Existe algo intrinsecamente suspenso nas linhas de Reaching For Indigo: este novo álbum de Circuit des Yeux, projecto a solo de Haley Fohr, explora e dedica-se a um dia em que a própria sofreu uma transformação emocional guiada pela ansiedade. Não deve ser menos desconfortável imaginar que tal experiência está traduzida em música pronta a apresentar numa tour, mas Reaching For Indigo sugere até a interpretação individual de quanto espaço, afinal, pode ocupar esse desconforto.
«I promise to take up space / I can only promise to take up space», cantou-nos na introdutória “Brainshift” no passado domingo na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa. Voz barítono com alcance de quatro oitavas, Fohr abraçou rapidamente uma plateia sobre as notas evasivas em plano de fundo azul, lembrando-nos de uma certa forma da vibração de Nico ou da trágica Diamanda Galas. Quatro minutos volvidos e à saída do refrão final com «You’re just a container containing space / During this brainshift» o aquário da ZDB apercebeu-se da magnificência do acontecimento.
Acompanhada por Whitney Johnson no violino, Andrew Scott Young no contrabaixo e Tyler Damon na bateria, Fohr liderou um ensemble pendular que numa só “Black Fly” conseguiu ser psicadélico e turbulento. «Nobody said it was easy / But it was so easy», assim se faz parecer uma canção de arranjo tão simples e sublime em igual proporção. As faixas de Reaching For Indigo não foram nunca descendentes da aflição transformativa de Haley, ganhando até novos revestimentos salientes sempre que as cordas de Whitney e Andrew se alinhavam na leve perfeição durante períodos instrumentais. Apresentado o núcleo do disco na íntegra, um primeiro encore surgiu após longa ovação e ocupou-se com “Fantasizing The Scene” e “Acarina” em visita aos anteriores In Plain Speech e Overdue, respectivamente.
Para um segundo encore, arrancado a ferros por uma ovação ainda mais duradoura, surgiu sozinha em palco e deu-nos uma versão muito sua de “Fruits Of My Labour”, de Lucinda Williams, grata pelo aconchego cordial de uma experiência mútua. Porque ao vivo Haley Fohr consegue metamorfosear Reaching For Indigo numa espécie de antagonista do esmorecimento, independentemente de traumas reminiscentes da sua origem.
Texto: Nuno Bernardo