheu o Coliseu – e a pop de “Re-Arrange”, entrou-se numa clara ascendente ponta final. “Mountains”, “In the Name of Wee Man”, “Flammable”, “That Golden Rule” e “Many of Horror” desbravaram então o caminho até um encore frio, atingindo nesta altura pontos máximos de luzes estroboscópicas e de movimentação do trio. “Machines” (com tanta faixa de pelo na venta em Puzzle…), “Animal Style” e “Stingin’ Belle” deixaram um amargo paladar depois de tanto riff saboroso.

Torna-se mais claro aos olhos quando testemunhados numa ocasião tão íntima – em comparação, claro, com os concertos dos escoceses em festivais. Os Biffy Clyro sabem o que fazem, não tivessem eles o suporte em palco de dois membros de Oceansize, mas escondem as suas afiadas garras ao público mais acessível. “WE ARE BIFFY FUCKING CLYRO”, repetiram no final. Às vezes a questão até fica a pairar no ar – serão ainda os mesmos? -, mas ao vivo, misturando a pop com o suor do rock de tirar a camisola, a resposta parece mais simples.

Texto: Nuno Bernardo
Fotografia: Rita Bernardo