Barreiro Rocks. O Barreiro é Rock e por lá se faz a festa!

Depois de celebrar os 15 anos com um documentário que contou a história do festival, procurando explicar parte do sentimento de pertença que o faz tão especial, para a 16ª edição a festa não podia ser feita por menos. Muito pelo contrário, por mais, bem mais. Esta edição do Barreiro Rocks contou com cinco dias de alegria, uma autêntica mostra do melhor rock nacional e ainda a curadoria de duas editoras: a Groovie Records e a Slovenly Recordings. A idade não pesa, o espírito mantém-se local e genuíno e o rock mantém-nos jovens, sedentos e motivados para uma nova maratona entre amigos, os velhos, os novos e as caras conhecidas de outras edições. Em comum, o gosto por uma boa malha electrizante que nos faz saltar, no chão ou por cima da multidão, balançar freneticamente e bater o pé energicamente.

Quinta, 1 de Dezembro

Faltando à chamada de 30 de Novembro, noite inaugural deste Barreiro Rocks dedicada aos músicos ilustradores e com uma veia mais exploratória e experimental do rock, a matiné do 1º de Dezembro na Escola Conde de Ferreira destinou-se à veia mais jovem e adolescente.

Contrastando com os escapes sonoros da véspera de Sad Puto, Bruxas/Cobras e Joaquim Albergaria + MMMOOONNNOOO, num ambate de mundos analógico e digital, esta tarde foi integralmente pautada pela forma mais crua e directa de se fazer música. Alguns dos concertos incluíram até artistas inscritos no Programa Jovens Músicos, qual academia de rock para jovens auto-didactas, impulsionada pela mesma Hey, Pachucho que organizada este festival.

E quem melhor do que uma banda improvisada, Os Cúmplices, para fazer as honras? Foi directamente do projecto Cumplicidades, do Programa Escolhas da Escola Conde de Ferreira, que uma turma de crianças se alinhou à frente da banda, composta pelo anfitrião Nick, por Marco (Arroz Com Feijão) e Mariana (Postcards From Wonderland), para interpretar hits do rock, do punk e do garage em letras adaptadas. “A escola é fixe” e músicas sobre higiene oral por cima de clássicos de The Strangeloves ou Ramones? Só podia resultar num dos momentos mais marcantes do festival.

 

Proclamados heróis da guitarra e dispostos a trazer a atitude hard rock dos anos 80 aos dias de hoje, foi através de um alinhamento mais focado nas sonoridades progressivas que os Skyard se apresentaram no Barreiro Rocks. De técnicas apuradas, deram um concerto diferente para os quem tem seguido na cidade-natal. Menos focados pela técnica e mais dispostos a atacar o rock bem disposto, os Arroz Com Feijão lembraram-nos de como é bom escrever canções fáceis para fazer mexer o pé. Em atitude foi o concerto da tarde que melhor se aproximou daquilo que nos ocorre quando pensamos em rock made in Barreiro.

A tarde prosseguiu com a massa continental de Pangeia, trio que se dedica à exploração de melodias extensivas com multi-efeitos, com o hiphop despreocupado de Luis D’Alva Teixeira como Genes e a vibe descontraída do rock de Alex Chinaskee & Os Camponeses. Não houve mais Barreiro Rocks naquele feriado, mas a pura festa estava a 24 horas de distância.

 

Sexta, 2 de Dezembro

E ao terceiro dia de Barreiro Rocks é que o ginásio/pavilhão do Grupo Desportivo dos Ferroviários funcionou em pleno, com o enorme cenário ilustrativo montado em fundo de palco e com discos à venda nas laterais da sala. Reconhecendo as valências da casa, é com duas bandas do Barreiro que se arranca a noite de sexta-feira.

Conan Castro & The Moonshine Piñatas, nascidos em 2014 e já com um álbum a caminho, promoveram o seu auto-intitulado vomit-mexican-american-garage-punk-rock. Querem eles dizer que fazem isto e aquilo de rock pela fronteira latino-americana. Um encontro entre a atitude séria de rock de boa onda e dançável e as tormentas dos riffs mais rápidos a invocar pesadelos. Não foi por acaso que surgiu um Freddy Krueger em palco e não deixámos de sorrir.

The Brooms jogam noutro campo do hipnotismo. A veia psicadélica destes barreirenses é impulsionada pelo teclado vibrante, aliados à magia da guitarra distorcida. O fuzz não teve problemas em sobressair e assumir grande parte do ruído do pavilhão e as luas desenharam-se ao fundo da sala. Quem disse que o Halloween não pode ser também quando o Homem quiser?

 

Tal como as duas bandas anteriores, também os The Sunflowers repetiram a presença de 2015 e foram promovidos ao palco maior do festival. Com alguma responsabilidade acrescida, claro, depois do estrondoso concerto dado um ano antes no bar, no denominado palco #partyfiesta. Agora já com álbum editado, The Intergalactic Guide To Find The Red Cowboy, as letras estão ainda mais na ponta da língua da audiência que não aguardou para se mexer com alguma violência – “The Witch” e “Charlie Don’t Surf” mais uma vez a pautarem mais movimento. A resposta em palco foi em ritmo ascendente e culminou com um falo insuflável a sobrevoar o público antes de se jogarem a uma versão de “I Wanna Be Your Dog”, com Carlos e Carol a trocarem de posto e a segunda a destruir uma guitarra em palco. Rock.

Com menos tensão no nervo e com uma abordagem mais descontraída, os franceses Les Synapses marcaram o primeiro concerto com da curadoria Groovie Records. De Le Havre trouxeram a experiência dos contornos psicadélicos e camisas coloridas, combatendo os clichés do revival psicadélico que se instalou um pouco pelo mundo esta década. Autênticos e bem dispostos, colocaram vários sorrisos na plateia com facilidade.

 

A um ritmo alucinante os igualmente franceses Les Grys Grys propuseram-se a bater recordes. A velocidade da música aumentou substancialmente e Manu, um dos membros, mostrou-se incansável a percorrer o palco e até alguma área fora dele com a sua harmónica. A provocar gradualmente o caos na frente de palco e a dar um recital de garage rock caloroso, o concerto termina de forma abrupta, sem que déssemos que já tinha terminado. Uma trip para mais tarde contar.

Nada contra esse fim repentino se ao palco #partyfiesta nos levava para Rolando Bruno Y Su Orquestra Midi. Qual destemido e pequeno astro argentino, que trocou de roupa e encheu-se de brilhantina antes de pegar na sua guitarra. O que se seguiu foi uma festa global de trash cumbia que não se aprende nos livros de banda desenhada. One-man-band de guitarra, efeitos e backtracks de computador, Rolando Bruno assumiu-se como uma das figuras inolvidáveis deste Barreiro Rocks – pela ginga e pelo híbrido baile tropico-latino-oriental que proporcionou. Já eram cinco da manhã e só queríamos ouvir mais malhas como “El Brujito Ramón” ou “Mi Cholita”. Prova maior de que nem todos os super-heróis usam capa.

 

Sábado, 3 de Dezembro

Ao quarto dia do festival, a chuva parecia não querer dar tréguas, pelo que o programa da tarde, a ter lugar na Escola Conde Ferreira, foi cancelado devido a inundações na cidade. Um começo um pouco atribulado, mas que não fez esmorecer.

No Pavilhão do Grupo Desportivo dos Ferroviários, os The Japanese Girl foram repescados do alinhamento da matiné no palco da Escola e iniciaram a noite, marcada pela curadoria da Slovenly Recordings, que se estenderia madrugada adentro.

Contudo, quando chegámos, eram os 800 Gondomar quem fazia mexer o público que ocupava o espaço do ginásio. Longe de ser estreante no Barreiro Rocks, a banda Rio Tinto foi nesta edição promovida ao palco principal e rapidamente contagiou a sala com a sua energia e descontração. Tal como da primeira vez que os vimos, no pátio da Escola Conde Ferreira, em 2015, dedicaram “Cabeçudo” ao anfitrião Nick Suave, e tocaram ainda várias malhas de riffs irrequietos dos dois EPs que lançaram. E como só se vive uma vez e o “yolo” está muito batido, os rapazes terminaram o concerto com um repto de inspiração latina. “Solo Se Vive Una Vez”, de Azucar Moreno, poeirento tema que mora nas colectâneas de Caribe Mix de fundo da prateleira, ganhou uma nova roupagem bem mais interessante e punk rock.

Também Crooner Vieira, o mestre de cerimónia que é parte da alma deste festival, tomou o palco #partyfiesta para interpretar o seu repertório de míticas e grandes canções. Sempre muito acarinhado pelo público, teve “casa cheia”, tanto que foi impossível avistar a figura de boina castanha no centro da sala, mas ainda assim, não deixámos de acompanhá-lo nas cantigas.

 

De seguida, os madrilenos Biznaga, que recentemente assinaram pela Slovenly Recordings, assaltaram o palco do ginásio com uma actuação potente, ritmada e festiva, que motivou desde cedo o mosh e não deixou ninguém indiferente às cativantes guitarras e às ríspidas letras proferidas em castelhano, do qual é exemplo “Máquinas Blandas”.

Vindos directamente da Grécia, desde 2008 que os Bazooka têm vindo a incendiar multidões com o seu punk rock explosivo e psicadélico, com uma intensidade crescente. O que vimos no Barreiro foi, portanto uma espécie de catarse, com dois elementos de percussão possantes e um conjunto pungente de voz, guitarra, baixo e teclas, numa propensão desenfreada e muito agradável ao ouvido. O mosh ia-se intensificando e empurrando as grades na frente do palco, sendo que o fervoroso concerto terminou com com o vocalista e guitarrista lavado em suor e deitado sobre o palco.

 

“If you don’t come to us, we’ll come to you” (se não vêm até nós, nós vamos até vós). Para os enormes holandeses dos The Anomalys, enormes em altura, mas musicalmente também, as colunas, as grades que criavam o fosso entre o público e o palco ou mesmo os espaldares das paredes do ginásio eram mínimos obstáculos, sendo que, por várias vezes, não se contiveram a descer habilmente para junto do público, como quem desce degraus num vão de escada. Com dez anos de estrada e de experiência de concertos primitivos e indomesticados, contemplavam com agrado o selvagem mosh que respondia ao ímpeto das suas guitarras e não se coibiram mesmo de, passo a expressão, fazer uma perninha no meio do público uma vez ou outra, sem que isso abalasse de alguma forma os galopantes riffs das suas músicas. Como se isso não bastasse, ficámos também rendidos à potência desmesurada e inacreditável da bateria. A juntar a este mix, a participação especial de um dos membros dos Les Grys Grys, que haviam actuado no dia anterior, na harmónica, numa autêntica disputa entre o convidado e o vocalista, piscando o olho ao blues. O verdadeiro rock de sangue, suor e lágrimas revirou o pavilhão dos Ferroviários do avesso e foi mesmo o concerto mais marcante da noite.

 

Parte activa no arremesso de grades decorrente durante os três concertos anteriores, os italianos The Dirtiest subiram então ao palco, já depois das três da manhã (o tempo voa quando nos divertimos!), para o último concerto no palco do ginásio. O que é certo é que, depois da tempestade vinda de Amesterdão, a exaustão que se abateu sobre nós – e, pelo que vimos, pelos restantes que foram abandonando o espaço -, não fez justiça ao contagiante e dançável garage rock destes toscanos, que lançaram recentemente Alarm pela Slovenly Recordings. Ainda assim, o espaço do ginásio virou pista de dança, onde o twist se misturou com os abanões despreocupados ao ritmo da música. The Dirtiest ou the Drunkest, o que é certo é que, apesar de algumas hilariantes gargalhadas ébrias pelo meio, o concerto foi intenso e competente até ao final, altura em que o guitarrista “voou” sobre a bateria e “arrumou” o palco, fechando a noite naquele espaço.

Rumando de novo ao bar, onde estava instalado o palco #partyfiesta – um “palco” que coloca frente a frente artistas e público, a expectativa estava em alta para a estreia no Barreiro Rocks de The Twist Connection, o novo projecto de Kaló, homem dos Tédio Boys e dos Bunnyranch. Mais uma vez, foi-nos impossível ver o que fosse em tal espaço à pinha, além dos que voavam por cima da multidão, mas a sonoridade, o “rock de Coimbra” que tanto bebe aos blues, com a já familiar voz não ficou indiferente.

 

Domingo, 4 de Dezembro

Ao Domingo, dia de descanso (só que não), a festa foi feita, como planeado, na Escola Conde Ferreira. O ambiente no pátio da escola, à entrada da sala de aula transformada em palco, era inicialmente mais lento e pachorrento, dado a preenchida noite anterior. O alinhamento contou com a prata da casa, dos Monkey Cage aos The Jack Shits, não esquecendo Nicotine’s Orchestra e mesmo os “adoptados” Panado.

E foi com os primeiros que começámos a tarde. Após a chamada, e a entrada na sala de aula, começou a lição de rock. Além de serem da casa, vê-se que os Monkey Cage não são novatos nas andanças. Tocam rock despretensioso, que vai beber muito aos meandros do garage e do alternativo e afastaram a dormência e o cansaço do dia anterior.

Nicotine’s Orchestra, como banda que toca realmente em casa, sacrificou um pouco o seu lote de tempo para que tudo decorresse a tempo e horas e com uma surpresa pelo meio (mas já lá vamos!). A apresentar o mais recente I Speak Rock n’ Roll, fez uma actuação relâmpago, sempre a rasgar, com cerca de quatro temas, os novos e os já mais conhecidos como “Open Water”, perante uma sala cheia de amigos.

Os Panado, o trio com possivelmente um dos melhores nomes de banda, não vêm de muito longe, mas sentem-se adoptados pelo Barreiro, dado que foi no Estúdio King que assentaram arraiais para a gravação do que será o primeiro registo. Chamam “rock felino” ao garage rock acelerado e dançável e o que sabemos é que com malhas contagiantes como “Charopes” vamos esperar para saber mais do futuro destes moços.

 

Já havíamos visto The Jack Shits, portanto já sabíamos a loucura e selvajaria que iria agora tomar lugar na sala de aula. O móvel datado à direita serviria mais tarde como parede de escalada assim como as colunas serviriam de assento.  Com Nick Nicotine na bateria (um Jack) e outros dois Jacks (Diogo Augusto e Samuel Silva) irrequietos nas guitarras, a adrenalina era muita e “Gloria”, deixada para o final, foi cantada a plenos pulmões, com e sem microfones. E porque já havia demasiado rock no Barreiro Rocks (Han? Isso existe?), os Bro-X invadiram o palco para uma surpresa um tanto destrutiva. Os três MCs decidiram viajar do Xangai, leia-se Baixa da Banheira, para o Barreiro para interromper porque estavam “fartos de tanta guitarra”. Mas o público não estava claramente farto da loucura. Foi hora então de passar uns beats e vibrar com “Bum Bonba” até porque a sala foi transformada numa “FeXtAh pRIVaDaH D BrO-X”.

 

Regressámos então a casa felizes, cansados e exaustos. Aquele cansaço bom. O Barreiro Rocks já ganhou lugar no coração pelos concertos inesquecíveis e este ano fizemos novas memórias para guardar. Até para o ano!

Texto: Rita Bernardo e Nuno Bernardo
Fotografia: Nuno Bernardo