Alexandra Ramos

The Exploited no RCA Club. Nem o punk nem a música estão mortos

Texto: Filipe Silva | Fotografia: Alexandra Ramos

Bem-vindos de volta a mais um capítulo do diário de bordo deste vosso humilde escriba. Já vai algum tempo desde a última vez que vos escrevi sobre um qualquer evento presenciado, culpa da arrasadora pandemia que assolou não só o nosso país, mas o mundo inteiro. No entanto, desde os finais do ano passado que temos assistido ao regresso aos concertos em Portugal, um pouco aos solavancos, mas sempre carregados de grandes doses de esperança às costas. Na passada noite de 10 de Abril, no entanto, o maior raio de luz possível desceu até nós, o derradeiro sinal de que os concertos voltaram finalmente em força. Falo, como o título acima indica, do tão aguardado regresso a terras lusas por parte dos The Exploited, uma das míticas bandas progenitoras do punk rock que actuaria nessa noite no RCA Club, em Lisboa. A última vez que Wattie e companhia tiveram encontro marcado com o público português fora no já longínquo ano de 2015, portanto as expectativas estavam em alta, especialmente tendo em conta que para muitos dos membros da audiência, este iria ser o primeiro concerto pós-pandémico. Mas antes de nos podermos encontrar com as lendas escocesas, tínhamos de sobreviver ao encontro com dois outros grupos emblemáticos da cena punk.

Os Lion’s Law foram a banda escolhida para abrir as hostilidades. Naquele que fora o primeiro concerto da banda francesa em Portugal, o grupo liderado por Victor Lapprend trazia na sua bagagem The Pain, The Blood and The Sword, o seu mais recente disco com o qual dispararam rapidamente em todas as direcções através de temas como “PBS” e “The Reaper”, assim como temas de lançamentos passados, como “Our Generation”, “Lafayette” e “Knock’em Out”. Sem qualquer motivo ou vontade de ficar meramente a observar o portentoso furacão que se encontrava em palco, o público mexeu-se de imediato, dando mote aos primeiros circle pits e stage dives que marcariam permanentemente presença durante toda a noite. “Watch’em Die”, “Zonard” e a simbólica “For My Clan” deram por terminado um concerto altamente competente por parte dos franceses que serviu como um óptimo aquecimento para a total tempestade que ainda se avizinhava.

 

Sem grandes demoras, fora a vez dos enormes The Casualties voltarem a pisar solo nacional. Entrando em cena ao som da clássica “I Fought The Law” dos The Clash, os nova-iorquinos não perderam tempo a tornar o espaço do RCA Club num autêntico campo de guerra. Num piscar de olhos, os corpos dos presentes dobravam-se e desdobravam-se com os constantes encontrões, voos e consequentes quedas, enquanto vozes berravam e cantavam em uníssono os temas que os Casualties iam desfilando a alto e bom som – temas esses como “Chaos Sound”, “My Blood, My Life, Always Forward”, “Punk Rock Love”, “Ashes of My Enemies” e “So Much Hate”, estes últimos dois pertencentes ao seu último disco até à data, Written in Blood. Por entre o concerto ainda ouve tempo para duas devastadoras walls of death organizadas pelo vocalista David Rodriguez, que não se fez de rogado e se juntara ao público na linha da frente. O final, talvez ele o momento mais marcante de toda à noite, sem querer desfazer todos os artistas presentes nesta magnífica noite, fora sublinhado pelo impressionante stage dive de Rodriguez, que saíra lançado dos braços do imenso público que estava presente no palco durante “We Are All We Have”, tema que encerraria o melhor concerto da noite.

 

Classificar o concerto de Casualties como o ponto alto da noite não quer por isso dizer que os cabeças-de-cartaz ficaram muito atrás, antes pelo contrário; se há algo a reter deste evento é que velhos são os trapos e os The Exploited estão mais vigorosos que nunca. Regressando a Portugal ao fim de sete anos, o lendário grupo escocês não dera sequer momentos de trégua para o público, abrindo novamente o campo de batalha com “Let’s Start a War”, “Fightback” e “Dogs of War”, três dos temas mais avassaladores do seu repertório. Ao longo do concerto, puderam-se também ouvir temas tão icónicos quanto “Beat the Bastards”, “Fuck The System”, “Chaos Is My Life”, “Fuck the USA”, “Was it Me”, “Punks Not Dead” e “Sex & Violence”, esta última também a contar com o público em cima do palco, assim como a imponente “Troops of Tomorrow”, um original dos The Vibrators que se toma como indispensável em qualquer concerto dos Exploited. Ao mesmo tempo que voavam estes e outros temas consagrados dos Exploited, observava-se novamente um autêntico cenário dantesco e apocalíptico semelhante ao concerto anterior, com corpos em constante modo alado, mosh pits em perpétuo movimento turbulento e vozes incansáveis que ressoavam ferozmente todas as letras de cada um dos temas ouvidos. Nota especial para o sempre afável Wattie, que usara todas as oportunidades possíveis para se dirigir ao público e agradecer a sua presença, aludindo inclusive a uma passada experiência terrível pela qual passou aquando uma das últimas visitas da banda por terras lusas, esperando sempre que tal não se voltasse a repetir – e não se repetiu, felizmente. Limpos os destroços causados por tão magnânima e obliterante noite, recupera-se algum do fôlego perdido no regresso a casa. «O punk não está morto» fora o lema de toda a noite, mas na humilde opinião deste vosso escriba, o lema poderia ser estendido para «a música ao vivo não está morta». Não está de todo morta e felizes somos nós por isso.