OUT.FEST @ Barreiro, 10 a 12/10/2013

«Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro» lê-se por baixo da palavra OUT.FEST já há várias edições. Aliás, há dez edições. À décima edição, não se poderia concordar mais com o termo, internacionalizando-se a cidade do Barreiro com artistas da Grã-Bretanha, Austrália, Alemanha, França, Bélgica e até dos Estados Unidos. A encabeçar tal alinhamento houve The Fall, lendária instituição do pós-punk de Manchester dos finais dos anos 70. Estivemos presentes nos três últimos de cinco dias de concertos pela cidade, transportando a audiência sempre para uma sala diferente por dia.

Oren Ambarchi + Rafael Toral: Space Collective 2
Convento da Madre de Deus da Verderena – 10/10/2013

O Convento da Madre de Deus da Verderena já se habituou a receber o poder das entidades mais voltadas para o culto do drone. Na edição anterior do OUT.FEST testemunhámos Kevin Drumm e Helm neste espaço, mas este ano as proporções foram distintas. Oren Ambarchi, compositor e multi-instrumentista conhecido pelas suas colaborações com Sunn O))), Jim O’Rourke ou Merzbow, trouxe da Austrália o papel que deu como esgotada a lotação da sala. A abrir as hostes esteve Rafael Toral, em parceria com Richard Webbens, a apresentar o seu Space Collective 2 à sua terceira passagem no festival. O músico português, inicialmente ligado aos Pop D’ell Arte, apresentou um repertório digno do nome do projecto – os sons transmitidos e as suas frequências chegaram-nos do espaço. De olhos bem fechados, mas focados na capacidade de construção paisagística além-galáxias do improviso de Rafael Toral, chegou-se a acreditar cruzar o possível com o impossível e ter encontros imediatos com seres de um outro mundo.

Mas para nos varrer as ideias e o pensamento, Oren Ambarchi «só» dependeu de si. Com uma harmonia muito mais relaxante e calma, colou os presentes ao chão para se deixarem levar de espírito. Só o corpo lá permanecia. Tudo o resto era levado por uma guitarra e uma dúzia de ferramentas que a faziam multiplicar… ferramentas essas que precisaram de ser verificadas por alguns dos presentes assim que Oren se desligou e ocultou da sala. Como se costuma dizer: ver para crer.

Mohn + Lee Gamble + Richard Pinhas
Auditório Municipal Augusto Cabrita – 11/10/2013

De volta após obras nos últimos tempos, o Auditório Municipal Augusto Cabrita (chamemos-lhe AMAC), situado no Parque da Cidade, fez-se sentir como uma novidade no circuito do OUT.FEST, resultando de forma perfeita para os espectáculos que se aguardavam.  Ao contrário do que se previa, foi o britânico Lee Gamble o primeiro a mostrar-se ao público. Quase como uma sala de cinema, o AMAC ficou às escuras para receber o seu laptop. Atrás de Lee, líamos em letras bem grandes «Prisoners Cinema 2000». Prisioneiros da sua capacidade ambiental de fazer vibrar as paredes do auditório. Ao longo de quarenta minutos, e em modo faixa-única, fomos de zumbidos de insectos até aos batimentos mais profundos numa das experiências mais agradáveis desta edição do evento. Com o tempo mais reduzido e com um palco nu de fundo, Richard Pinhas surgiu com uma guitarra para se mostrar como o «pai da electrónica francesa». Com a sua obra a remontar aos anos 70, Richard foi passando camada sobre camada à medida que a sua guitarra actuava como uma infinita espiral de sons.

Cedo chegou a vez de Mohn. Os alemães Wolfgang Voigt e Jörg Burger vieram mostrar a sua frieza de quase vinte anos de trabalhos em conjunto, seja como Burger/Ink ou até Burger/Voigt. Enquanto Mohn, o duo envolveu a bem composta sala com uma pose bastante rígida e autoritária, quase permanecendo imóveis. Esta sua presença contrastava com a liberdade de imagens que compunham o fundo do auditório, enchendo-o de luz e cor em dadas alturas para que a atmosfera atingisse contornos únicos. As transições entre faixas surgiam com alguma naturalidade sem perder o fulgor das batidas mais demolidoras, fazendo tremer cada pedaço do auditório como um sismo. Designá-lo como o melhor espectáculo do OUT.FEST 2013 não seria exagero.

The Fall + Carla Bozulich’s Bloody Claws + Skullflower + HHY & The Macumbas
G. D. Ferroviários do Barreiro – 12/10/2013

Antes dos concertos no chamado Pavilhão dos Ferroviários, à noite, o OUT.FEST também se despediu de 2013 com concertos durante a tarde na Galeria Municipal do Barreiro com entrada livre. O norte-americano Steve Gunn, de regresso ao certame um ano depois, juntou-se ao britânico Mike Cooper para dar música aos cantos da exposição que compunha a galeria. Steve teve certamente tempo para matar as saudades de quem o viu na edição anterior com Helena Espvall, não estivesse ele ainda mais delicado com as belas notas que extrai da sua guitarra. Antes deste momento, haviam actuado também Yaw Tembé e Monsieur Trinité sob o nome de Sirius. A alguns metros de distância desta galeria, o dito pavilhão ia-se compondo já perto das 21h30 para receber os britânicos Skullflower. De forma pouco ortodoxa, o duo composto por Matthew Bower na guitarra e Samantha Davies no violino fizeram barulho quanto baste para provocar uma aura destruidora. Foi de costas para os presentes e a venerar as projecções cinematográficas no fundo do palco que ambos deixaram a sua essência queimar e perfumar de flores-caveira o pavilhão.

A uma semana de actuar no Amplifest enquanto Evangelista, Carla Bozulich esteve no Barreiro na forma de trio Bloody Claws. Com garra e atitude bastante vincadas, Carla teve impacto logo no primeiro instante. Um fã entusiasmado, daqueles que talvez beba em quantias não recomendáveis, acabou por protagonizar um lamentável episódio. Com injúrias para a música norte-americana, esta respondeu-lhe e negou começar o concerto enquanto o próprio não fosse retirado da frente de palco. Após a sua devida expulsão e sinceras afirmações de Carla Bozulich de estar em Portugal pelas boas pessoas, lá foi dado o início do concerto. Com uma mística sedutora e muito própria, as sonoridades do trio contagiaram os presentes com os ritmos mais lentos e calmos da noite.

A ordem era esta. The Fall dispuseram do tempo a seu favor para que a sua aguardada actuação terminasse a boas horas e não desperdiçaram momentos… pelo menos quando chegaram ao palco. Até isso acontecer, a audiência foi presenteada com (demasiados) minutos introdutórios de vídeos a roçar o humor negro e a sexualidade, mostrando imagens back and forth de artistas como Freddie Mercury ou Elvis Presley. Fora isso, Mark E Smith é The Fall. Ou The Fall é Mark E Smith. Este mantém-se como o ponto central de uma das mais conturbadas bandas da história do rock britânico, sendo o único a manter-se no grupo desde a sua fundação. Os fãs que se aborreciam com a longa duração da introdução gritavam tanto pelo nome da banda como por Mark. É inevitável: sem a presença de Mark, estaríamos perante um tributo aos The Fall. Com 56 anos, Smith foi igual a si mesmo em palco. Algo embriagado (ou aparentemente), fez jus à fama de tirano e provocou várias vezes dados curiosos em palco, desligando até algumas vezes os amplificadores de guitarra e baixo ou colocando-os em volumes desproporcionais. Mark ia-se passeando pelo palco como quem procura cravar o próximo copo, escondendo-se algumas vezes entre papéis com as letras das faixas que o resto da banda ia lançando. O seu britânico carregado foi algumas vezes trocado pelas vozes de fãs a quem Mark dirigia o microfone, havendo até um que acabou por subir ao palco e segurar num dos referidos papéis com Mark. Filosofia de punk, não fosse este um dos mais célebres nomes dos póstumos. Houve encore, sim, mas em jeito de «já devíamos ter ido embora». Apesar de todos os aspectos bizarros a apontar do concerto, quem conhece The Fall viu, de facto, The Fall.

Para fechar a décima edição do OUT.FEST, os HHY & The Macumbas viajaram do Porto até à Margem Sul para mostrar o seu carácter pouco comum. Como um ritual tribal, o projecto de Jonathan Saldanha elevou os ritmos frenéticos dançáveis às fronteiras do dub, mesmo com jazz na raiz. O público foi-se deixando contagiar e dançou em paralelo com as máscaras e com as macumbas nos últimos goles de álcool, festa e aplausos da mais ambiciosa edição do OUT.FEST. Somados todos os factos que conseguimos testemunhar, a presença do festival entre os nomeados do Portugal Festival Awards só quer oficializar a dinâmica que o OUT.FEST oferece à cidade e a importância que já tem entre os palcos nacionais.

Fotografia e Texto: Nuno Bernardo e Rute Pascoal