16 de Julho de 2012 tornou-se uma data com peso emocional bastante elevado, com o falecimento de um dos génios musicais dos últimos 60 anos, Jon Lord. Compositor, pianista, organista e produtor é agora reconhecido na Ruído Sonoro com a SEMANA JON LORD, no nosso facebook, e com este artigo, especialmente, escrito para dar a conhecer a sua vasta carreira. Uma carreira com mais pontos altos do que baixos, dominada essencialmente pelos Deep Purple e a sua carreira a solo. Na quarta-feira, 16 de Julho de 2014, passará dois anos desde o seu falecimento.
(Serão feitas muitas supressões, sendo reveladas e enunciadas os factos mais importantes, à semelhança com ESPECIAIS anteriores.)
Deep Purple (1968-1976)
Falar de Deep Purple é falar de Jon Lord e falar de Jon Lord é falar de Deep Purple. Um dos fundadores de uma das maiores bandas de hard rock/heavy metal de todos os tempos teve aqui o seu maior sucesso comercial e discográfico, numa banda que só abandonou, verdadeiramente, em 2002. Lord é conhecido por ter sido, muitas vezes, o apaziguador das várias disputas entre Ian Gillan e Ritchie Blackmore, e a “espinha dorsal” tanto técnica como pessoal dos Deep Purple.
Não quero contar a história que se pode ler em qualquer artigo do género sobre o artista, mas é importante focar a formação dos Deep Purple como início da nossa ‘narrativa’. O ‘Mark I’ como ficaria conhecida a primeira formação do grupo com Simper, Lord, Blackmore, Lord e Paice, juntou-se por sorte e mero acaso, já que apenas alguns se conheciam, e os cinco não eram um grupo de amigos. Lord queria fazer uma banda com uma sonoridade diferente, mais inovadora e atrevida. Através de Chris Curtis, companheiro de quarto, Lord conheceu Tony Edwards, que viria a investir no grupo e a ajudar a formar uma banda que realizasse os prospectos de Lord. Jon Lord conheceu uns tempos antes Ritchie Blackmore e Nick Simper, e com a vinda de Edwards como ‘gestor’ e ‘investidor’ na banda, Lord decidiu contactar os dois músicos, de forma a construir um grupo sério e que realizasse os seus desejos musicais. Rod Evans só se tornou conhecido dos restantes durante uma audição, na qual foi escolhido, trazendo Ian Paice, que se tornou num dos símbolos do grupo e um dos grandes amigos de Lord.
Os lançamentos de Shades of Deep Purple e The Book of Taliesyn, em 1968, foram significativos para a formação do rock psicadélico, progressivo e com uma toada mais tóxica, principalmente, a nível instrumental. No entanto, apenas com o álbum homónimo, de 1969, a banda conseguiu atingir um apogeu e uma significância ao nível do rock progressivo e psicadélico. Apesar de ter havido uma alteração na formação do grupo, em 1970, com a entrada de Ian Gillan e Roger Glover, é de especular quão espectacular poderia ter sido o futuro do grupo se tivesse mantido a mesma sonoridade e a mesma formação. Penso que seria, de facto, brilhante pelo menos na década de 70, onde o psicadélico e o sucesso “andaram de braço dado”, podendo sofrer alguma repercussão nos anos 80, mas com a mudança necessária no estilo musical, os Deep Purple poderiam ter tido tão ou mais sucesso do que têm e tiveram ao longo de todos estes anos.
Com a formação da ‘Mark II’, dá a sensação que Jon Lord e o restante grupo deu um grande ‘salto’ em termos qualitativos, levando ao limite todas as suas capacidades técnicas, com discos memoráveis como In Rock, Machine Head e o próprio Who Do We Think We Are. A vinda de Glover e Gillan veio modificar a sonoridade do grupo para algo mais heavy metal e hard rock, e foi Jon Lord, o grande fundador, que fez força para que tal acontecesse, revolucionando a indústria musical para sempre.
Após as saídas de Gillan e Glover e as entradas de David Coverdale e Glenn Hughes, o grupo seguiu numa sonoridade mais funky, sendo por isso considerada uma era menos feliz por uma boa parte dos fãs e crítica profissional. Burn, que segundo Lord foi o álbum certo na altura certa com a direcção que a banda queria ter. É um disco bastante bem sucedido e um dos melhores do grupo, no entanto o seguinte, Stormbringer, levou à saída do ‘mestre dos mestres’ Ritchie Blackmore. Apesar de ninguém esperar, Lord e restante banda decidiram prosseguir com outro guitarrista, Tommy Bolin, lançando o bastante credível Come Taste The Band.
Em 1976, Deep Purple encerram actividades, com Jon prosseguindo outros projectos e dando oportunidade para desenvolver a sua carreira a solo.
Entrevista Jon Lord & Glenn Hughes Phoenix Rising
Whitesnake (1978-1984)
Antes de me focar no regresso aos Deep Purple e, especialmente, na sua carreira a solo, Lord ainda teve um período significativo numa banda que se tornou icónica na qual teve um papel preponderante na sua promoção, Whitesnake.
Gravou com o grupo mais de metade da sua discografia, contando com seis discos em que teve presente desde Trouble, 1978, a Slide It In, 1984, sem contar com álbuns ao vivo. Saints & Sinners e Slide It In são os melhores dos seis gravados e em que Jon Lord teve um papel mais fundamental, apesar das datas serem bastante próximas da data da sua saída.
Whitesnake Live in Washington 1980
O facto dos dois discos acima serem melhores também influencia para a opinião de que Lord desempenhou um papel mais importante para esse sucesso. Apesar de Whitesnake ter tido e ainda ter um conjunto de fãs bem diferente dos fãs de Deep Purple, o facto de Cozy Powell, Ian Paice e Jon Lord terem feito parte do grupo durante alguns anos atraiu muitos fãs a ouvirem a sua música e ajudaram a torná-la mais heavy metal e hard rock do que foi após as suas saídas.
Deep Purple (1984-2002)
Foi um dos regressos mais inesperados, mas também um dos mais desejados da história do rock. O regresso às actividades dos Deep Purple provocou um ‘abalo’ na indústria musical, principalmente tendo em conta as guerras intensas entre membros do grupo e a mudança de direcção musical, razões que provocaram à sua cisão. Com um contrato de milhões de dólares, muitas dos problemas do passado parece terem sido esquecidos, e o grupo fez um regresso triunfante com o excelente Perfect Strangers, cujo single da faixa homónima apresenta todo o grupo em comunhão.
Foi a partir deste período que o artista aguçou a sua habilidade por outros tipos de música, como a música clássica e orquestralmente orientada. Muitas influências do género podem ser revistas nos álbuns de 1984, 1987, 1993 e 1996. Apesar de haver ainda alguma discussão sobre esta influência em muitas das faixas do grupo, neste período, é também certo afirmar que foi a partir deste momento que grande parte dos projectos paralelos do artista se baseavam na música clássica.
Penso que para o artista, este período poderá ter sido turbulento, tumultuoso, inspirador, bem-sucedido mas também revelador. As guerras que foram apaziguadas entre 1984 a 1989, voltaram à carga, provocando uma alteração na formação do grupo mais uma vez. Alguns dos problemas de saúde do artista voltaram a manifestar-se, nesse período, e foi com o descalabro emocional do grupo que Lord foi sofrendo consequências, saturando-o ao longo dos anos. Mesmo após a saída definitiva de Ritchie Blackmore, Lord permitiu a continuação do grupo e deu-lhe mais uma tentativa, lançando Purpendicular em 1996, disco que pode reflectir um pouco das amarguras e da mudança musical do grupo. Apesar da saída do seu membro mais espectacular, Purpendicular é um bom álbum, sendo até hoje o melhor de todos os discos lançados desde essa data.
Saltando alguns anos, 2002 marcou o encerramento das actividades de Jon Lord como membro activo dos Deep Purple, tendo sido segundo ele uma traumática decisão: “Deixar os Deep Purple foi mais traumático como sempre suspeitara, e mais ainda…”
Carreira a Solo
A paixão de Lord pela música clássica e pelo som orquestralmente orientado foi-se revelando ao longo da sua estadia nos Deep Purple, e foi cultivando essa paixão para na sua carreira a solo lhe dar maior relevância. São muitas as composições e discos que o artista de cariz clássico que lançou, apesar de só relevar os álbuns de estúdio, não é possível escapar às outras composições menos conhecidas.
Gemini Suite, 1971, é a sua primeira grande obra musical que foi essencial para posteriores lançamentos. Foi um disco gravado ao vivo, em 1970, com a The Light Music Society Orchestra, no Royal Albert Hall. Baseado em cinco grandes movimentos musicais e inspirados em elementos dos Deep Purple. Apesar de não ser a sua melhor peça musical, como referido acima, o disco teve uma importância enorme pela influência que exerceu sobre outros discos. Mais tarde, em 1974 sai Windows para as lojas, um álbum ao vivo conduzido por Eberhard Schöner, neste Lord mistura o clássico com o rock progressivo, o disco conta com Glenn Hughes, David Coverdale, Tony Ashton, Ray Fenwick, entre outros.
Jon Lord – Gemini Suite (álbum na íntegra)
Jon Lord – Windows (álbum na íntegra)
Jon Lord – Boom of the Tingling Strings (álbum na íntegra)
Jon Lord – Durham Concerto (álbum na íntegra)
Mais recentemente, Boom of the Tingling Strings, composição de piano finalizada em 2002, logo após a sua saída dos Deep Purple, e Durham Concerto, composição apoiada pela Universidade de Durham e interpretada ao vivo na Catedral de Durham. Estas últimas duas composições com maior ênfase na música clássica.
No que diz respeito a álbuns a solo, Sarabande (1976) é o seu melhor trabalho combinando o rock progressivo e música orquestralmente orientada de forma perfeita. Um claro 9/10, a caminhar para o 9,5, é uma nota mais que razoável para um disco com muitos pontos altos. O próprio Lord considera esta como a sua principal obra, onde tudo foi perfeito, tanto ao nível da produção como condução da orquestra. As composições são espectaculares e respectivas interpretações são exímias, com as faixas “Sarabande”, “Gigue”, “Bourée”, “Aria” e “Pavane” a merecerem maior destaque. Na minha opinião, Sarabande é a sua obra-prima, o ponto alto de uma carreira a solo invejável, que deve ser ouvido com muita atenção. Os fãs de rock progressivo, clássica e até jazz fusion vão adorar este disco!
Jon Lord – Sarabande (álbum na íntegra)
Seis anos depois, é lançado Before I Forget, um disco menos bem sucedido com menor orientação orquestral e comercialmente mais inclinado. Apesar de conter algumas faixas de grande qualidade e de cariz orquestral como “Before I Forget”, “Bach Onto This” e “Burntwood” estas são predominantemente dominadas pelo belíssimo piano de Jon Lord, e todas elas bastante emocionais. Estas contrastam com faixas como “Lady”, “Tender Babes” ou “Chance on a Feeling”, caracterizadas por um rock comercial e “amigo da rádio”. Apesar de eu achar que um disco deve ser consistente, se essa consistência não existir então a qualidade terá que ser garantida e o equilíbrio entre faixas assegurado. Com Before I Forget, esses aspectos são assegurados e apesar de não ser um disco espectacular como o antecessor, é garantidamente uma bela obra musical que satisfaz um amplo rol de gostos musicais.
Após o álbum de 1982, Lord como se sabe dedicou-se aos Deep Purple e ao seu regresso, não lançando nada em muitos anos. Apenas 16 anos depois do último lançamento, Lord lança o seu trabalho mais emocional e um dos meus preferidos. Pictured Within, um dos grandes discos da sua discografia e um dos mais introspectivos álbuns, dos últimos 20 anos na indústria musical, cimentando a sua paixão pela música clássica. A grande maioria das faixas são instrumentais, as que não são são interpretadas pela excelentíssimas vozes de Miller Anderson e Sam Brown. Poderá ser considerado um álbum conceptual sobre emoção, tristeza, sonho e esperança, mas também se aceita que não se considere como tal. Poderá ser sobre uma paisagem, uma realidade sonhada que nunca foi alcançada. Pictured Within pode ter diversas interpretações e é isso que o valoriza tanto. É um álbum que nunca será interpretado de ânimo leve devido ao peso emocional do disco. Está muito próximo da qualidade de Sarabande, apesar de não ser musicalmente tão ‘atraente’. “Sunrise”, “Pictured Within”, “From the Windmill”, “Wait a While”, “A Different Sky” e “Evening Song” são magníficas e ‘personificam’ tudo o que referi acima, serão músicas introspectivas, tristes ou alegres? Quem sabe… tudo depende da sua interpretação, é essa a magia do álbum.
Beyond the Notes (2004) e To Notice Such Things (2010) são os últimos discos de Lord, e seguem a mesma linhagem bem sucedida de Pictured Within. Conta com a participação de alguns dos mesmos músicos do álbum de 1998. Estes dois são, totalmente, clássicos e muito poucas são as faixas cantadas. Todos os álbuns de música clássica têm sempre uma componente conceptual, estes não fogem à regra e à semelhança com Pictured Within existe um grande fardo emocional que é estampado nas composições de Lord. O seu último disco, inclusivé foi dedicado ao seu amigo Sir John Mortimer, que morreu em 2009. Independentemente da emoção existente em todos os seus discos a solo, a qualidade era sempre garantida por aquele que é um dos maiores representantes do rock e heavy metal e que era um mestre da ‘ciência musical’. Os seus trabalhos a solo eram uma grande demonstração disso mesmo. A última faixa do seu último disco é intitulada “Afterwards” e foi lida por Jeremy Irons de um poema de Thomas Hardy e é uma excelente forma de recordarmos Jon Lord, mesmo não sendo essa a finalidade para que foi escrita inicialmente.
É claramente um dos grandes do seu tempo e a equipa da Ruído Sonoro dedicou-lhe mais de uma semana de vídeos e especiais em sua memória. Apesar de simples, é a nossa homenagem ao grande JON LORD.
“Working against a restriction – for me – often produces greater things than getting rid of all boundaries.” (by JON LORD – RIP 1941-2012)
Jon Lord – Honorary Degree – Universidade de Leicester
Jon Lord & Tony Ashton – “Silly Boy”
Malice in Wonderland (concerto na íntegra)
Deep Purple Royal Philarmonica Orchestra (concerto na íntegra)
Whitesnake – Slide It In (álbum na íntegra)
Blackmore’s Night – “Carry On…Jon”
Jon Lord – Afterwards – Poem by Thomas Hardy (read by Jeremy Irons)
// João Braga