UV Almost Fest. Menu de degustação sonora, aqui e agora

Fotos e texto: David Matos | Agradecimentos: Christophe e Bia da Underground’s Voice

Foi no passado dia 8 de novembro, entre o rescaldo do Halloween e o verão de São Martinho, que o Grupo Recreativo Mocidade Corveirense, em Grijó, recebeu a terceira edição do UV Almost Fest. Organizado pela Underground’s Voice, que muito bem nos recebeu, o evento contava com meia dúzia de bandas e mais do que esse número de géneros musicais, entre alternative metal, black metal, crust punk, death metal, melodic death metal, post-hardcore, punk rock, symphonic metal e thrash metal. Se nutricionistas auditivos ouvesse, este prato cheio de variedade seria sem dúvida louvado pela riqueza sonora, um verdadeiro menu de degustação de ondas sonoras onde reinou a distorção. Sem mais paleio introdutório, segue-se o nosso testemunho das atuações das bandas, todas a brilhar à sua maneira.

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Eden’s Apple

A abertura do festival esteve a cargo dos Eden’s Apple, novo projeto leiriense cujas fronteiras de género são difusas, qual serpente a dançar entre o death metal melódico e o metal sinfónico, incorporando ainda influências de metalcore e metal alternativo. Foi com esta sortida mas coesa sonoridade que nos apresentaram Primordial Roots, destacando-se primordialmente o à vontade em palco e o cuidado de ter vários momentos distintos ao longo do concerto.

Vestida a rigor para a batalha sonora, onde banda e público sinergiam num exército onde o inimigo era o silêncio, Marina Silva envergou uma armadura e provou ser uma frontwoman versátil vocalmente, dos cleans que em momentos roçaram o lírico, aos rasgantes screams demoníacos. No baixo e numa das guitarras, o João Carvalho e o David Rodrigues mostraram ter uma dinâmica muito própria, interagindo entre eles e com o público em vários momentos, mantendo o espetáculo animado. Num perfil menos efusivo mas preciso e eficaz, Guilherme Rodrigues emprestou riffs e backing vocals que tornaram mais apetitoso o bolo musical, com o Francisco Mendes a pautar o ritmo com firmeza.

A última metade do concerto teve os temas mais interessantes, sobretudo com Legacy Of The Stars e Eternal Cycle, destacando-se também a participação de David Matos (Hate Disposal) no tema Echoes Of Excalibur, criando um momento de contraste vocal interessante. Foram 45 minutos intensos e surpreendentes para a mocidade da banda, num mote de partida perfeito para uma noite promissora.

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Oceans Øf Apathy

O projeto que se seguiu foram os Oceans Øf Apathy, banda de metalcore moderno com raízes no Porto. O quinteto segurou o público com uma entrega contagiante e constante ao longo de todo o concerto, manifestada sobretudo através do vocalista Pedro Penides. Entre screams vigorosos e cleans melódicos, mostrou-se irrequieto em palco, com saltos e assaltos de energia que contrastavam com a calma com que falava entre músicas, agradecendo ao público.

Uma cascata de riffs poderosos mergulhou a plateia numa forte corrente de metalcore, aqui e ali quebrada com deliciosos refrões melódicos. Tal como no concerto anterior, a segunda metade elevou o nível, com temas como Walls, Death Loop e a contagiante Lighthouse, que contou com a participação vocal de um pequeno mas dedicado grupo de fãs, que vibrou intensamente ao longo de todos os 40 minutos.

Passavam vinte minutos das 20 horas quando a banda se despediu do público, provando ter crescido imenso desde a última vez que os tinha visto, no Laurus Nobilis. A par de Eden’s Apple, provavelmente os dois projetos com maior potencial de crescimento da noite.

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Spitgod

Três minutos antecediam a próxima hora, quando o duo Spitgod assaltou o palco, naquela que seria a prestação mais visceral e pungente da noite. O duo pacense composto por Beatriz e Telmo Cruz personificou uma avalanche de crust punk com influências de black e death metal. Ambos vociferando sórdidos screams, o Telmo destacou-se pelos riffs agressivos e hipnotizantes; já a Beatriz ligou-se à corrente e manteve a bateria eletrizante, com boas variações.

Contrastando com os atos anteriores, o duo mostrou-se mais desligado do público e mais embrenhado na própria música, mostrando um à vontade como se aquilo fosse como que um ensaio aberto (em certos momentos, até demasiado à vontade, com poderosas manifestações de expulsão violenta de gás pelas vias aéreas superiores). O final do concerto foi algo abrupto, com um simples “é isso pessoal, acabou”, acabando por haver espaço para um tema novo a pedido do público.

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Junkbreed

Depois da pausa para jantar, coube aos Junkbreed a difícil tarefa de fazer o público regressar. Numa noite onde cada banda representou um género diferente, pareceu também que o público ia rodando entre concertos, nunca havendo uma sala verdadeiramente composta. Isso foi ainda mais evidente quando o quinteto Junkbreed subiu a palco, num ingrato exercício de tocar para uma sala praticamente vazia.

Não obstante essa natureza despida da sala, a banda apresentou-se com uma energia avassaladora, naquele que foi o conjunto de músicos mais profissional e tecnicamente exímio da noite. Já experientes na estrada, aceleraram a fundo numa base de punk rock, onde o post-hardcore e o rock alternativo também pediram boleia.

Com foco especial no mais recente trabalho Sick Of The Scene, mas roubando alguns temas também ao disco de estreia Music For Cool Kids, a banda foi vendo o público crescer ao longo dos 50 minutos de música bem disposta e radical, apenas com um intervalo a meio para troca de uma corda de guitarra e piadas em sotaque açoriano. Acenaram a despedida com Over What I Know, um dos melhores temas da noite, mesmo com o seu final inesperado e desconcertante em forma de caixinha de música.

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Vøidwomb

Se no concerto anterior se destacou o profissionalismo dos músicos, no seguinte destacou-se o brio do sombrio concerto dos Vøidwomb. Provavelmente o concerto da noite, foi com mestria que o quinteto de Viana do Castelo expôs a sua fusão de black e death metal. Com a dose certa de teatralidade e uma dose abusada de negrume, a banda deambulou quase exclusivamente pelo seu Spiritual Apotheosis, tocado praticamente no seu alinhamento original.

Black Putrescence, Coagulation e Vesselvoid foram alguns dos temas que se destacaram, num concerto onde a frieza sonora levou a uma interação menos visível com o público, que se mostrou recetivo ao som de confortante repulsa. Com adereços no palco e até com a própria setlist adornada com desenhos, todo este ventre de vazio convidou ouvidos ávidos de escuridão a encontrarem conforto em riffs gélidos e gutural cavernoso.

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Infraktor

A noite já ia longa quando os Infraktor chamaram ao palco casa. Faltavam dez minutos para a uma da manhã, hora tardia que forçou a banda a cortar bastante da sua setlist. Foi por isso uma espécie de rapidinha de thrash que encerrou a terceira edição do UV Almost Fest elevando uma noite, já anteriormente inflamada, a níveis absurdos de energia.

A bateria do Francisco Martins foi implacável; nas guitarras, o Ricardo Martins e o Carlos Almeida expeliram riffs como um vulcão de ardentes desígnios. Tudo isto era acompanhado pela voz de imponente intensidade do Hugo Silva. Nem a ausência do baixista, nem a setlist abreviada, nem o público já em número reduzido impediram a banda de dar um concerto demolidor, contando não só com temas do álbum de estreia Exhaust, como novidades que serão libertadas no próximo álbum.

Foi com esta estrondosa meia hora, que teve direito a um “mosh duo” a certo ponto, que nos despedimos do terceiro UV Almost Fest, onde todas as bandas estiveram à altura e mostraram que, entre sangue novo e velhos conhecidos, os contornos mais extremos da música em Portugal têm muito para dar.