Quem é Elizabeth Bernholz e que tipo de relação a une a Gazelle Twin? A pergunta parece-nos pertinente no sentido de compreender o alias artístico que a britânica encarna em palco sob um hoodie azul, meia branca até meio da perna e collant enfiado pela cabeça abaixo, numa autêntica declaração de ódio ao seu «eu» real, sob a forma daquela bizarrice quase Ballardiana.
A desconstrução física e quasi-material dum corpo que se escuta em Unflesh é arrastada de forma soberba para um palco, somando à visceralidade e propriedade orgânica que se ouve em disco uma claustrofobia e tensão palpáveis. Os beats e sintetizadores maquinais são forrados a grunhidos, gritos e suspiros, como se naquele exacto momento contemplássemos todo o mal dum qualquer mundo de Elizabeth a ser expelido dos seus pulmões e garganta fora. A britânica parece ter encontrado no microfone que empunhava que nem arma de fogo o catalisador perfeito para exorcizar os seus demónios mais profundos, e não podemos deixar de crer que em alguns momentos vimos mesmo alguns deles soltarem-se do seu corpo de forma violenta e a encher a sala, à medida que a víamos contorcer-se e a entregar o seu corpo à fúria das pistas sobre as quais fazia cair a voz.
O concerto durou pouco mais de trinta minutos, tendo havido tempo para vermos Gazelle Twin disparar “Unflesh” na íntegra (ou na sua quase totalidade, pelo menos). Destaques para a visceralidade de “Human Touch”, com a sua sucessão de expirações bem sonoras e com carácter quase predatório, e para “I Feel Blood” pela atmosfera quase embriagante que cria. Não é possível pedir muito mais a Elizabeth Bernholz depois de a termos visto deixar um bocadinho de si em palco e por sermos capazes de imaginar a transposição do desgaste que uma actuação assim deixa para trás, e deixou, inclusivamente em quem estava deste lado.
A primeira parte da noite esteve a cargo de ∆TILLL∆, projecto do português Miguel Béco.
Texto: Rui P. Andrade
Fotografia: Renato Cruz Santos