1º dia
Foi um Hard Club decorado a rigor que recebeu o primeiro grande dia de concertos do Amplifest 2012. Depois de, no dia anterior, os Barn Owl, terem presenteado a muito restrita audiência com uma experiência que tinha tanto de som como de vídeo, era agora altura de o Amplifest receber todas as 1000 pessoas que tanto aguardavam o festival. E de facto, foi com os corredores recheado de posters de Mastodon, Candlemass, Nine Inch Nails, entre outras bandas da cena Doom, Stoner e Progressiva, e merchandise que ia muito para além dos habituais cds das bandas presentes, contando com edições de coleccionador, vinis e tantos outros artigos, que se abriram as hostilidades para uma plateia não unicamente nacional, sendo facilmente perceptível a quantidade de pessoas que tinha vindo de fora do país para assistir ao festival.
E foi para a sala 2 do recinto que estas mesmas se dirigiram aquando do início do primeiro evento da tarde, o documentário “Instrument”, realizado por Jem Cohen. Este filme tem como tema a carreira e filosofia da banda de post-hardcore Fugazi, cuja carreira se estabeleceu nos anos 90, banda essa que acabou por eventualmente ter algum sucesso no final da dita década. O que se tornou curioso foi de facto verificar como é que uma banda que se opunha em larga escala à indústria musical acabou, mesmo assim, por conseguir ver o seu trabalho reconhecido, dando concertos para uma plateia bastante alargada. Após o final do filme, era agora altura de todos os presentes formarem eles mesmos a plateia das suas bandas favoritas, pois iria começar a onda de concertos do primeiro dia do festival, início que coube aos Six Organs of Admittance, banda que mistura influências de New Folk e Noise Rock. De forma a descrever melhor o som da banda, temos riffs simples, mas extremamente aditivos, do baixo com bateria a acompanhar, juntando-se a eles uma guitarra que tanto serve de instrumento mais melódico, como pode dar texturas típicas do já referido Noise Rock. Isto permitiu então que os espectadores pudessem presenciar uma grande alternância de atmosferas, indo do mais energético no início do concerto, ao mais distante, passando também por momentos mais calmos e depressivos. Ajudando à imersão no som da banda, estavam fundos simples a acompanhar que iam mudando consoante o que a banda pretendia transmitir.
Findo o concerto, e voltando para a sala 1, era agora altura de ver o que os White Hills podiam proporcionar. Começando um pouco atrasado (algo que iria ter consequências mais para a frente), foi logo de notar os riffs mais definidos e atitude mais “rock ‘n roll” da banda, algo que iria acabar por alternar com músicas mais «Post-Rock». Apesar de ter puxado de algumas cabeças a abanar e de não ter sido um mau concerto, fica a ideia que este poderá ter sido o pior concerto do dia, devido a parte da plateia ter saído antes do fim do mesmo, fim esse que acabou por colidir com o início do seguinte concerto, sendo este dos Bohren & Der Club Of Gore. De facto, muitos dos presentes não puderam assistir ao início deste concerto devido ao referido atraso inicial dos White Hills. Ainda assim, certamente que, dirigindo-se para a sala 1 e presenciando a enorme camada de fumo que se fazia sentir, puderam desde logo abraçar o ambiente extremamente pesado criado pelo “Funeral Jazz” da banda. Constituídos por apenas um baixista, teclista e saxofonista, os Bohren & Der Club Of Gore, não fazendo muito barulho, conseguiram hipnotizar todos os presentes (durante grande parte do tempo) com o seu Doom intenso e atmosférico. De destacar ainda o humor negro do saxofonista, o membro da banda que comunicava com o público, que apesar do seu inglês não muito bem pronunciado, conseguiu soltar algumas gargalhadas do público. Quem também conseguir obter uma grande reacção do público foram os Process Of Guilt. Com o seu habitual som imponente, foi como uma tempestade que assaltaram a sala 2 do Hard Club. Um contraste directo com o anterior concerto e em preparação para os cabeças de cartaz do primeiro dia do festival, este foi o momento em que viram os primeiros headbangs da noite, perante a toada lenta e destrutiva da música da banda. É notável ver que em Portugal muitas bandas, às vezes com poucos fundos disponíveis, conseguem atingir níveis elevadíssimos e “rivalizar” com as suas congéneres estrangeiras.
Foi, portanto, assim num crescendo de peso que chegamos ao penúltimo nome deste dia, os Amenra. E as palavras usadas para descrever este concerto não podem fugir muito da ideia de uma absoluta descarga de depressão. Mais uma vez num ritmo lento, a barreira sonora criada foi de uma imensidão que de certo absorveu todos os presentes. Adicionando a isto desespero evidente nos gestos de um vocalista que permaneceu durante a totalidade do concerto de costas para o público. Uma experiência intensa que apenas perdeu um pouco da sua força no final, mas que deliciou certamente todos os fãs da banda. A isto seguiu-se a junção de Ra & Löbo, que fechou a noite num registo Funeral Doom. Tendo como base naturalmente o teclado, foi mais um concerto de toada lenta e depressiva, que fechou a noite numa beleza negra, deixando todos ao mesmo tempo satisfeitos e ansiosos para o que viria no dia seguinte.
2º dia
O inicio do último dia do festival ocorreu na Sé do Porto, mais propriamente na capela de S.Vicente, salão adjacente do belo Claustro gótico da Catedral. Era aqui que iria decorrer a actuação do holandês, Jozef van Wissem, que se revelou uma experiência deveras intimista para uma plateia sentada tanto no cadeiral como no chão da capela. Acompanhado somente pelo seu alaúde, deu-nos a conhecer a sua música de carácter minimalista, possuidora de uma aura medieval, porem com uma individualidade muito própria. Ao longo de quarenta e poucos minutos de actuação o público ouviu atentamente um artista misterioso e mestre do seu instrumento. Actuando na sala 1 do Hard Club, que aos poucos enchia com mais público, foram os barcelenses Black Bombaim que deram continuidade ao festival. O trio esteve acompanhado por um outro elemento, Tiago Jónatas, que foi dando um toque mais electrónico ao som da banda, usando o seu teremim. O concerto revelou-se, como seria de esperar, uma longa “jam” entre os músicos, dando lugar ainda a um outro convidado, o jovem Pedro Sousa, que improvisou com o seu saxofone barítono por cima da enorme camada psicadélica que a banda estava a expelir dos seus instrumentos.
Seguiam-se então os britânicos Necro Deathmort que de imediato instalaram um ambiente sufocante e cheio de negrura dentro da sala 2. As batidas industriais, lentas e assombrosas que foram acompanhadas pela distorção de guitarras, deliciaram os presentes. A voz que se ouviu em alguns temas acrescentou outra dose de angústia e desespero a uma actuação que levava a crer o espectador que estava perante uma espécie de ritual de honras fúnebres. De seguida, estava na altura do aguardado concerto de Oxbow Duo, sendo a banda constituída por metade da banda original, os Oxbow. Talvez pela simplicidade do instrumentalismo (apenas uma voz e uma guitarra subiram ao palco), este foi um concerto muito diferente de tudo o resto que se assistiu no festival. Tocando músicas recheadas de ritmos lentos, misturando o Blues com o Avant-Grade, foi palpável que o som transmitido era extremamente íntimo e humano. Aliás, todo o concerto decorreu como se de uma conversa entre o artista e o público se tratasse, eliminando muitas das barreiras que historicamente separam estes dois intervenientes De realçar ainda a enorme presença em palco de ambos os músicos, mostrando sentir realmente a música que tocam. Após o concerto, e de volta à sala 2 era agora altura de assistir aos videoclips que acompanharam a carreira da conhecida banda Isis. Uma pausa em que alguns aproveitaram para jantar. Após a sessão de vídeos, foi altura de voltarmos aos concertos da sala 1, desta vez com os Ufomammut.
Com um Doom “alternativo”, que mistura vários elementos industriais, como a voz repleta de efeitos e a grande preponderância da bateria e dos samples, a banda tocou todo o seu último álbum, lançado este ano, “Oro: Opus Alter”. Assim, o concerto foi uma viagem contínua e intensa, sem interrupções, pela totalidade das músicas que o constituem. Tal como no concerto que se iria seguir, a banda conseguiu criar uma grande imersão audiovisual, devido também a ter fundos condizentes com o que a banda pretendia transmitir sonicamente. Depois deste concerto, seria então altura de assistir ao documentário “In Between the Notes” de William Farley. Porém, à saída de Ufomammut foi desde logo visível a grande quantidade de gente, que tinha comprado o bilhete para o festival apenas para ver o cabeça-de-cartaz do mesmo, formando uma fila interminável.
Falo, obviamente, dos Godspeed You! Black Emperor. Nome incontornável do Post-Rock, atraíram uma grande quantidade de fãs, que esperavam ansiosamente o início do seu concerto. E este início foi-o de facto bastante prolongado, com os membros da banda a entrarem lentamente, enquanto o ambiente sonoro se adensava cada vez mais. Estes depois dispuseram-se numa posição circular, não se virando directamente para o público, e começaram então a viagem, que não seria interrompida até final. Uma viagem de introspecção, intensa e imersiva, que apenas pecou por ter um final um pouco atribulado. De facto, nas últimas músicas notou-se uma falha numa guitarra que, para além de não permitir que se tocasse a última música, levou a que toda a imersão que a banda tinha conseguido criar, se desmoronecesse um pouco. Ainda assim, de retirar que não foi de todo um mau concerto, apenas manchado por algumas falhas, não relacionadas de todo com a banda.
Assim, no geral, este Amplifest 2012 acaba por ser uma experiência única e diferente, que não se poderá experimentar muitas vezes neste nosso canto à beira mar plantado. Juntando às, no geral, muito boas actuações das bandas, uma qualidade de som que se manteve assustadoramente consistente durante todo o festival (excepção feita ao problema de Godspeed You! Black Emperor já referido), temos todos os ingredientes para que este evento tenha sido um sucesso, como se prova pela enorme afluência. Que este seja mais um caso de sucesso em termos de eventos em Portugal.
Texto: João Vinagre (com agradecimentos a Nikita Rusnak)
Agradecimentos: Amplificasom