A 10ª edição do festival NOS Alive decorreu nos dias 7, 8 e 9 de Julho de 2016 e levou ao habitual Passeio Marítimo de Algés alguns dos maiores nomes da música da actualidade.
Segundo dados da promotora do evento, a Everything Is New, os três dias tiveram esgotados com 55 mil pessoas, tendo recebido cerca de 88 nacionalidades diferentes, num total de 165 mil bilhetes vendidos, cerca de 30 mil a estrangeiros, com destaque para os britânicos.
A chuva e a trovoada que antecederam a abertura de portas foram insuficientes para afastar os visitantes do festival que se anuncia como tendo “o melhor cartaz. Sempre!”. Já nos dias sucessivos, e reforçando o agradável carácter veranil dos festivais portugueses, a público desfrutou de três dias de calor abrasador, sendo notória a escolha nos trajes (ou na falta deles).
Dia 1 – 7 de Julho
Os primeiros sons foram dados no pórtico NOS Alive pelos Seattle, à medida que os visitantes chegavam ao recinto e corriam em direcção aos desejados chapéus brancos e fitas coloridas.
Depois da abertura do Palco NOS Clubbing com Nudozurdo, chega a vez de Xinobi dominar o terreno, atraindo grande parte das pessoas que pelas 18h00 já se encontrava no recinto. Totalmente diferente do formato habitual de DJ set, levou consigo companheiros de cordas e duas vozes femininas, confessando-nos que “estar entre amigos” e “com uma guitarra nas mãos” o deixam mais seguro e divertido, ao mesmo tempo que retiram a monotonia de um espectáculo a solo, com os discos.
Entretanto, se raparigas adolescentes haviam no recinto, concentraram-se em The 1975, elevando cartazes em busca do doce “Chocolate” da banda rock alternativa de Manchester, que inaugurou o Palco NOS. Ainda o Sol ia alto e era possível encontrar pessoas a refugiarem-se na sombra do Palco Heineken para escutarem as músicas calmas de The Happy Mess, enquanto desfrutavam de momentos de descanso entre amigos. O já conhecido “Morning Sun” e o novo tema, “The Invisible Boy”, inspiraram o público para o resto do dia.
O mais discreto Raw Coreto by G-Star Raw recebeu os Ganso e rodeou-se de um público jovem, apreciador da música portuguesa destes jovens, aproximando a sua colocação musical e pouca letra ao estilo dos Capitão Fausto. Mais tarde no mesmo palco, foi a vez de Alex D’Alva Teixeira surgir num formato DJ Set, para o qual convidou Ben Monteiro e Carolina, seus “migz” e habituais parceiros de banda.
Biffy Clyro foram a segunda banda a actuar no palco principal e a acordar o bichinho do rock de quem ainda estava adormecido. Pela terceira vez neste festival, escapa-lhes a sorte horária para quem o rock começa mais tarde. Pelo contrário e segundo o panorama electrónico, quase madrugador, batiam as 21h quando Branko elevou o seu show a uma dimensão cinemática, como a apelidou, transportando a assistência ao ritmo das suas batidas, recorrendo a projecções das suas viagens enquanto gravava o seu disco Atlas. Afirmou-o como “uma experiência única”, elaborada propositadamente para o evento. Uma semana após a tão comentada pausa dos Buraka Som Sistema, mostrou-se tranquilo sobre o futuro e recomendou-nos a escutar “música estranha”, abrindo a pista para uma noite de dança no Palco NOS Clubbing, que se seguiu com SG Lewis, Junior Boys e Throes + The Shine. Em entrevista, a dupla canadiana de electropop Junior Boys, autores de Over It, referiu-nos que o artista com que mais gostariam de tocar seria o DJ Tiesto mas que eram capazes de fazer um bom trabalho ao lado de Robert Plant, que actuara na mesma noite com os êxitos dos Led Zeppelin, com casa cheia.
Os britânicos The Chemical Brothers encerraram o Palco NOS neste primeiro dia com mais de duas horas de música electrónica e bolas coloridas pelo ar, que fatigaram não só as pernas ao ritmo de dança dos seus hits como “Hey Girl, Hey Boy” ou “Go”, mas também os ouvidos de alguns presentes que, aos poucos, começavam a abandonar o recinto.
Cansados ou não, foi com Throes + The Shine que os resistentes terminaram a noite, num concerto que começou pelas 02h40 e só deixou parado quem por lá não passou. Com sentimento de valorização, confirmaram-nos o agrado pela hora e palco atribuídos para mostrarem os êxitos do seu último álbum, Wanga. Provavelmente, um dos melhores concertos do primeiro dia – e a banda preferida do Xinobi ao vivo. Só quem não conhecia estes meninos poderia esperar menos do que o mosh que se instalou em “Batida” e a festa da última música, com Diron no meio da multidão.
Dia 2 – 8 de Julho
A abrir o Raw Coreto by G-Star Raw no segundo dia estiveram os portugueses Lotus Fever, em apresentação do seu projecto, no “encerrar de um ciclo”, enquanto se preparam para lançar o segundo álbum.
O Sol veio para ficar e nem os borrifos de água fresca oferecidos faziam resistir à camisa agarrada ao corpo. A boa disposição permitiu ao público de Years and Years, na sua maioria português e de uma faixa etária jovem, iniciar a tarde aos ritmos dançantes com os seus hits de dança “Desire”, “Take Shelter”, “Shine” e o seu maior sucesso, “King”.
Quem a esta hora não estava fixado no palco principal, foi certamente cativado para um ambiente mais internacional, no Palco Heineken onde se escutavam ritmos mais alternativos por Jagwar Ma, num estilo mais alternativo e pujante . O ponto alto deste concerto, como expectável, foi ao toque de “Come Save Me”, onde toda a plateia insistiu em dançar.
Se de guitarras já se fazia o dia, chegada era a vez de uma das mais energéticas vozes marcar a sua posição. A aguardada artista de Melbourne, Courtney Barnett, em apresentação do seu álbum de 2015 Sometimes I Sit and Think, And Sometimes I Just Sit permitiu a formação de um mosh brutal em “Pedestrian At best” demonstrando o fanatismo do público português pelo rock feminino. Crowdsurfing, saltos e chapéus a voar deixaram os presentes sem ar, restando apenas espaço para “Avant Gardener” e uma desejada confirmação de qualidade.
Ao mesmo tempo mas no palco principal, eram os Foals a dividir as atenções. Presentes neste festival em 2011 parecem manter uma legião de fãs por esta nação – talvez a mesma, mas mais crescida. Em apresentação do seu último álbum What Went Down com “Mountain At My Gates”, os ingleses adaptaram-se bem às necessidades lisboetas, deixando espaço para uma navegação heterogénea com uma passagem pelo seu passado em “My Number” e “Spanish Sahara”. A explosão sonora acabaria por chegar com “Inhaler” já perto do final, antes da faixa-título do recente que em Algés apresentaram.
Com um provável menor impacto, mas igual mérito, esteve a música portuguesa nos palcos secundários. Numa altura em que os sons do hip hop está na mó de cima, Sam The Kid & Mundo Segundo foram anfitriões no NOS Clubbing e Carlão apresentou o seu trabalho a solo no Palco Heineken.
Restabelecidas as forças numa qualquer ingestão líquida e a marcha seguia em direcção a Tame Impala. Com o palco já aquecido e o sol ainda a pousar, ficou comprometido o jogo de luzes no início do espectáculo. Trazendo à memória o concerto ainda fresco do ano passado, em Paredes de Coura, dividiram opiniões, prevalecendo o lado positivo da sua música, muitos veranil, aconchegando a cada batida os sonhos e as ilusões de quem os escutava. Pela música ou pelo calor, este concerto ganhou um carácter próprio, ao desinibir os espectadores que surgiam nos ecrãs principais do palco e rapidamente retiravam a sua roupa, num gesto de rebeldia incentivado pelos cantores num tom maroto em “Portugal, Portugal…”. Mas como os moços referem, “Let It Happen”. Um concerto onde se deu tudo no tempo em que se tocou, mas mais se podia ter dado se se prolongasse. Uma rápida passagem pela sua história, tocaram “Elephant”, “The Less I Know, The Better” e “Feels Like We Only Go Backwards”. Para o desagrado de muitos, ficou por escutar “Eventually”, do mais recente Currents.
Apresentando-se como o gentleman desta geração, conquistando seguidores por onde passa, com a sua elegância, charme e sensualidade por detrás de um blazer escuro e camisa branca, com uma face de lamento e olhar carente, gerando um sentimento de desejo em tocar-lhe, como sucedeu quando subiu às grades do público – eis Father John Misty. Os comentários durante a actuação demonstram a vontade inacabável de o observar – pede-se mais em menos: mais actuações em Portugal, num espaço mais pequeno e dedicado exclusivamente a si. Elevado ao esplendor dos anos 70, este cantor de indie-country-retro, o que quer que ele seja, reinventa nas suas faixas as expressões de amor-ódio às relações, ao mundo, à religião e à (sua) nação, quais Estados Unidos, abrindo uma pista de slows com canções significativas a quem lhes dedicar mais atenção.
Radiohead, uma das bandas mais esperadas desta edição do festival NOS Alive, parece ter deixado rendidos os fãs que se aproximaram do palco principal para os escutar. Pelas suas canções de embalar do novo A Moon Shaped Pool, como referidas por alguns dos espectadores, ou devido ao carácter repetitivo neste festival – onde marcaram presença em 2012 – apenas um segundo encore com “Creep” e “Karma Police”, pode ter salvo a actuação a uma certa fatia. Já outros afirmam que estas duas músicas seriam facilmente dispensáveis para completar uma actuação digna daquela banda. Além disto, e ao contrário do que era esperado, este não foi o concerto mais lotado, tendo o recinto do palco principal ficado preenchido com outras bandas como Tame Impala, no mesmo dia, ou Arcade Fire, no dia seguinte. No alinhamento de Radiohead desfilaram, no entanto, faixas quase todos os discos. Só Amnesiac ficou de fora, e até “Talk Show Host” foi lembrada, animando as gentes que com entusiasmo receberam “My Iron Lung”, “2 + 2 = 5”, “Exit Music (For A Film)”, “Street Spirit (Fade Out)”, “Paranoid Android”, “There There” ou “Reckoner”. Uma refeição completa para os fãs.
Depois de uma sessão de um tanto ou quanto patrocinadora da depressão, ainda que catártica, seguiu-se a festa com Two Door Cinema Club a lotarem o Palco Heineken que, não só neste concerto, ultrapassou a sua capacidade, deixando muitas dezenas de pessoas a assistir ao concerto da parte de fora da tenda ao espectáculo de uma das bandas que teve já lugar marcado no palco principal deste festival. O seu novo single “Are We ready” e os sucessos de Tourist History, disco já com seis anos, marcaram a actuação, atingindo o seu auge em “I Can Talk”.
De outro lado surgia Da Chick, a “garota poderosa”, cuja atitude é capaz de enfrentar até a maior fera – se existir alguma que a supere. Com a sua banda a 100%, como nos referiu, subiu ao Palco NOS Clubbing para um combate onde todos ganham mas em que ela, Teresa, sai coroada. Em fato de kickboxing, é a garra e espontaneidade que caracterizam as actuações da uma riqueza musical a que já nos viemos a habituar no clã Discotexas. Ainda assim, por desporto só mesmo a música e foi de instrumentos e dos seus “Boys” que se rodeou, acompanhando o calor o festival no seu groove e funk alucinado. A encerrar a sua actuação, a puxar a brasa claramente ao feminismo que representa, presenteou-nos com uma versão de “I’m Every Women”, de Whitney Houston.
Dia 3 – 9 de Julho
Them Flying Monkeys chegaram de Sintra e foram a banda de arranque do Palco Heineken, no terceiro dia, patrocinando um fim de tarde abrigado do Sol. Também no final desta tarde, no concerto de Agir encontravam-se adolescentes, portuguesas na sua maioria, a vibrarem ao som de cada palavra, acompanhando o artista nas suas declamações. Solicitando ajuda para a entoação de “Mountains”, a música que partilha com Carolina Deslandes, foi geral a entoação. O momento particular deste concerto remeteu à honra da nação, quando acompanhado de guitarra portuguesa cantou “Meu Fado Meu”, da autoria de seu pai, Paulo de Carvalho, para a fadista Mariza.
Não só de calor se viveu este Alive – nem o tapete de relva sintética foi capaz de afastar as habituais chuvas de areia que, durante este último dia, causaram algum desconforto nos festivaleiros. Para remediar, só mesmo desfrutando de boa música. Isaura foi, possivelmente, a artista mais surpreendente e surpreendida, ao lotar o Palco NOS Clubbing às 19h10 de um sábado escaldante. Encantando quem por lá circulava àquela hora (e pela enchente, apostaríamos que o restante recinto estivesse mais circulável), repare-se que a jovem de Gouveia, em plena ascensão desde o ano passado, mantém a humildade no sorriso tímido e no olhar emocionado. Tal acontece mesmo ao observar centenas de pessoas de vários estilos e nacionalidades a entoar as suas músicas, como foi o caso de um acapella de “Change It”, o seu single de lançamento e que tanto já nos transmite. Se são as sensações que nos deixam “Alive”, este concerto foi a prova de que nada mais emotivo há na música se não o que ela provoca nas pessoas, o modo como as conecta, qualquer que seja a sua origem. Acompanhada pelos seus rapazes apresentou uma nova faixa, que partilha com Cut Slack, “Walking Away” e, no fim, deixou o público a dançar com as suas habituais versões “isaurianas” com “Where Are U Now”, de Justin Bieber, “Hotline Bling” de Drake, “Desire” de Years and Years e “Can’t Feel My Face”, de The Weeknd.
Simultaneamente actuavam Vetusta Morla, a banda dita “desconhecida” do palco principal. Desconhecida por nós, portugueses, mas admirada por nuestros hermanos, ou não fosse a concentração de espanhóis de que se juntou para ver a banda catalã de rock alternativo, ganhando a partir daí alguns seguidores portugueses.
José González lotou o Palco Heineken ao pôr-do-sol e o seu romantismo foi até palco para um pedido de casamento. Talvez por tantos desejarem escutar este cantor sueco de origem argentina, calhou a Francis Dale, que partilhou com Isaura uma digressão em 2015, não ter tido a mesma sorte que a sua congénere, contando apenas com metade dos espectadores, trazendo a calma à noite que descia sobre o Passeio Marítimo de Algés.
No palco maior do NOS Alive, os Band of Horses convidaram todos os presentes para uma “Casual Party”, do seu álbum deste ano Why Are You Ok, seguindo no entanto ao ritmo calmo, como continuidade da tarde. Só mais para o fim surgiram com The Funeral, arrancando algumas reacções mais efusivas do público. Este ano uma das novidades do festival foi o EDP Fado Café, que além de destacar a “portugalidade” musical do espaço entre vozes e fotografias, confirmou a sua pertinência ao preencher as sessões de slows e a lotar o espaço com Tiago Bettencourt neste último dia, como digestivo do jantar que, lamentavelmente, não chegou a todos.
PAUS, a banda portuguesa arrebatadora em palco com um estrondoso som de uma dupla de bateristas, um teclas e um cordas, continua a dar cartas após o lançamento do seu álbum Mitra. Ao apresentarem-no, esgotaram também a tenda do Palco Heineken. Isto sim foi um pontapé de saída para o que viria, Arcade Fire, os cabeças de cartaz que parecem ter reunido mais consenso no que se refere à sua actuação. Dois anos se passaram até o seu regresso a terras lusas e parece que continuam a deixar saudades. Com passagem pelos temas que marcam já a sua carreira, da estreia Funeral ao último Reflektor, um mar de gente saltava procurando levar consigo um pedaço daquela que parece ter sido a noite mais aclamada do festival. “Bravo!”, em diversos idiomas foi possível escutar elogios e letras mais ou menos toscas. A interacção com o público foi bastante apreciada, gerando um clima amistoso, de partilha e de catarse – bolhas de sabão e confettis sobrevoaram os céus. “Ready To Start” e “Reflektor”, esta última com destaque para o vocal de Régine Chassagne, parecem ter sido os temas mais aclamados.
A encerrar o Palco NOS estiveram os M83, o grupo francês de música electrónica responsável pelos hit “Midnight City” – reconhecido como banda sonora de anúncios televisivos e filmes – e também pelo recente “Do It, Try It”, de um não tão apreciado Junk lançado este ano. Tomaram o fecho do palco principal e transformaram o recinto numa pista de dança para jovens, distanciando-se cada vez mais da banda que nos deu Before The Dawn Heals Us.
Mais energia houvesse e tinha-se criado uma central eléctrica que daria para iluminar o planeta Terra. O público permaneceu firme mesmo após três dias de festival para um dos nomes mais esperados pelos apreciadores de música dream pop/electrónica, Grimes. A canadiana de 27 anos actuou pela primeira vez em Portugal e fê-lo num registo que, certamente, quem lá esteve não esquecerá. Quem já conhecia sabia o que esperar desta menina com voz aguda e tímida de desenho animado. Grimes embandeirou-se em tons arco-íris como referência LGBT, contrapondo-se à sua explosão vocal acompanhada da performance das suas dançarinas, gerando um género de “harlem shake” com centenas de pessoas, onde ao princípio parecia aoebas divagar no doce mundo ilusório pop dos ritmos dançantes numa noite de verão. A justificar a admiração pela artista, era incrível o modo como tantas centenas de pessoas entoavam as suas letras, não só em temas recentes como “Realiti” mas também – e onde se deu a maior explosão de alegria – em “Flesh without blood”, citando apenas temas do mais recente Art Angels.
Finalizado o festival, referimos que daqui a um ano, sensivelmente, haverá certamente mais e mais. A 11º edição tem já data marcada para 6, 7 e 8 de Julho de 2017. A esperar? “O melhor cartaz. Sempre!”.
Texto: Ana Margarida Dâmaso
Fotografia: NOS Alive