Numa rota de festivais tão extensa em Portugal, a tendência parece ser a de rumar a norte ou a grandes centros urbanos como é a capital. Dos que optam por rumar a sul, há uns que contornam a Zambujeira do Mar e rematam “Beja” como resposta, de forma corajosa. Essa relação só se começou a desenvolver há sete anos, mas tem um fado tão ou mais importante a nível sócio-cultural e, sobretudo, a nível musical. O Santa Maria Summer Fest, ou SMSF, surge no Baixo Alentejo para se impor e para dar aquilo que mais nenhum dá – um conforto singular de quem trata a música extrema por “tu” e uma cidade do interior para descobrir a preço reduzido. Este ano calha nos dias 9, 10 e 11 de Junho, e tem cartaz nomes tão variados como Rotting Christ, Allen Halloween, Bizarra Locomotiva, Spiritual Front, Forgotten Tomb ou OvO.
Beja de regresso ao mapa da música em Portugal
Algo que o SMSF permitiu ao longo de seis edições, partindo este ano para a sétima, foi um reencontro da cidade de Beja com o mapa da música em Portugal. Beja já não é um corpo tão estranho à música quanto poderia parecer há uns anos atrás e tem-se vindo a desenvolver como um novo bom destino a digressões nacionais dos mais variado tipos de músicos. “São cada vez mais as pessoas no festival, nomeadamente as que vêm de fora”, diz Vítor Domingos, parte da organização do SMSF. E se Beja se preenche de fãs e de curiosos ano após ano, é natural que essa cultura se comece a estender pelos restantes meses do ano.
A música extrema como linguagem e não como género musical
Uma das particularidades do SMSF é a forma como encara a música extrema, derrubando até fronteiras entre o peso dos beats e a distorção das guitarras, permitindo ter no mesmo line-up as rimas de Allen Halloween entrelaçadas com o grind de Cripple Bastards. Sobre a evolução da abordagem do cartaz nesse sentido, Vítor admite cunho pessoal: “Eu acho que foi uma evolução que se deu principalmente pelo facto de eu ser muito ecléctico no que toca à música que ouço”. O objectivo, no entanto, já vem desde o nome adoptado pelo festival em 2011. “O objectivo de ter coisas diferentes no festival começou até em 2011, ano em que escolhemos nomeá-lo de Santa Maria Summer Fest (e não Metal Fest) pelo simples facto de nessa edição já participarem bandas punk e de post-rock”, conta. Mas nunca o festival impôs a sua posição sobre a fronteira entre géneros de forma tão vincada como na edição que agora chega. Isso acontece “principalmente pelo facto de termos o [Allen] Halloween e os Spiritual Front, aliados a muitas outras que certamente marcarão a diferença”, admite. Não foi por acaso que o SMSF já deu palco à viola campaniça ao conterrâneo Paulo Colaço (e volta a dar este ano) ou à maquinaria de Necro Deathmort, por exemplo. “Esta é também uma forma de alcançarmos a nossa identidade”, refere Vítor, apontando o dedo a festivais que se limitam a copiar outros no que toca a artistas e géneros. Outra coisa importante é a barreira estética do peso – “não é por termos o refinado doom dos Caronte que vamos deixar de ter o alegre folk dos Celtibeerian, e por aí alem. Somos livre a escolher bandas, e não seguimos padrões”, conclui.
Mas a abordagem do público também é importante. Questionado sobre a necessidade de educar ou até unir públicos distintos com a inclusão de bandas e artistas de estilos musicais algo distantes, Vítor Domingos confessa que “na realidade actual da música, isso é necessário”. “Custa-me muito saber que muitas pessoas não ouvem discos tão bons de cenas ‘diferentes’ apenas porque são ‘fieis’ ao metal, ou ao punk, seja o que for”, acrescenta, acreditando que com esta manobra do festival possa mudar isso aos poucos.
Novo recinto e cartaz rico como já é costume
O SMSF parte para a sua sétima edição com uma deslocação de recinto. Do Anfiteatro Exterior da Casa da Cultura para o Parque de Merendas, o próprio festival migra dentro de Beja para se adaptar ao seu crescimento e às necessidades dos festivaleiros. E com novo recinto há novo parque de campismo (que prevalece gratuito, é claro), há campo de futebol adjacente e até um bar de sheesha instalado no festival – “O recinto vai ser mel”, garante Vítor. E mesmo com um preço tão reduzido – nesta altura o passe geral para os três dias custa apenas 20 euros (!) – ainda há um palco denominado Forest Stage com entrada livre. Neste palco vão passar nomes tão importantes no line-up como aqueles que actuam no palco principal – o noise rock dos mestres italianos OvO, o death metal potente de Bleeding Display, a atmosfera densa do black metal de Örök, o heavy rock de The Royal Blasphemy, a sujeira de Vizir e Ventas de Exterko, o mistério de uma banda surpresa, entre outros.
Já no Main Stage a aposta mantém-se grande. Os gregos Rotting Christ e os holandeses Sinister consumam um desejado regresso a Portugal para ambas celebrar as suas carreiras de quase trinta anos – enquanto os primeiros têm em Rituals um dos discos de metal de 2016 mais apreciados pelo público, os segundos respiram o mais recente Dark Memorials. E se é inevitável falar da presença do hiphop do Híbrido Allen Halloween, também é mencionar o Mortuário da Bizarra Locomotiva, a fazer de Beja a sua próxima estação de corpos suados pelos óleos industriais. O punk dos míticos nacionais Mata Ratos, o black metal depressivo dos italianos Forgotten Tomb, o crust britânico de Extinction Of Mankind, o black/post-rock dos austríacos Harakiri For The Sky e ainda a música psicologicamente densa de ATILA de Miguel Béco de Almeida são outros focos, entre tantos outros a espreitar no alinhamento completo, de um festival que habita a vontade de marcar a diferença. E conseguem-no, ano após ano.