E eis que no meio de poeira, palha e mato nasce um festival rural na região centro. O Coz Village Festival teve a sua edição de estreia no dia 12 de Julho de 2014, decorrendo na freguesia de Cós, perto de Alcobaça, e contando com a presença de centenas de pessoas. Num cartaz onde o verdadeiro espírito de rock era a palavra de ordem, o evento teve mais aspetos positivos que negativos e marcou pelo bom ambiente, excelente som e luz e preços super acessíveis (preços de café de aldeia). Mas não se assustem com as palavras “palha”, “mato”, “rural” e “aldeia”, pois profissionalismo e condições não faltaram, com boas casas de banho, restauração, acessos e estacionamento.
Com oito bandas no cartaz, apenas uma, a única que não se enquadrava no rock mas sim na música popular, atuou no palco secundário. Faltavam 20 minutos para as 8 da noite quando a Banda do Maltês subiu a palco, um sexteto animado de elementos experientes que começou a festa enquanto as pessoas jantavam e iam chegando ao recinto arenoso, numa atuação que durou precisamente duas horas e serviu para aquecer o ar frio e húmido que se começava a sentir com o cair da noite.
Os concertos propriamente ditos tiveram lugar num palco maior, o Palco Nossa Sra. da Consolação, tendo cabido aos lisboetas The Zanibar Aliens a honra de o estrear às 22h30m. A banda mostrou o seu hard rock inspirado nos anos 70/80 com bastante fulgor, apesar da pouca originalidade e muitos clichés. Death Is A Celebration, terceiro tema da setlist e onde o vocalista saltou para o piano, foi um dos momentos altos do concerto, seguindo-se a Soldier’s Ballad, a primeira das várias dedicatórias ao longo da noite ao recentemente falecido Tommy Ramone. Houve ainda espaço para uma nova música e um solo de bateria algo random, com temas marcados por uma voz interessante nos screams, mas menos boa nas partes mais soft e nos backing vocals do guitarrista (cheio de estilo e com bons movimentos este!). A plateia, ainda pequena, com pouco mais que meia centena de pessoas, só se aproximou do palco quase no final, aquando o 2º apelo da banda para o fazerem, tendo o concerto chegado ao fim às 23h15m com mais energia do que começou, “culpa” dos temas New Man e, sobretudo, The Door.
Setlist: – | Getaway | Death Is A Celebration | Soldier’s Ballad | (nova música) | Burning Heart (solo bateria) | New Man | The Door
Quinze minutos depois, numa espera com excelente música ambiente, que durante toda a noite contou com sonoridades de nomes como Deine Lakaien, Bon Jovi, Queen e Sting, foi a vez do alemão BO NE subir a palco e explodir numa atuação de rock crú e experimental, personalizado pelo artista de forma agressiva e raivosa, com spoken word na voz e uma clara influência de blues. O concerto foi curto, com meia hora a dar para cerca de uma dezena de temas, onde se destacaram pela qualidade 2 The Bone, Caroline e 7 Pinter Beauties. Com um aspeto descuidado a condizer com a música, o alemão foi bastante enérgico do princípio ao fim, tendo terminado quando passavam 5 minutos da meia noite.
Do concerto mais crú passámos para o concerto mais polido, quando 20 minutos depois da meia noite teve início a atuação dos Sidewalkers, banda local de rock alternativo e moderno. O concerto abriu com Release Your Soul, desenrolando-se a partir daí numa prestação competente e agradável ao ouvido, onde If You Really Want To Live Like That, Realize e Stressful Man foram os momentos mais interessantes musicalmente. 40 minutos e uma dezena de temas animaram o público crescente no Coz, com uma boa onda contagiante apesar de hábito algo creepy do vocalista revirar os olhos a cantar. O único defeito a apontar à banda talvez seja o excesso de simplicidade na composição das músicas, que tornariam um concerto mais longo algo enfadonho. O desta noite acabou por terminar no limiar do agradável com Long Combat Day.
Setlist: Release Your Soul | If You Really Want To Live Like That | Touch If You Love It | Can’t Stop This Way | Dance With My Soul | Realize | Stressful Man | Empty | – | Long Combat Day
Seguiu-se um dos espetáculos mais originais da noite, a partir da 1 e meia da manhã, com os bem dispostos e divertidos portuenses The Lazy Faithful. A abrir com Work It On Out (salvo erro), o concerto deu a conhecer uma banda com um rock ‘n roll clássico mas com um toque personaliado, alternando entre temas curtos e mais mexidos como Jumping Over Walls e outros que se podem dizer mais “normais” mas de grande qualidade como o tema título do novo álbum, Easy Target, ou Frosted Glass. O público esteve ao rubro, havendo inclusive crowd surfing. Toda a banda vinha com vestimenta diferente, entre camisa, t-shirt e camisola, sendo obviamente o mais vistoso e caricato o vocalista, vestido unicamente com um robe branco (“pedem sempre mas eu nunca tiro”). Foi pena o concerto, que terminou com Good Night, ter durado apenas meia hora, mais quinze minutos não fariam mal a ninguém!
Setlist: Work It On Out | Magnificient Medicine | Down In One | Frosted Glass | Jumping Over Walls | (nova música) | Easy Target | Two Lines In The Sky | Nothing Goes On | Good Night
Uma troca na ordem do cartaz resultou nos espanhóis Sniper Alley a serem a próxima banda a pisar o palco, quando decorriam 20 minutos após as 2 da manhã. Este foi o concerto mais enérgico e pesado da noite, com os espanhóis demolidores do princípio ao fim, apelando à verdadeira essência do rock e maldizendo o seu próprio país pela falta de apoio a este género musical em comparação com o pop. Três membros, dois com fartas cabeleiras; poucos mas bons em palco, bastante competentes tecnicamente e capazes de prender a atenção do público, numa altura em que este atingiu o seu máximo em número. 33 minutos souberam, mais uma vez, a pouco!
Já a noite ia longa e o público começava a abandonar o recinto aos poucos. Foi este o principal aspeto negativo do festival, o planeamento do horários das bandas. Até às 3 da manhã é aceitável, um DJ a partir daí faria sentido, mas faltarem ainda duas bandas tocar a esta hora parece-me insensato. Não só foi mau para o público, os que tiveram que ir embora mais cedo e os que ficaram num ambiente menos festivo, mas também para as bandas, sobretudo os The Underdogs. Foram provavelmente a melhor banda da noite a nível técnico (grande guitarra e baixo) e de profissionalismo, mas a que teve menos público, injustamente. Abrindo com White Nights, a banda parecia algo aborrecida em palco, apesar de executar os temas na perfeição durante o concerto que durou quase 1 hora. 99 e A Song For The Few animaram um pouco mais o público, mas no geral foi um concerto morno fruto da hora tardia: os resistentes guardavam forças para o terramoto que se adivinhava.
Setlist: White Nights | Stepin Stepout | 99 | – | – | – | School Of Fools | A Song For The Few | – | –
E eis que finalmente surgiram os Killimanjaro! 4h34m, pouco público, noite fria, só mesmo uma banda com chama, garra e grandes temas seria capaz de animar a noite. E fê-lo sem pudor, sem espinhas, abrindo com Howling e tocando logo a seguir a magnífica Hook e New Tricks, Old Dog. Os poucos presentes acordaram desde o primeiro minuto do concerto e foram levados à loucura, com uma pausa para respirar no início da Seventeen, música com um pequeno cheiro de Black Sabbath. Infelizmente chegou-se às 5 da manhã e foi impossível à equipa da Ruído Sonoro ficar mais tempo, pelo que não podemos relatar a metade final do concerto.
Esperamos que para o ano, a repetir-se o festival, os espetáculos terminem mais cedo, para bem das bandas, público e do próprio evento. Porque tirando isso, o balanço que fica é de um festival com pernas para andar, com boa infraestrutura, bom gosto para escolha do cartaz e condições para se tornar uma referência local low cost. É sobretudo um evento para quem quer desfrutar música com alma e sinceridade, e não simplesmente ir a um festival para dizer que tem uma pulseira nova, como acontece em muitos dos grandes festivais nacionais. Venha o próximo!