Quinze vezes em que o OUT.FEST nos surpreendeu nos últimos anos

O OUT.FEST – Festival Internacional de Música Exploratória do Barreiro arranca esta sexta-feira, 5 de Outubro, para a sua 15ª edição. Desde 2004 que têm dado ao Barreiro a música mais desafiante, inclassificável e até irrepetível, oriunda de vários continentes e a representar diferentes gerações em mais de trinta espaços e salas da cidade da Margem Sul. Portanto celebrar quinze anos é igualmente um desafio para um festival que se reinventa e se reformula como pode.

Esta edição será o início de uma nova viagem, em múltiplos sentidos, ao abrir um novo capítulo de reaproximação com o centro da cidade num formato que obriga a uma exploração (e circulação) ainda mais profunda em apenas dois dias. Assim será possível, na tarde do segundo e último dia, conhecer e visitar vários espaços dinâmicos do Barreiro – uma visita ao Lado B e à Escola de Jazz do Barreiro abre portas a Lea Bertucci, Kaja Draksler e Clothilde; a sede do Futebol Clube Barreirense terá entrada livre para concertos de Kerox, Odete, Império Pacífico e Opus Pistorum; a Biblioteca Municipal reza a história de Rafael Toral, Cândido Lima e Ricardo Rocha; isto enquanto no Largo do Mercado 1º de Maio, ao ar livre, se celebra com HHY & The Macumbas e Jimi Tenor. A tarde que se transforma em noite prossegue nos Penicheiros, um dos centros da noite barreirense, com Fret (aka Mick Harris), Linn da Quebrada, Lotic e Yek: Burnt Friedman & Mohammad Reza Mortazavi. Os desvios do núcleo do festival fazem-se tanto para a ADAO, casa do dia final das últimas edições, com Nídia, Group A, Telectu, Toda Matéria e João Pais Filipe na sexta, assim como para o Edifício A4 Baía do Tejo, com Anton Nikkilä e Vladimir Tarasov na tarde de sexta e DJ Lycox e John T Gast nos afters de sábado.

Não havendo dúvidas que a reformulação e a nova vida deste festival proporcionarão novas surpresas, também sabemos apreciar a página que fica para trás e que funciona como alavanca da memória sempre que o nome OUT.FEST é colocado na discussão das melhores memórias que a música exploratória proporcionou nos últimos anos. Acompanhamos o festival de perto desde 2012, em formato reportagem, e não temos problema em exercitar algumas dessas lembranças.

1. The Fall, em 2013

Quem diria que seria no Barreiro que Mark E. Smith se despediria de Portugal? Há cinco anos atrás os The Fall (na foto do artigo) desbravaram o OUT.FEST num concerto no Pavilhão dos Ferroviários, num espectáculo que teve tanto de estranho como de sobrenatural. Um cocktail de palavrões resignados e uma presença singular ali a escassos metros de qualquer um dos presentes, é inegável que um dos momentos mais marcantes do festival passou por aquela aflição iminente que era ter Smith a deambular o seu post-punk em cima de um palco.

2. Steve Gunn, em 2012

Não foi a única vez que o Steve Gunn passou pelo festival – ia até repetir a dose um ano depois, com a companhia de Mike Cooper – mas quando o fez em 2012, as circunstâncias permitiram entender um talento e um potencial únicos diante de pouco mais de três dezenas de pessoas. Foi no Teatro do Barreiro, agora conhecido também como ArteViva, e com um cartaz dividido a meias com Helena Espvall. Apresentou a sua folk quente de cenários suburbanos da América ocupada e acabou a partilhar o palco com a sueca e o seu violoncelo. Aos olhos do Barreiro, o nova-iorquino deixou ali de ser um colaborador de Kurt Vile para passar a ser o Steve Gunn, que mais gente acabaria por reconhecer alguns anos depois.

3. Black Dice, em 2017

Memória recente, mas igualmente fresca. Os Black Dice, no mesmo ano em que celebraram vinte anos da sua formação, ferveram por completo a garagem da ADAO. Ritmos frenéticos, desintegração musical e beats viciantes que se alongaram aos corpos de quem não arredou pé do noise impulsionado por Bjorn e Eric Copeland e Aaron Warren. Uma performance irrepetível de sorrisos e danças constantes.

4. Peter Brötzmann & Steve Noble, em 2014

Tal como Steve Gunn, também Peter Brötzmann bisou e visitou o OUT.FEST em anos seguidos. O primeiro deles foi com Steve Noble, prolífico baterista britânico que experimenta o jazz à sua vontade, e o mítico saxofonista alemão gozou de uma parceria de fazer cair o queixo. O concerto foi no então Be Jazz, actualmente Lado B, e um misto de arrepios vindo do sopro e do levantar dos sobrolhos sempre que Noble descaracterizava a forma comum de explorar uma bateria como meio de percussão.

5. Laraaji, em 2015

O mestre Laraaji não carregou a paz nas condições meteorológicas e o seu concerto, agendado para o encerramento do OUT.FEST daquele ano, acabou por migrar do átrio da Escola Conde de Ferreira para o interior da Escola de Jazz do Barreiro. O espaço aberto transformou-se numa cápsula do tempo e da meditação, de corpos estendidos e de cabeças desligadas, numa completa lição de yoga e de tranquilidade, mas sobretudo de um domingo de chuva em paz.

6. Faust, em 2014

O que é certo é que a Detroit portuguesa (ou chamamos Detroit a versão americana do Barreiro?) recebeu os Faust. E deteve os Faust durante uma semana – um nome incontornável do krautrock alemão que aproveitou a estadia para recolher vestígios de indústria e de construcção civil para aumentar o arsenal que acabou por apresentar em palco no Pavilhão dos Ferroviários. Em palco uma betoneira, um sem fim de metais, uma rapariga a tricotar e ainda uma tela a ser pintada, musicados pelo peso alemão em colaboração com músicos barreirenses.

7. Lee Gamble, em 2013

O Auditório Municipal Augusto Cabrita foi um dos palcos para a edição de 2013 do OUT.FEST e o londrino Lee Gamble um dos seus ocupantes. Cedo as paredes do auditório se transformaram em veículo de reverberação de batidas portentosas e de ambientes psicologicamente densos. Uma jornada cósmica por entre o sci-fi sónico e a cadência geométrica das ondas deixou os presentes agarrados aos seus assentos durante cerca de uma hora.

8. Dean Blunt, em 2014

Talvez devido à sua abordagem mais sui generis, o misterioso Dean Blunt terá protagonizado um dos contrastes mais desconcertantes do festival. O imenso fumo e a escuridão que serviram de longa introdução tenderam para o infinito e a sua invisível presença, ao contrário das luzes estroboscópicas que ladearam o palco da Casa da Cultura, contribuiu para que a mística e a incompreensão dessem as mãos.

9. Matana Roberts, em 2015

Um dos mais sonantes nomes da vaga jazz e experimental norte-americana da última década, a saxofonista e artista visual Matana Roberts tomou a Escola de Jazz do Barreiro para uma atenta apresentação do capítulo final da sua trilogia Coin Coin, abordagem contemporânea sobre temas ancestrais e históricos sobre a canção americana e o que a rodeia.

10. Kevin Drumm, em 2012

Apesar de ser preciso recuar à primeira edição do OUT.FEST da qual fizemos reportagem, a memória de Drumm no Convento da Madre de Deus da Verderena persiste na forma de drone abrasivo e de um sinuoso trabalho modular que cresceu em decibéis de forma contida. A reverberação do convento deu dimensão-extra à força dos graves que acabaram por tomar o espaço nos instantes finais e ficou a certeza de que a conta igreja+drone só pode dar bom resultado.

11. The Ex, em 2014

A partilhar o dia e o palco do Pavilhão dos Ferroviários com Faust, os holandeses The Ex foram veículo de jazz punk de catarse industrial que numa hora deslindou toda a mutação discográfica de espírito livre. Luzes quentes, pingas de suor a descer cordas de guitarras barítonas e todo um bater de pé colectivo das primeiras às últimas filas já em horas avançadas.

12. This Is Not This Heat, em 2017

Tal como os Black Dice, outra memória mais recente e no mesmo espaço, apenas um pouco antes no que diz respeito à hora temporal. Também nome de peso da veia mais experimental do rock dos anos 70 e eventualmente 80, os This Heat podem-se assumir como uma das influências mais notórias de uma série de bandas de renome da década seguinte. A reunião (que não é uma reunião) sem o falecido Gareth Williams carregou ainda assim Charles Bullen e Charles Hayward, acompanhados por banda que incluiu ainda Daniel O’Sullivan, ao Barreiro em mais um daqueles que terá de ser tomado como um dos momentos definitivos da história do festival.

13. MOHN, em 2013

Tal como Lee Gamble, também MOHN tomaram os graves do PA do Auditório Municipal Augusto Cabrita no mesmo ano, no mesmo dia. A dupla composta por Wolfgang Voigt e Jörg Burger, dois veteranos da cena electrónica do centro da Europa, alavancou uma experiência audiovisual que ilustrou os trabalhos desenvolvidos nas carreiras de ambos.

14. Acid Mothers Temple, em 2016

Uma das mais prolíficas identidades do rock psicadélico vindo do sol nascente contribuiu para a elevada lotação da ADAO. A difícil circulação na sala, outrora um quartel de bombeiros, teve estrondo rock’n’roll como banda sonora. Onda de extravagância, momentos de erotismo e Makoto Kawabata, o líder da companhia, a despedir-se de palco com a sua guitarra pendurada no topo do palco.

15. Golden Teacher, em 2015

Da distante Glasgow natal para a ruína industrial barreirense, foi na ADAO que os Golden Teacher empilharam entusiasmo e foi fonte de dança constante, mesmo desprovidos de uma das vozes. Som disco, percussão sincopada e experimentalismo cru sobre uma noite excitante fizeram deste um dos melhores concertos dos últimos anos em todo o festival.

Fotografia e texto: Nuno Bernardo