Fotografia: Nuno Bernardo
No programa da 21ª edição do OUT.FEST foi apresentada a reflexão da existência de um subtítulo adequado ao festival. Nas primeiras edições o evento apresentou-se como um “Encontro de Música e Imagem do Barreiro”, cunho para um levantamento de tudo o que é sonoro e visual. Desde 2009, no entanto, o OUT.FEST alongou-se com o subtítulo “Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro” e daí já mais conclusões se podiam tirar. O termo “exploratória” surgiu «como uma reacção ao mais óbvio – e então mais gasto – epíteto “experimental”, palavra tão repetida que perdeu o peso, o sentido, o risco». A equipa Ruído Sonoro que cobre o festival desde 2012 testemunhou já várias roupagens do que pode ser sonicamente exploratório no contexto do evento barreirense: existe uma resistência inerte à simplificação (que é em iguais partes irónico, contraditório e acertado) e um leque de infinitas chances de mutação. O OUT.FEST «é muitas coisas, já foi muitas outras e poderá ainda ser muitas mais».
Não há fórmulas totalmente estabelecidas no que toca à construção do alinhamento. O OUT.FEST moldou a sua própria comunidade a não ter expectativas sobre o que aí vem no ano seguinte. Tal como a cidade que o alberga, o festival é um organismo vivo e em constante transformação.
A contextualização é algo que faz parte do festival e não são incomuns as talks promovidas durante o evento. Este ano o festival arrancou precisamente na Cooperativa Mula com uma conversa com Erik Dæhlin, compositor norueguês a quem foi encomendada uma obra para ser apresentada no coração fabril do Barreiro como derradeiro espectáculo. No dia seguinte, a 2 de Outubro, houve conversa entre Matilde Meireles e Raquel Castro no Auditório da Casa da Cidadania Cabós Gonçalves, novo espaço recuperado no centro da cidade.
Das palavras passou-se finalmente à música com o pontapé de saída dado na SIRB “Os Penicheiros” no período da tarde, com as composições de gaita-de-foles de herança galega de Carme López e ainda com a electrónica experimental do sistema semi-modular de rashad becker. Ainda nessa quinta-feira após o jantar, a ADAO abriu portas com o ruído e ao drone intenso de Leila Bordreuil. Seguiu-se uma inédita e surpreendente actuação de Wolf Eyes & DJ Nigga Fox, unindo a instituição do noise de Michigan e o prodígio da label Príncipe. A noite terminou com a palavra ritmada de billy woods, um dos expoentes do hip-hop underground que carregou consigo o ambiente fantasmagórico de GOLLIWOG um ano depois de ter visitado o festival enquanto metade de Armand Hammer.
Depois de novas talks na Casa da Cidadania Cabós Gonçalves, desta vez uma com Carme López e outra com João Polido, voltou-se à SIRB “Os Penicheiros” para dois concertos ao final de tarde. Ao set de ϙue acompanhado visualmente por equii, dois artistas da diáspora ucraniana em Portugal, somaram-se as batidas texturizadas de Beatrice Dillon. À noite, na ADAO, a fragrância de patchouli e os incensos queimados criaram a atmosfera certa para os encantamentos de Masma Dream World com o seu ambiente negro e o drone tribal. Entre as duas salas do piso térreo da ADAO foi-se alternando com alguma continuidade em modo duplas: do drone jazzístico de David Maranha & Rodrigo Amado passou-se à derrocada doom de Divide and Dissolve, antes de esbarramos na euforia do digicore dos japoneses BBBBBBB, que muitas vezes reclamaram o Barreiro como «a cidade nº 1». O crescendo acabou por colidir com o anti-climático dub e rock de Devon Rexi, antes dos decks para o final da noite serem assumidos por upsammy.
O sábado do OUT.FEST dividiu-se, como habitualmente, em dois momentos. A meio da tarde foi proposta uma rotação de salas, arrancando-se inicialmente entre a SIRB “Os Penicheiros” e a Sala 6. O ambient e a sensibilidade exploratória estiveram em foco em cada actuação, com funcionário, Martina Berther, Rai Tateishi (com processamento de efeitos por Koshiro Hino), Tashi Dorji, Joana Guerra & Yaw Tembe e Miki Yui a motivarem a romaria entre as duas salas localizadas no centro do Barreiro. Para terminar a tarde e elevar o número de bpms (ou até, finalmente, introduzi-los neste dia), Lord Spikeheart e bbb hairdryer foram o combustível para a energia calorosa da Gasoline.
De noite voltou-se à ADAO com algum repouso musical via Amuleto Apotropaico e Ghost Dubs, antes de se ser novamente sugado para um vórtex vertiginoso: do grind imundo de Cuntroaches, que suscitou muito mosh e crowdsurfing, até pareceu natural o shift para o abanar de ancas do tribalismo de HHY & The Kampala Unit. Daí partimos novamente para as guitarras com Moin, numa espécie tímida de supergrupo a fazer noise rock de linguagem muito própria, para então terminar a noite com as misturas frenéticas para o baile às mãos de Tayhana.
A última tarde do OUT.FEST serviu como epílogo dominical no coração industrial da cidade. O PADA, espaço de residências artísticas e experimentação, recebeu as apresentações artísticas de micro-residência tekhnē de seis nomes emergentes, antes de Matilde Meireles apresentar no mesmo local a sua nova composição que entrelaça o arquivo Cidade Som (o arquivo sonoro do Barreiro dinamizado desde 2011 pela OUT.RA, associação responsável pelo OUT.FEST) com gravações feitas pela própria. Já fora de portas, as bancadas-vestígio do antigo campo de futebol de Stª Bárbara serviram de auditório para a primeira metade da apresentação da peça original de Erik Dæhlin, inspirada pela história industrial da cidade. O espaço envolvente foi preenchido pelas marchas da Banda Municipal do Barreiro, que se cruzou com o Grupo Coral TAB na estrada antes da plateia ser convidada a caminhar até ao Mausoléu de Alfredo da Silva, onde se juntou o Grupo de Percussão da Orquestra de Câmara Portuguesa para fazer cair a noite e arrancar os derradeiros aplausos do OUT.FEST com uma carta de amor ao legado do Barreiro.






































































































































































































































































































































