Mais um ano, mais um Resurrection Fest. Aquele que é o maior festival de Metal da Península Ibérica, e que se está, ano após ano, a tornar num dos maiores da Europa, contou este ano com a sua nona edição, com um cartaz em que se destacavam nomes reconhecidos como Megadeth e NOFX, entre um mar imenso de bandas que fazem certamente parte do vocabulário de qualquer fã de Metal, Punk e Hardcore. Apesar da chuva torrencial do último dia e de alguns pequenos pormenores que poderiam ter sido evitados por parte da organização, esta edição acabou por ser mais uma boa experiência, que mostra bem o crescimento que o festival tem tido nos últimos anos.
Dia 31 de Julho
31 de Julho. Início do Resurrection Fest 2014, com os portugueses Ash Is A Robot a terem as honras de dar o pontapé de saída no festival. A presença de bandas portuguesas fez-se, como já “manda a tradição”, mais uma vez notar, desta vez apresentando uma dupla de conjuntos setubalenses, com os openers do festival a ser acompanhados pelos já internacionais More Than A Thousand. Estes últimos, em especial, foram recebidos de forma apoteótica pelos espanhóis, o que se pôde verificar na entoação perfeita dos refrões de “No Bad Blood”, música que fechou o concerto dos portugueses. De seguida, destaque também para os ritmos simples mas cativantes dos Red Fang, que captaram desde logo a atenção do público, com músicas como “DOEN” e “Crows in Swine”, que pareciam prometer um concerto entusiasmante até final. A partir daí no entanto, o concerto perdeu um pouco da sua energia, ficando no fim a sensação de que este acabou por ser algo “morno”. Mas se Red Fang pode ter sido “morno”, Hacktivist foi precisamente o contrário. A mistura de Rap e Djent dos britânicos fez o Ritual Stage explodir com as rápidas transições decorrentes do groove lento e pesado das suas 8 cordas, num concerto em que o single “Elevate”, lançado no ano passado, foi claramente o ponto alto. E já que falamos em «lento», este é o adjectivo principal para descrever o concerto seguinte no Main Stage, o dos norte-americanos Crowbar. No entanto, e ao contrário do que aconteceu com Hacktivist, esta lentidão acabou por não funcionar em favor da banda, dando a ideia que o concerto só se tornava mais interessante quando o ritmo aumentava.
E se o que faltava era o ritmo aumentar, os Authority Zero e, mais tarde, os Amon Amarth encarregaram-se disso. Destes últimos em particular, foram apenas precisas algumas notas de “Deciever of the Gods”, para se sentir um revigorar de energia no festival, com o headbang a tomar conta dos campos verdes de Viveiro. E se já aqui se sentia uma força digna de vikings, a investida final foi bem mais dura, com clássicos como “Pursuit of Vikings” e “Twilight of the Thunder God” a fecharem um concerto bastante bem conseguido pela banda. Mas o público queria mais. E, para isso, cá estavam os The Ocean e os Architects, duas bandas que passaram por Portugal há não muito tempo. E se os primeiros deram um concerto meio insípido, ficando sempre a ideia que o seu estilo adequa-se muito mais a recintos fechados, já os segundos agarraram no público desde início, estando sempre activos com o mesmo. Para isso também ajudou o bom jogo de luzes e os vocais irrepreensíveis de Sam Carter.
Mas estava agora na altura de assistirmos ao primeiro cabeça-de-cartaz do festival, os americanos Megadeth. E se havia alguma apreensão relativamente à voz de Dave Mustaine, a banda acabou por fintá-la bem, afinando as músicas em tons mais graves, acomodando-se assim à voz do carismático vocalista. Sendo certo que as músicas perdem um pouco da sua magia ao serem tocadas em afinações diferentes da original, esta decisão acabou por se revelar bastante inteligente, com o concerto a soar bem melhor do que, por exemplo, aquando da vinda da banda ao Rock in Rio 2010. De resto, com uma setlist que se poderia intitular de best of, foi um desfilar de clássicos, em que apenas duas músicas pertenceram a trabalhos recentes da banda. Destaque ainda para os videos projectados durante o concerto, que acabaram por se adaptar muito bem, tanto às músicas, como aos tempos mortos entre as mesmas.
Esta não era, no entanto, altura para ir dormir, pois ainda haveriam mais bandas para ver. Depois de uns High On Fire que passaram uma semana antes por Portugal e acabaram por dar mais um bom concerto, chegou a vez dos Kreator tomarem de assalto o Main Stage. Após um atraso de cerca de 20 minutos, a banda apresentou-se finalmente ao público, num concerto não muito diferente do que a banda tem vindo a apresentar em Portugal. Destaque no entanto para a inclusão de “Endless Pain”, uma surpresa para os fãs mais old school da banda. Por fim (ou assim tudo faria prever), os Ignite conseguiram ainda puxar aquelas que seriam as últimas energias do público, não fosse o afterparty deste primeiro dia revelar-se algo muito especial. De facto, o nome que se seguiu, Dancefloor Disaster, parecia, ao início, estranho, mas quando começaram a soar as primeiras notas de músicas electrónicas bastante conhecidas, o público ainda presente rapidamente acorreu ao Ritual Stage e também rapidamente percebeu do que esta banda se tratava: covers de hits de discoteca num estilo próximo do Metalcore moderno. O resultado? Festa garantida, e uma óptima e alegre forma de terminar o primeiro dia de festival.
Dia 1 de Agosto
Regressar às origens. Quantas vezes não ouvimos nós este termo, especialmente no que diz respeito à música? Quantas vezes não, inclusive, desejamos nós que as nossas bandas favoritas voltem àquela sonoridade, àquele álbum, àquele riff? Pois neste segundo dia de festival, o Resurrection Fest regressou também às suas origens: as do Punk e Hardcore que tanto caracterizou as primeiras edições do festival. E que melhor forma de celebrar este regresso às origens do que com uma das bandas que esteve precisamente aí, nas origens, do movimento Punk dos anos 70? Falamos claro dos GBH, que, com a sua sonoridade da velha-guarda, convidou o público ao mosh e sing-along, algo a que este naturalmente acedeu. Foi um concerto muito Punk em todos os sentidos: as músicas apresentadas só tinham uma velocidade (muito rápido), sucediam-se de forma igualmente rápida e qualquer interacção com o público parecia genuinamente improvisada. Uma boa forma, portanto, de (quase) revisitar a mítica década revolucionária em Inglaterra. Mas se é, sem dúvida, bom revisitar tempos idos, não nos devemos claro esquecer do presente actual. Por isso, estava na altura de ver os Skeletonwitch, uma das bandas mais originais do revivalismo do Thrash Metal que se assistiu na década de 2000. E o resultado das suas músicas curtas, em que se misturam várias influências fora do Thrash, foi um mosh constante, com o público a aderir em pleno às diferentes músicas que iam sendo debitadas. Sendo a setlist claramente versada sobre o último trabalho da banda, nem mesmo a ausência de alguns clássicos como “Soul Thrashing Black Sorcery” manchou um dos destaques da tarde.
Mas uma das bandas mais esperadas do festival estava ainda para vir, pelo que teríamos de nos deslocar rapidamente para o Main Stage. Os norte-americanos Down, cujo logótipo se podia ver em diversas camisolas do público do festival, prometiam muito. O seu som nitidamente americano é realmente único e foi com esses grooves tipicamente bluesy que a banda apresentou o seu novo EP, ao lado de clássicos retirados quase em exclusivo de “NOLA”. No geral, foi um concerto que apenas pecou pelo seu jogo de luzes algo descoordenados da música, não se percebendo muito bem a razão de tal acontecer. E já que falamos em concertos aguardados por muitos, estava agora na altura de receber os Converge, banda que regressava assim a um palco que já conhecia bem. Apresentando “All We Love We Live Behind”, mas sempre suportado essencialmente por “Axe to Fall”, o concerto começou violento, com toda a tenda do Ritual Stage a reagir aos riffs rápidos que a banda ia destilando. Porém, tal como em Red Fang, o concerto foi “morrendo” depois de um início promissor, apenas despertando em “Concubine”. No geral, o concerto não foi necessariamente mau, mas nem foi muito bom, deixando um sabor algo amargo na boca dos fãs que estavam à espera de um pouco mais.
Porém, não haveria tempo para muitos remorsos, pois os cabeças-de-cartaz estavam aí a chegar. Falamos claro, dos NOFX, banda de destaque no movimento Punk dos anos 90. Como a própria música da época o fazia antever, foi um concerto com muita boa disposição, em que a banda aproveitou para fazer algumas piadas sobre as diversas bandas de Metal presentes no festival. A comunicação com o público foi, de resto, uma constante, assim, como o mosh, actuando como uma resposta constante aos rápidos ritmos da banda. Quando comparado com os concertos da edição passada, este não foi muito distante da experiência que foi assistir ao concerto de Bad Religion. Mas se se pode descrever o ambiente de NOFX como (relativamente) amigável, o de Watain foi tudo menos isso. Com um palco imponente, onde se destacava o fogo, a banda destilava o seu negro Black Metal (uma estreia no festival), apresentando o seu último e controverso álbum “The Wild Hunt”. De realçar que esta foi, provavelmente, a performance mais teatral de todo o festival, servindo de contraponto a todos os concertos mais “reais” que fomos assistindo ao longo dos três dias. Seguidamente, e para finalizar este segundo dia, estava na altura de assistirmos a uma banda histórica para o Resurrection Fest. Os Sick Of It All, que estiveram na origem do Resurrection Fest, apresentaram-se pela terceira vez num recinto que já conhecem bem, apresentando o seu Hardcore pesado ao percorrerem toda a sua discografia, sempre incentivando à reacção do público. O público obviamente acedeu e, já depois de um afterparty em que constavam covers de Pantera e Rage Against The Machine, o segundo dia do festival dava-se por terminado. Estava na altura de nos prepararmos para o terceiro e último dia do festival, pois este teria muitas surpresas reservadas para o seu público.
Dia 2 de Agosto
O ciclo da água é algo que todos certamente conhecemos. A viagem que ela faz desde o solo até às nuvens, e depois de volta ao solo, é sem dúvida um processo fascinante, que mostra bem todo o encanto da Natureza. Pois bem, eis que foi neste terceiro dia que a água, sob a forma de chuva naturalmente, decidiu marcar presença no Resurrection Fest, “intrometendo-se” nos vários concertos que estavam programados. Não foi logo de início, até porque, em Gojira, o tempo estava perfeito para se ver um concerto como aquele: pesado e progressivo, com uma ligeira dose de melancolia pelo meio. As músicas de “L’Enfant Sauvage” resultam muito bem ao vivo, levando, a par de clássicos como “Backbone”, o público à loucura, fazendo com que até as sapatilhas ganhassem asas. Também de louvar foi a interação da banda com o público, com a mesma a sair do palco várias vezes para se aproximar um pouco mais dos seus fãs. Mas se a chuva tinha dados tréguas até aqui, ela veio com a força dos Discharge, que actuaram a seguir no Chaos Stage. O som era já um velho conhecido: rápido e agressivo como mandam as regras. No entanto, a chuva não deixou que fosse feita a festa como ela merecia ser feita, só tendo abrandado aquando da chegada dos Five Finger Death Punch. O som catchy estes americanos em ascenção parecia ter afastado, pelo menos por momentos, a chuva, o que resultou numa maior afluência a um concerto que foi, na sua globalidade, extremamente competente.
Mas a chuva haveria de voltar, por isso o público do recinto não teve outra opção se não abrigar-se. E que melhor maneira de o fazer senão acompanhado pelo Death Metal característico dos veteranos Obituary. Curiosamente, a sua música quase primal adequava-se 100% ao estado do tempo em Viveiro. Assim, os vocais sempre característicos de John Tardy surgiam fortes e rasgados, numa setlist que se dedicou não só aos dois primeiros álbuns da banda, como também ao seu novo álbum, a ser lançado mais para o fim do ano. A tenda do palco, que se revelava cheia, não teve como senão assentir a mais um bom concerto dos norte-americanos. E por falar em norte-americanos, de seguida vinham os Testament, banda ímpar no que toca à cena de Thrash Metal da Bay Area. Porém, este concerto teve duas notas negativas: o invevitável regresso da chuva, agora mais forte do que nunca, e uma qualidade de som que deixava algo a desejar, facto que já se tinha verificado aquando da última passagem da banda por Portugal. Ficou manchada, assim, uma boa setlist da banda, que tentou percorrer um pouco de todos os seus trabalhos. E quem também percorreu todos os seus trabalhos foram os britânicos Carcass. Revisitando temas dos seus primeiros álbuns mais Grindcore,o que não tinha acontecido quando os vimos em 2010, a banda acabou por se focar também no seu novo “Surgical Steel”, lançado o ano passado. O resultado foi um concerto que apenas pecou por ser curto, pois a banda continuava a destilar riffs e riffs de qualidade, como de resto já se sabe, reconhecida.
Infelizmente, o Resurrection Fest 2014 acabou, para nós, por aqui. A partir deste momento, o estado do tempo não reunia mais condições para que continuasse a ser feita a reportagem. Ainda assim, o saldo desta edição é extremamente positivo, com grandes nomes a darem bons concertos e pequenos nomes a surpreenderem, deixando-nos com água na boca (quase literalmente) para uma próxima edição. Só esperamos é que ela venha, desta vez, sem chuva.
Fotografia: Carolina Neves
Texto: João Vinagre