Resurrection Fest. Um festival que deixou de ser grande para ser enorme

Grande. Esta é a palavra mais indicada para descrever, sucintamente, a edição de 2016 do Resurrection Fest. Um festival que tem vindo a crescer consistentemente de ano para ano, cimentando-se como “o” festival de música extrema na Península Ibérica e como um dos destinos a visitar para qualquer fã europeu do género. Não foi, por isso, surpresa que a edição deste ano se tenha apresentado grande em todos os seus aspectos possíveis: com um grande recinto, uma grande afluência (chegando mesmo a esgotar completamente a capacidade do festival) e um cartaz que se revela como sendo não apenas grande, mas enorme, tanto em quantidade como em qualidade e diversidade das bandas presentes no cartaz. Porém, conseguiram os muitos concertos ao longo dos três dias acompanhar este esforço pelo crescimento do festival? A resposta segue abaixo.

Dia 1 – 7 de Julho

Foi com um primeiro dia dedicado maioritariamente às novas sonoridades do hardcore que se iniciaram as festividades em Viveiro. E foi desde logo com estas mesmas sonoridades que se apresentou o primeiro grande destaque do dia: os americanos Norma Jean. A sua abordagem que mistura as influências da velha e da nova guarda do hardcore foi o verdadeiro pontapé de saída para despertar a energia do público para o resto do festival. Mas desde logo o festival queria-se diverso, por isso foram seguidamente os sons zen e progressivos dos Tesseract que se apresentaram, desta feita no palco principal. Com um concerto bastante bem conseguido, os britânicos despertar a atenção do público, levando todos numa viagem intensa durante os 45 minutos da sua actuação.

Porém, nesta altura o público pedia mais energia, por isso a sequência Stick to Your Guns, While She Sleeps e The Casualties assumiu-se como o melhor remédio para este pedido. Foram três concertos, nos seus respectivos géneros, bastante directos e bem conseguidos, com destaque para os momentos de “Death Toll” e “Four Walls” em While She Sleeps e “We Are All We Have” em The Casualties, que causaram verdadeiras apoteoses no público. Posto isto, era agora altura de assistir aos já clássicos Bad Religion. A banda americana já há muito que não tem nada a provar, tendo por isso surgido muito igual a si própria, num concerto não muito diferente do que deram na edição de 2014 do festival. Algo desfasados do dia em que estavam inseridos, os Rotting Christ que se seguiam acabaram por surpreender e conseguir agarrar o público presente, tendo o seu Black/Gothic Metal impressionado a maioria presente, isto apesar de não terem sido tocados alguns dos seus temas mais notórios, como “King of A Stellar War” ou “Sorrowful Farewell”.

Com isto, chegara agora a altura de assistir uma das bandas mais antecipadas nesta edição do festival, os Bring Me The Horizon. Liderados por um Oli Sykes sempre bastante energético, foi com um backdrop repleto de luz e cor que a banda levou os presentes ao rubro. A setlist consistiu em temas retirados dos dois últimos álbuns da banda, tendo sido algo desapontante não podermos ouvirmos algumas músicas mais antigas da banda, isto apesar dos pedidos de alguns fãs. Ainda assim, este foi um concerto bastante intenso, e foi claramente um dos destaques do festival. Posto isto, era altura agora de nos deslocarmos ao Chaos Stage para presenciar a brutalidade sinfónica dos Fleshgod Apocalypse. E o que vimos foi, infelizmente, uma das maiores decepções do festival, já que este concerto foi inundado por uma resma de problemas ao nível do som que se tornaram demasiado numerosos para serem ignorados e que só conseguiram ser resolvidos já perto do fim do espectáculo. Uma pena, já que o concerto prometia ser também um dos pontos altos da noite.

Com isto, chegava a hora de assistirmos aos cada vez mais populares Volbeat. E se, indubitavelmente, este cabeça-de-cartaz parecia ser o mais “pequeno” dos três, a verdade é que o seu concerto conseguiu prender os milhares de pessoas que o assistiam. A sua mistura de influências Hard Rock e Pós-Grunge com os ritmos mais acelerados do Thrash Metal resultou na perfeição e era mesmo aquilo que o público pedia. Por fim, altura ainda de verificar o Grindcore dos mexicanos Brujeria. E, mesmo já não tendo o seu fundador Dino Cazares nas suas fileiras, deram um concerto extremamente competente, pese embora as melodias vocais soarem por vezes algo estranhas ao público presente (por incrível que possa parecer, já que a sua maioria é cantada em espanhol), e terminaram assim os grandes destaques do primeiro dia do festival.

Resurrection Fest 2

Dia 2 – 8 de Julho

O segundo dia da Resurrection 2016 afigurava-se como o mais progressivo e diverso dos três. Folk Metal, Punk, Melodic Death Metal, Doom Metal – uma panóplia de géneros distribuídos pelos três palcos do festival e que previam que a festa fosse garantida. E ela começou com os Being As An Ocean, banda que passou recentemente por Portugal. O Hardcore melódico dos americanos conseguiu cativar desde logo o público, muito por culpa da enorme postura em palco da banda, sempre interagindo com o público das mais diversas formas. De seguida, e como o dia se queria diverso, estava na altura de assistir ao concerto dos Protest the Hero no palco principal. E, se há palavra capaz de definir a música dos canadianos, essa mesmo é “diversa”. Inúmeras influências, estruturas não-convencionais, transições abruptas e um pouco de humor à mistura: todo um conjunto de ingredientes que pregou o público presente durante os quarenta e cinco minutos de actuação da banda. De seguida, Rise of the Northstar e Hatebreed, bandas que pertencem ao mesmo género e que acabaram por dar ambas concertos sem grandes surpresas, tendo ambos resultado muito bem com o público presente.

Posto isto, era agora altura de actuarem os Sinistro, banda portuguesa que surgiu no cartaz por substituição de Amenra. E se a decisão parecia inicialmente óbvia, os ritmos lentos característicos da banda acabaram por “cortar” um pouco a energia que se vinha sentindo no festival. Mas se o concerto de Sinistro não foi um dos melhores do festival, já os Gojira assumiram-se como um dos maiores destaques do mesmo. Apresentando Magma, o seu recentíssimo álbum, a parede de som que esta banda simboliza estava bem afinada e deixou o público em delírio absoluto, o que fez com que se multiplicassem os moshpits entre o mesmo. E talvez por Gojira ter sido um destaque tão marcante que Dark Tranquility, a banda que se lhes seguiu, tenha soado algo… morna. Não que tenha havido algo problema específico com a prestação da banda, mas o seu Melodic Death Metal bastante sintetizado não pareceu ser suficiente para manter as energias em alta para o headliner do segundo dia: os The Offspring.

Curiosamente, este foi um concerto que começou bastante morno também. As primeiras músicas tocadas, mais recentes, não conseguiram de todo evocar a reacção esperada a uma banda com tantos anos de história. Porém, quando clássicos como “Bad Habit”, “Pretty Fly” ou “Come Out and Play” soaram pelas colunas do Main Stage, e foi com vigorosos saltos, braços no ar e moshpits constantes que o público respondeu. No geral, este foi um concerto bastante positivo por parte da banda, tendo apenas sofrido um pouco por um pacing algo irregular, do que é exemplo o seu início mais morno. Porém, já o mesmo não se pode dizer dos Madball, banda que partilha uma já longa história com o festival. Sempre intensos e a apelar à união entre a velha e nova guarda do hardcore (algo que se vê pouco hoje em dia), a banda conseguiu apelar às restantes energias dos fãs. De resto, esse foi um trabalho que tanto Turisas e Abaixo Cu Sistema executaram na perfeição. Os primeiros, com o seu Folk sempre divertido, fizeram com que ninguém conseguisse deixar de dançar, tendo o concerto o seu ponto alto no maior single da banda, “Stand Up and Fight”. Já os Abaixo Cu Sistema fizeram muitos dos presentes reviver o seu período de adolescência ao som de clássicos de System Of A Down tocados de forma irrepreensível. Foi, por isso, ao som de “Chop Suey”, “Suite-Pee” e “Aerials” que se fechou assim o segundo dia do festival.

Resurrection Fest 3

Dia 3 – 9 de Julho

E por entre dezenas de concertos chegava finalmente o último dia do Resurrection Fest 2016. Este seria um dia claramente mais dedicado às sonoridades mais clássicas e intemporais do Metal, tendo como exponente máximo os gigantes britânicos Iron Maiden. Mas já lá vamos, até porque entretanto haveria muitos concertos para ver. E foi, desde logo, com uma das clássicas bandas do Thrash teutónico que se iniciou o dia, com Destruction a fazer as cabeças abanar no Main Stage. E, apesar dos últimos álbuns da banda não terem sido muito bem recebidos pelo público, a verdade é que os clássicos dos alemães suprimem facilmente essa lacuna ao vivo, gerando um grande movimento nos já muitos que assistiam ao concerto. Posto isto, os noruegueses Shining apareciam agora no Ritual Stage. E se o seu Blackjazz não parecia de início trazer muitos fãs, a verdade é que a multidão acabou por se deixar levar por toda a estranheza do som da banda, ao ponto de se gerar neste concerto o moshpit que foi, de longe, o mais estranho do festival. Já no palco principal, referência aos Bullet For My Valentine. A banda gaulesa apresentou-se em bom plano, com destaques óbvios para os temas retirados dos seus álbuns The Poison e Scream Aim Fire. Municipal Waste, que se seguiam, pareciam não perder tempo em querer movimento no Ritual Stage, o que aconteceu prontamente. Os temas de The Art of Partying foram, obviamente, o destaque, mas este assumiu-se como um concerto sempre bastante energético. Destaque ainda para o backdrop usado, mostrando claramente a opinião da banda relativamente ao candidato à presidência dos EUA, Donald Trump. Seguidamente, os Enslaved apareciam no palco Chaos, mas este foi um slot algo ingrato para a banda, pois na verdade todas as atenções já se viravam para o palco principal, onde se findavam os preparativos para o grande cabeça-de-cartaz do festival: os Iron Maiden.

Apresentando The Book of Souls, o seu mais recente álbum lançado no passado ano, a banda apresentou-se num palco bastante elaborado, com várias plataformas e decorações alusivos ao seu último lançamento. Como seria de esperar, as novas músicas dominaram a setlist (talvez até um pouco em demasia), no que de resto se afigurou como um desfile de clássicos que todos os presentes sabiam de cor. “Fear of the Dark”, “The Number of the Beast” ou “Powerslave”: todas músicas que todas as cerca de 20 mil pessoas que ali estavam reconheciam e com as quais vibraram. Aliás, as duas horas de concerto souberam até a pouco, já que “Aces High”, “2 Minutes to Midnight”, “Somewhere in Time” ou até mesmo “Run to the Hills” acabaram por não marcar presença na setlist. Porém, isso era expectável que acontecesse, os mais de 30 anos da banda deram à luz a demasiados clássicos para um tempo tão “curto”. E por falar em idade, destaque ainda para o vigor da banda: toda a banda produz um espectáculo electrizante, interagindo com o cenário, correndo e saltando de forma constante. Por isto tudo, este foi um dos melhores concertos do festival, e algo que pode ser difícil de “superar” nas edições vindouras do festival.

Depois de terminado o concerto de Iron Maiden, restavam-nos ainda verificar algumas bandas com influências bastante distintas. Os Uncle Acid and The Deadbeats asseguraram-se como uma boa forma de repousar um pouco depois de uma série grande de concertos. Já o mítico Abbath “gelou” a noite do Resurrection Fest de forma arrebatadora com músicas do seu último álbum, ao que se juntaram alguns clássicos das suas criações I e Immortal (só ficando por explicar a sua saída repentina do palco). Já Graveyard suavizaram com extrema competência o ambiente para os Nashville Pussy celebrarem o verdadeiro espírito do Rock n’ Roll na sua forma mais primal e original.

Assim conseguimos descrever um pouco do que se passou neste Resurrection Fest 2016. Infelizmente, é-nos impossível, até pela organização do cartaz, assistir a todas as bandas que passam pelos três palcos do festival. Porém, uma coisa é clara: o Resurrection Fest está numa tendência de claro crescimento e assume-se cada vez mais como um dos maiores festivais de música pesada na Europa. Esperamos, por isso, que esta tendência seja uma para manter.

Texto: João Vinagre
Fotografia: Resurrection Fest

Resurrection Fest 1