Fotos: Marina Silva | Texto: David Matos | Agradecimentos: organização do Porto Prog Night
Com outubro no seu derradeiro alento, a cidade invicta quis desafiar a tendência de decaimento do outono, dando luz à noite com o nascer de um novo evento. O Porto Prog Night realizou-se no passado dia 26 de outubro, no Auditório CCOP, reunindo quatro das mais entusiasmantes bandas progressivas portuguesas, todas com a particularidade da sua voz se fazer ouvir no feminino.
Na sala de tamanho médio, uma considerável multidão de proggsters preencheu o espaço, sem o esgotar, mas em número suficiente para as bandas atuarem para uma moldura humana confortável. As condições de som do espaço revelaram-se satisfatórias, ainda que a nitidez das vozes sofresse às vezes de um ligeiro efeito de “poço”. Mas não houve detalhe técnico que impedisse esta noite de roçar a perfeição, com cinco prestações exímias, das quatro bandas e do incansável público.
Fiquem com o nosso sincero testemunho abaixo exposto, daquela que esperemos ter sido a primeira de muitas edições desta noite progressiva que se ergeu a norte.
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Living Tales
Oriundos da cidade que batiza o festival, couberam aos Living Tales as honras de abertura desta edição inaugural do Porto Prog Night. Passavam 30 minutos das 19 horas, quando o quarteto subiu a palco, executando o tema título do novo álbum, Hades. Apesar de alguns problemas iniciais com o som do microfone, depressa a questão foi resolvida e pudemos apreciar a performance teatral da banda em todo o seu esplendor.
A brasileira Ana Isola é a vocalista apenas desde 2021, mas isso não impediu que tornasse sua Mirror Cage, amostra singular do álbum Mirror, lançado no ano da pandemia. A interação com o público manifestou-se desde o início, sendo que a massa humana inicialmente ainda tímida foi progressivamente aquecendo e participando com mais vigor. Seguiu-se uma odisseia de 15 minutos, com Odyssey do álbum Persephone a puxar o lado mais progressivo da banda, ainda que assente numa forte vertente sinfónica.
A meio do tema, sob o som de violinos, eis que surge um inesperado convidado especial; o alarme de incêndio do auditório quis aproveitar a parte mais calma da música para cantar, persistindo ainda durante uns minutos até finalmente se calar. A reta final fez regressar o submundo de Hades, primeiro com Labyrinth e depois com Persephone, dois dos temas mais empolgantes do novo disco, que levaram a(o) bom Porto um concerto que, apesar das dificuldades técnicas alheias à banda, resistiu às adversidades e conquistou a plateia.
Setlist: Hades | Mirror Cage | Odyssey | Labyrinth | Persephone
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Needle
O segundo ato da noite viajou de Guimarães e fez cair sobre a plateia Fall, álbum de estreia editado em 2023. 12:14 não era a hora, mas sim a música de abertura, desenrolando consigo o tapete sonoro de rock progressivo e atmosférico que banda e público pisariam durante 45 minutos. Depois daquele final delicioso, com o solo bluesy, o baixo quente do Kevin e a versão mais cristalina da voz da Soraia, seguiu-se Elude, quase 9 minutos onde uma onda reminiscente do Damnation dos Opeth se fundiu com uns The Gathering circa if_then_else, elevando os Needle a fasquia da noite com o brilhantismo de composição.
Depois do celestial coro dos dois guitarristas, sob o som de guitarra acústica, que abriu caminho a um solo em pranto, novo tema e novo coro, mas desta vez com apenas um dos guitarristas e a vocalista, evocando a musa grega da eloquência e poesia épica Calliope. A cada minuto, a cada acorde, a cada melodia, parecia que o entusiasmo da plateia crescia, rendida a uma execução instrumental e vocal sublime que foi constante ao longo de toda a atuação.
Converge, o EP de estreia, não foi esquecido, com Collision a ser entoada de seguida, com direito a uma dedicatória anónima para alguém no público e um inesperado mas pujante scream final da Soraia. De regresso ao Fall, tocado quase na íntegra, foi a vez do single Castles brilhar, envolvendo em muralhas de energia sonora a sala, que vibrou com o breakdown da bridge. No entanto, o tema mais aplaudido da noite foi mesmo The Absconder, com o balanço perfeito entre peso e melodia.
Da primeira para a última música de Fall, o aceno de despedida teve a assinatura de Greed, dando uma primeira metade de melancolia contida lugar a um final de caos contagiante, que saltou para a plateia com um mosh na qual a Soraia também participou. Visivelmente satisfeitos, a banda agradeceu e o público também, numa sinergia arrepiante que apenas a música tem o dom de invocar.
Setlist: 12:14 | Elude | Calliope | Collision | Castles | The Absconder | Greed
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Rei Bruxo
Passavam 40 minutos das 21 horas quando chegou o bruxo régio para, numa sala aberta, apresentarem o seu Quarto Fechado. Muito Longe de Errado, cantar rock progressivo e experimental em português é perto de perfeito, sobretudo quando executado com a mestria dos Rei Bruxo. Depois da longa viagem que foi o tema de abertura, chegou Ultra-pan-óptico, com um drone introdutório a levar a versos naquilo que descreveria como “proggtishead”, com uma secção de rap no meio e o final onde a Sofia Faria viu, e viu, e viu, de forma sofrida.
Por esta altura, já o público estava encarcerado numa Cela de Nada, onde tudo era experimentalismo, com riffs de metal a espreitar e a bateria do Marcelo Aires tão caótica quão ritmicamente perfeita. Depois da tempestade, a bonança, com Ricardo Pinto a sentar-se ao piano para O quê quando palavras idas?, uma balada de amigos imaginários poliglotas que colocou em grande plano a simultaneamente frágil e segura voz da Sofia.
E Marte? Marte chegou, envolvendo o público com a sua ciclópica bruma, com Plutão a evocar um explosivo breakdown. Continuando pel’O Quarto Fechado, Não Doeu semeou ventos de stoner e o público aproveitou para o mosh e até uma amostra de crowd surfing. O final aproximou-se, e trouxe Lucky com ele. Ele entrou a mentir, dizendo “nada aqui foi ensaiado”, uma impossibilidade musical, pois em palco, o quarteto apresentou-se como “o mais perfeito dos plurais”.
Perante o monarca feiticeiro que se agigantava em palco, o público respondeu “tudo em nós são ouvidos”, absorvendo cada onda sonora como quem respira auditivamente, aplaudindo efusivamente a cada tema. Mas eis que chegou a hora do rei deposto, cujo último suspiro em Lucky Sem Pozzo trouxe um riff introdutório mais proggy, o regresso do rap e o final de música de elevador, que desceu para nos levar de novo à terra. Provavelmente um dos melhores concertos a que assisti este ano.
Setlist: Longe de Errado | Ultra-pan-óptico | Cela de Nada | O Quê Quando Palavras Idas? | E Marte? | Não Doeu | Entra Lucky | Lucky sem Pozzo
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Phase Transition
Faltavam 10 minutos para as 22 horas, quando sonoridades cinemáticas anunciaram a chegada dos Phase Transition, últimos a subir a palco. A responsabilidade de estar à altura dos concertos anteriores era enorme, mas foi com medo ausente que o quarteto portuense se entregou ao público. Depois da abertura com Your Guide, Sofia Beco anunciou que iriam tocar pela primeira vez o seu álbum de estreia, In Search Of Being, na íntegra.
Arrancou por isso Dichotomy, faixa de abertura do referido trabalho, onde durante dez minutos guitarra, baixo, bateria, violino e voz se entrelaçaram naturalmente, numa pré-anunciada simbiose mutualística. Apresentadas todas as peças com que a banda joga o seu xadrez musical, foi a vez do single Becoming, (R)evolution lançar as hostes num headbanging feroz, que levou ao inevitável mosh pit. O refrão contagiante é das melodias mais memoráveis do álbum, o solo de guitarra do Luís Dias é energizante e o violino da Sofia que se segue dá um toque celestial, tudo a um ritmo galopante, que bateria e baixo ajudam a manter.
Não menos interessante foram as crises existenciais em Veil Of Illusions, com um início que bebe da fonte de inspiração que são os Dream Theater, mas depois trilha o seu próprio caminho, numa amálgama de diferentes partes que a banda tornou fácil coexistirem numa só música. O momento mais emotivo da noite deu-se ao som de Shadows Of Grief, dedicada à falecida mãe do baterista Fernando Maia, a Helena, cujo nome significa luz brilhante e foi devidamente homenageada com as luzes dos telemóveis a inundarem a plateia, quais estrelas imortais.
Agradecimentos feitos, era chegada a hora da despedida, com The Other Side a contar com o convidado Ricardo Pereira dos Moonshade, emprestando os seus imponentes guturais que tão bem contrastaram com a doce voz da Sofia no refrão. Depois desta primeira secção, que teve pequenos traços de Between The Buried And Me e protagonizaram o momento mais pesado de toda a noite, com o pedal duplo do Maia a debater-se furiosamente com um violino tempestuoso, foi a vez do Luís brilhar novamente, primeiro com uma técnica impressionante enquanto batalhava com o violino, depois com a emoção crua do solo final.
Mas se ao público escapou algum destes pormenores, foi porque estavam divertidamente distraídos a brincar com gigantes bolas negras que foram lançadas para a plateia, tornando este último fôlego do Porto Prog Night numa celebração festiva, animada e, honestamente, que já deixa saudades.
Setlist: Your Guide | Dichotomy | Becoming, (R)evolution | Veil Of Illusions | Shadows Of Grief | The Other Side























































































































