The Hives no Sagres Campo Pequeno. Longa vida aos reis do garage rock

Fotografia: Paulo Pereira Tavares | Texto: Nuno Bernardo

Mi, Sol, Lá e Ré. Não são precisos mais do que quatro acordes para se escrever uma canção de rock na sua forma mais crua. Basta criar um padrão de palhetada distinto e permitir que a percussão adicione as suas doses necessárias de energia. Em teoria o garage rock é uma ciência fácil, porém na prática dificilmente se encontram à sua escala bandas como os The Hives.

Desde a década de 90 que os suecos têm vindo a adicionar camadas às suas performances. Desde Barely Legal, de 1997, que Pelle Almqvist é meio-frontman e meio-entertainer, mas às capacidades vocais e a à energia punk desse primeiro álbum faltava-lhes ainda o salto que chegaria em forma de single para agarrar os ouvidos internacionais. “Hate To Say I Told You So”, que serviu de avanço para Veni Vidi Vicious no ano 2000, tornou-se num dos símbolos do revivalismo do garage rock no virar do milénio – algo que continua a ser, contudo os The Hives não (sobre)vivem da sua memória. Daí para cá foram reconhecidas outras características ao conjunto oriundo de Fagersta: os tuxedos monocromáticos, as actuações dinâmicas e o inesgotável carisma de Pelle que, tal como o seu irmão e guitarrista Niklas, muito faz pelas interacções com o público.

«Batam palmas, meus amores», expressou Pelle em bom português nas suas primeiras palavras à plateia que preencheu (mas não encheu) o Sagres Campo Pequeno na passada terça-feira. Lisboa já havia recebido recentemente o quinteto, quando passou pelo MEO Kalorama e LAV em 2023, para apresentar The Death of Randy Fitzsimmons – um disco que marcou o regresso discográfico ao fim de uma década e, simultaneamente, um dos melhores momentos da carreira. O novo álbum The Hives Forever Forever The Hives em comparação directa, mesmo contando com Mike D na co-produção e Josh Homme como consiglieri, não é tão convincente. Mas nem por isso a banda perde o vigor onde realmente lhe interessa, que é em cima de um palco.

Das primeiras palavras à descida ao público não se demorou muito e pareceu até programado outro pormenor engraçado, com os roadies vestidos de ninja a tomarem o palco na assistência a Niklas em problemas técnicos com a sua guitarra. A fasquia manteve-se alta desde o pontapé de saída, com “Enough Is Enough” e “Walk Idiot Walk”, e a apresentação do novo disco diluiu-se no alinhamento. As novas faixas foram alternadas com velhos e novos clássicos, indo-se lá atrás à estreia com “Here We Go Again” ou ao passado recente com a sombria “Stick Up” ou a contagiante “Bogus Operandi”, e Pelle domou a plateia como quis.

“Hate To Say I Told You So” foi, inevitavelmente, um dos momentos da noite: teve direito a uma wall of death (e sem precisar da palavra de ordem de Pelle) e a uma chuva de cerveja a julgar pela quantidade de copos atirados ao ar naqueles minutos. Mesmo que poeticamente colocada no meio do alinhamento, o público respondeu como se de um final apoteótico se tratasse – não dispensando o já mastigado cântico de “Seven Nation Army”. «Isso é a banda errada, isso é dos White Stripes», rematou Pelle, surpreendido, antes de exigir esclarecimentos a uma voz única do público, de forma a saber a tradução dessa versão. Acabou por ter a sua resposta, não se contendo de mandar calar a restante plateia durante várias inglórias tentativas.

Já após “Countdown to Shutdown” e “Come On!”, Pelle repetiu a descida do palco para atravessar a arena do Sagres Campo Pequeno e cumprimentou alguns fãs no processo. Fez o seu sprint pelo meio do público para fechar “Tick Tick Boom” e lançar o fingido adeus: os The Hives marcam pela diferença nos pormenores, mas não dispensam os chavões tradicionais do rock como o encore e a apresentação da banda.

Nas últimas três faixas vimos Pelle a ser coroado por uma fã, emulando assim a capa do disco apresentado, e ainda outro adereço do público em que se pôde ler «presidente Pelle». Não pareceu importar a forma de liderar desde que o poder ficasse, para sempre, nas mãos do carismático vocalista e pelos restantes The Hives. “The Hives Forever Forever The Hives”, faixa-título, deu por encerrado o concerto com uma letra simples do jeito que o rock às vezes tem de ser: directo, pouco complexo e unificador. Nisso os The Hives governam como ninguém.

 

A anteceder os The Hives estiveram os Yard Act, britânicos que cedo se acostumaram aos palcos nacionais com o seu quarto concerto desde 2023. Já com regresso agendado para o Primavera Sound Porto no próximo ano, a banda de Leeds também aproveitou a ocasião para olhar ao futuro. Trouxe consigo já um trio de faixas novas para aquele que será, segundo a banda, «o melhor terceiro álbum de sempre» e sucessor de Where’s My Utopia?, lançado em Março de 2024. Esse segundo disco garantiu um som mais maduro nos campos do dance punk, embora sem o fulgor da estreia The Overload que acabou por marcar a maior parte da setlist no Sagres Campo Pequeno.

Em “Rich” o vocalista James Smith vislumbrou a sala e questionou qual das posições seria mais cara – se na plateia ou na bancada, lembrando que outrora para as peças de Shakespeare apenas os mais abastados conseguiam lugares sentados. No miolo houve tempo para “Dream Job” ou “Petroleum”, antes das mais orelhudas “Dark Days”, “The Overload” e “The Trapper’s Pelts”. Ainda que com a prontidão comunicativa, cujas letras e humor negro muito passam pela oposição ao capitalismo, gentrificação e classes sociais, os Yard Act tardam em materializar em palco o potencial registado em estúdio.

 

Quem chegou à hora de abertura de portas deparou-se com os frenéticos Snõõper. O som rápido da banda foi anulado pela reverberação da sala ainda vazia, perante algumas dezenas de pessoas, pelo que não terá sido a melhor amostra para se julgar em palco os autores de Super Snõõper e Worldwide. A vocalista Blair Tramel pulou e direccionou gestos de coração para quem manifestou apreciá-los, mas o som emaranhado não correspondeu à parte visual do quinteto de Nashville – a banda chegou munida com as suas já reconhecidas figuras de papel maché e Blair chegou a carregar uma para o centro da plateia, dançando e interagindo com quem tenha encontrado nos minutos finais de “Running”. A atitude DIY estendeu-se à etapa seguinte, quando a banda carregou o seu próprio material e acenou sem nunca largar o sorriso.