James Kelly tem sido um dos mais prolíficos músicos da última década. Há dez anos iniciava a sua aventura enquanto Altar of Plagues e hoje é WIFE, uma resposta electrónica mais pessoal e abstracta ao black metal que produziu até ao derradeiro Teethed Glory and Injury. Depois do EP de estreia Stoic e do álbum What’s Between, Standard Nature é o seu novo registo, lançamento que se prepara para apresentar numa digressão europeia com Oathbreaker e com passagem dupla nos nossos palcos – dia 26 de Novembro no Musicbox, Lisboa, e no dia seguinte no Cave 45, Porto.
A antecipar essas datas, James contou-nos mais sobre a sua abordagem em WIFE, os seus processos criativos e a sua contribuição para a cena do metal.
Revelaste as primeiras músicas de WIFE em 2012, e no ano seguinte houve uma clara mudança de direcção na música dos Altar of Plagues, incorporando electrónica ao longo do Teethed Glory and Injury. Houve algo de específico nessa altura que despertou o teu interesse por música electrónica (ou que te tenha deixado confortável em relação a lançar música nesse estilo)?
Não propriamente – tive um interesse por música electrónica ao longo de toda a minha vida (começando pelo primeiro álbum que alguma vez amei, The Prodigy – Music for the Jilted Generation), mas o metal tornou-se no meu interesse principal quando os Altar of Plagues começaram a exigir mais do meu tempo. Estive sempre, silenciosamente, a aprender a produzir música em plano de fundo desde que AoP começou. Eventualmente cheguei ao ponto em que me senti confiante o suficiente nas minhas capacidades e comecei a incorporar alguns elementos “electrónicos” no TGAI e é por isso que o TGAI soa como soa. Diria, contudo, que o início do dubstep (antes de se tornar horrível!) foi muito inspirador para mim e redespertou o meu amor por música electrónica. Apesar da atmosfera provavelmente ser diferente, entusiasmou-me da mesma forma que a música pesada o fez anteriormente.
Alguns artistas, como o Tim Hecker, são conhecidos por completar dezenas de versões da mesma música antes de conseguirem escolher a que soa “melhor”. É mais difícil para ti lançar música enquanto artista a solo? Em Altar of Plagues sempre podias ter o input dos outros músicos, ao passo que em WIFE és responsável por toda e qualquer escolha.
Sim, é algo com que definitivamente luto e que me obriga a trabalhar constantemente para melhorar. Produzir a tua própria música é incrivelmente recompensador em alguns aspectos e muito difícil noutros. Tento não pensar excessivamente nas coisas, mas também estou muito habituado a trabalhar sozinho. AoP era uma banda mas ainda assim era tudo composto por mim, por isso de certa forma também era um projecto a solo. Tento encontrar um equilíbrio – por um lado deve haver um investimento na produção, mas por outro não deve ser exagerado.
Hoje em dia tens algum tipo de processo fixo? Escreves primeiro as letras, ou encontras samples que te inspiram, ou inventas em frente ao computador até algo te soar bem?
Não tenho um processo fixo propriamente dito, mas ouço frequentemente a música na minha cabeça mesmo antes de começar a escrever. Isto aconteceu tanto com AoP como com WIFE. Às vezes começa com uma batida ou com uma linha de voz. Não há uma fórmula, mesmo. Com uma banda, sente-se frequentemente que há um processo de adição, de camadas de instrumentação, ao passo que com música eletrónica às vezes sinto que é como se estivesse a montar um puzzle intrincado.
Apesar de, através de lançamentos constantes de nova música, já teres provado que WIFE não foi uma breve experiência, disseste no passado que não esperavas que Altar of Plagues durasse tanto quanto durou. Qual é o futuro de WIFE?
Não penso lá muito nisso. Passei muito tempo a explorar o meu amor por metal e a escrever esse tipo de música e sinto que consegui mais com isso do que alguma vez podia ter imaginado. Ainda estou a começar a explorar os interesses que tenho em WIFE e não os imagino a mudar nos próximos tempos. Mas algumas das coisas que inspiraram o meu trabalho enquanto AoP também inspiram WIFE, afinal de contas sou a mesma pessoa e consigo certamente encontrar semelhanças entre os dois projectos.
Numa entrevista recente, e por contraste com o EP Stoic, parecias insatisfeito com alguns meios-termos a que tiveste de chegar em What’s Between. Será justo dizer que este novo Standard Nature é um regresso às origens de WIFE?
Para mim, Stoic foi uma espécie de acidente feliz – ainda não tinha verdadeiramente desenvolvido as minhas competências enquanto produtor, mas no processo de aprendizagem fui capaz de criar algumas faixas com as quais estou muito feliz. O álbum What’s Between é uma história diferente e sim, infelizmente é algo que não correu como planeado. Foi um processo muito difícil e comecei a fazê-lo sem estar certo daquilo que queria criar, pelo que no fim ficou um bocado desmazelado. Mas estou tranquilo quanto a isso e prefiro ser honesto em relação a ele!
O Standard Nature parte de onde Stoic ficou e explora os mesmos interesses que sempre tive. No What’s Between também evitei deliberadamente usar sons agressivos/pesados de que gosto porque queria fazer algo de menos pesado, ao passo que com o Standard Nature, e com trabalhos futuros, quero fazer algo que use muito mais esse tipo de sons.
E a nível das letras? Como dirias que mudaram ao longo destes últimos anos?
Com AoP, as letras eram mais angustiantes, sombrias e tinham tendência a ser um pouco menos pessoais. WIFE pode ser mais pessoal e por vezes mais abstracto. Depende mesmo de como me estiver a sentir quando começo a escrever. Mas, quase sempre, as letras virão após a música. Prefiro deixar a energia da música influenciar as letras, em vez de escrever música que acompanhe letras previamente escritas.
Às vezes há quem tenha preconceitos em relação a músicos que passam de um estilo para outro. Tendo em conta que ainda te moves em diferentes circuitos ou cenas, alguma vez sentiste que alguém te via como “o tipo que costumava fazer black metal” ou “aquele gajo que abandonou a cena black metal”, ou qualquer coisa assim?
Acho que não, e se alguém o pensou certamente não mo disse directamente. Não sinto de todo que tenha abandonado o metal. Contribuí com três álbuns nos quais me entreguei por inteiro, e eles parecem ter formado uma ligação com as pessoas. Tenho orgulho em deixá-los viver, e toda a gente os pode experienciar para sempre. Acho que este desejo de ter os nossos músicos favoritos presos numa bolha onde eles fazem e refazem diferentes versões do mesmo álbum uma e outra vez é deprimente. Francamente, há muitas coisas na cena metal que realmente detesto, e precisava de me afastar disso também.
Pelo que entendo, escolheste o nome do projecto em parte para transmitir a mensagem de que músicas melosas podem partir tanto de homens como de mulheres, que ver emoções como algo de feminino não só é errado mas contraproducente. Isto está correcto?
Sinto que o nome é, para mim, uma espécie de travestismo. Depois de passar tantos anos na cena hiper-agressiva e “máscula” do metal, precisei de me distanciar. Por outro lado, também não posso dizer que pensei muito sobre o assunto, por isso sinceramente não sei se há alguma explicação verdadeira. Acho que um psicólogo o poderá explicar melhor do que eu!
Esta é opcional, mas gostava de saber se tens alguma opinião sobre o novo álbum de Oathbreaker, tendo em conta que vais tocar com eles e que eles também parecem estar a avançar numa direcção distinta do som que tinham originalmente.
Estou a gostar muito do álbum. Da primeira vez que o ouvi senti arrepios e esse é o maior elogio que posso dar a qualquer música! Estou entusiasmado com a ideia da tour em conjunto e penso que os nossos estilos se devem complementar mutuamente. Com sorte, o público pensará o mesmo.
Entrevista: Daniel Sampaio