Beth Gibbons no Coliseu dos Recreios. Um ritual emocional em forma de concerto

Fotografia e Texto: Ana Ribeiro (Grifus)

Passavam cerca de dez minutos das 21h do dia 16 de Julho quando Beth Gibbons subiu ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, com a mesma aura misteriosa e vulnerável que a tornou uma figura de culto na música contemporânea. A icónica vocalista dos Portishead apresentou-se fiel à sua postura discreta e introspectiva, descalça, de silhueta meio escondida entre sombras e fumo. Gibbons provou mais uma vez que não precisa de muito para capturar a atenção de uma sala inteira — basta-lhe a voz.

E que voz. A sua assinatura vocal continua inconfundível: frágil, mas profundamente expressiva; delicada, mas carregada de uma força emocional rara. Gibbons não canta apenas: ela, ao expor-se, como se cada nota fosse extraída das profundezas de uma memória ou de uma dor antiga, leva o público nessa viagem sensorial, onde na sua simplicidade existe uma entrega tão real e pura capaz de furar até ao mundo interior dos mais duros.

A acompanhá-la estiveram sete músicos que ajudaram a criar um pano de fundo instrumental denso e transcendente. O ambiente visual hipnótico tinha uma nuvem constante de fumo e um jogo de luzes entre o azul profundo, o vermelho quente e tons brancos cortantes criaram uma atmosfera quase ritualística, à imagem da mística sonora que sempre rodeou Beth.

O alinhamento centrou-se no seu mais recente trabalho a solo, Lives Outgrown, um álbum muito pessoal, introspectivo e emocionalmente carregado com memórias da própria. O novo single “Floating on a Moment”, o terceiro tema a ser tocado na sua construção lenta e subtil, foi um dos momentos altos. Entre os temas escolhidos, Gibbons resgatou ainda dois momentos marcantes da sua colaboração com Rustin Man: “Mysteries” e “Tom the Model”, esta última num arranjo mais dinâmico, que despertou discretos movimentos de dança entre os mais arrojados da plateia e ambos os temas bastante apreciados pelos presentes.

Apesar da intensidade contida que o espetáculo pedia (ignorando um ou outro membro disruptivo que rapidamente foi silenciado pelos restantes) que pautou o espetáculo, o público respondeu com calor e respeito com uma ovação prolongada até ao regresso ao palco para o encore, onde Beth Gibbons ofereceu aquilo que muitos ansiavam: “Roads” e “Glory Box”, dois clássicos intemporais dos Portishead, com arranjos musicais obviamente diferentes, o que pouco importou aos presentes. Nesta recta final, a entrega tanto do público como de Beth foi igualmente emocionada e emocional, selando o concerto com um sentimento de comunhão rara onde novamente se viajou até aos anos 90 e às diversas memórias que cada um dos presentes criou com essa banda sonora da vida.

Beth Gibbons continua a ser uma artista ímpar: alguém que se recusa a seguir fórmulas ou a acomodar-se ao passado apesar de se inspirar no mesmo e na sua nostalgia para as suas criações. A sua música não é feita para consumo rápido. A sua música exige presença, escuta e entrega. E, em troca, oferece momentos de beleza bruta e sensorial que ficam a ressoar muito depois da última nota.

Após “Reaching Out”, o esgotado Coliseu dos Recreios voltou gradualmente ao seu estado adormecido.