«É o Milhões! É do ca*****!» – ouvia-se na voz de La Flama Blanca já de madrugada, com o dia a começar a nascer de mansinho, num palco repleto de pessoas incendiadas pela cumbia digital. A despedida da praxe no Palco Vodafone, já se sabe.
Que género de festival é o Milhões de Festa? A resposta é sempre difícil. «É o Milhões!», seria a resposta mais acertada. Para quem participa anualmente na romaria até Barcelos, já lhe conhece o carisma particular, das camisas tropicais e das boias fluorescentes na piscina que convivem alegremente com as t-shirts de grindcore e os canecos de barro do Taina.
Uns dias mais solarengos do que outros (nem os chuviscos de início de tarde do segundo dia causaram grande transtorno), manteve-se a mesma energia e o mesmo à-vontade geral dos presentes, os mergulhos, os corpos dançantes na piscina e pela madrugada dentro no recinto. A música, essa, é outra viagem. Em quatro dias somaram-se passagens diferentes por concertos díspares e nomes promissores que encontram em Barcelos um vínculo acolhedor para com um novo público.
Começámos pelo embalo demolidor dos já familiares portugueses Raw Decimating Brutality e Riding Pânico no dia zero, onde todos os caminhos desembocam no Taina. Passámos pelo dancefloor tropical de Matias Aguayo, no primeiro dia a tomar conta a Piscina Red Bull Ginga Beat, com temas quentes como “Menta Latte” ou “El Sucu Tucu” ou a cumbia de Chancha Via Circuito no segundo e o set recheado de afrobeat de Branko no terceiro.
Não esquecemos as celebrações xamânicas de Al Doum & The Faryds e dos sempre enormes portugueses HHY & The Macumbas, as celebrações egípcias de Cairo Liberation Front (mesmo não estando presente o DJ original, a festa não faltou com Vítor Barros dos Equations a substituir) ou as energias latinas de Meridian Brothers. Na memória, ficaram-nos também os nomes de ‘peso’ deste ano – as miúdas, diga-se, senhoras, THEESatisfation que trouxeram consigo o hip-hop e o soul, que nem um computador crashado a meio do espectáculo conseguiu parar. As senhoras continuaram, apenas a voz, e ninguém saiu defraudado.
Sem deixar de lembrar ainda a melodia eléctrica dos Deerhoof encabeçada pela voz pueril de Satomi Matsuzaki, o shoegaze bonito dos Holydrug Couple, o histórico Michael Rother com as suas reinterpretações frescas de Neu! e Harmonia ou o techno destrutivo de Perc. Finalmente, na história do Milhões de Festa, ficará sempre gravado o memorável The Bug, essa figura misteriosa e um dos nomes mais aguardados, um abrasar apocalíptico dos tímpanos impulsionado pelos MC’s Flowdan e Manga, que tomaram de assalto o Palco Milhões no meio de uma densa fumarada e estilhaços de luz. Um combo explosivo entre o hip-hop, o grime e o dub impecavelmente orquestrado em palco que nos deixou estremecidos do início ao fim.
E de madrugada, a festa terminava ao som da cumbia digital, o público extasiado e espírito cheio. Porque o Milhões de Festa é bastante mais do que um festival, é uma experiência. Quem perdeu a romaria este ano, já sabe, para o ano há mais!
Texto: Telma Correia
Fotografia: Rafaela Bernardo