ESPECIAL: RITCHIE BLACKMORE

Em honra ao aniversário que o “mestre dos mestres” Ritchie Blackmore celebra, escrevo este artigo sobre um dos melhores guitarristas de todos os tempos e também um dos mais controversos artistas da história da música. Este não é um artigo descrevendo a sua vida pessoal! É mais uma perspectiva pessoal da sua carreira musical, desde os tempos dos The Outlaws até o seu actual grupo, Blackmore’s Night. Tentando saltar alguns detalhes históricos da sua carreira, mencionando apenas o essencial para o desenvolvimento lógico do artigo.

O início de carreira (até 1968)

ritchie_2Desde o início da sua carreira musical Blackmore destacou-se por ser diferente, ele tocava guitarra de uma forma mais inovadora e mais “desprendida” que muitos outros guitarristas da época. Antes dos Deep Purple, a banda mais conhecida do músico foram os The Outlaws onde gravou diversos singles e participou de forma activa na história discográfica da banda. Para além dos The Outlaws até 1968, tocou ainda com Michael Cox, Dave Adams, Glenda Collins e The Tornados, entre outros. Finalmente em 1968 chega um convite de Chris Curtis para Ritchie integrar um grupo chamado Deep Purple, na altura formado por Jon Lord, Ian Paice, Rod Evans e Nick Simper. É a partir deste ano que o “mestre dos mestres” se evidencia de todos os outros. É sem dúvida uma das maiores bandas de todos os tempos e das mais importantes para o heavy metal e o hard rock, e é muito por causa da técnica e do estilo do guitarrista que a banda atingiu tal nível.

Deep Purple (1968-1975)

RBApós o lançamento de Deep Purple, que pouco reconhecimento comercial teve e da falência da sua produtora da altura, Tetragrammaton, o grupo achou que precisava de algo mais. Paice, Lord e Blackmore achavam que precisavam de substituir os restantes membros de forma a tomarem um caminho mais direcionado para o heavy metal e o hard rock que os tornou tão conhecidos. Após alguns encontros com a banda, Roger Glover e Ian Gillan entraram para os Deep Purple e compuseram o seu primeiro single intitulado “Hallelujah“. Logo neste single se denota a diferença de som da banda, principalmente nas composições de guitarra, de reparar no “grito” e no peso dos riffs de Blackmore nesta faixa lançada em 1969.

Apesar das substituições terem resultado musicalmente, dá a sensação que a banda foi vítima do seu próprio sucesso. São conhecidas as guerras pessoais entre Ian Gillan e Ritchie Blackmore, e tudo começou após o lançamento do In Rock. Mas mais à frente vou destacar essa altura tão conturbada da banda, principalmente entre o vocalista e o guitarrista. Claramente a melhor formação da banda foi este Mark II, que lançou um conjunto de álbuns de extrema importância para a história do metal e do rock. As composições de guitarra em In Rock mudaram a face da indústria musical. Faixas como: a épica “Child In Time”, a rápida “Speed King”  e a estranha “Bloodsucker”  demonstram o atrevimento de Blackmore na guitarra e a revolução que a banda preparava.

Apesar de Fireball ser um álbum bastante bom, gostava de saltar à frente para destacar o lançamento em 1972 de Machine Head e do álbum ao vivo Made In Japan que lançaram a banda e principalmente a cabeça de Blackmore para o estrelato.  O álbum é perfeito em todos os aspectos (performance, produção, originalidade, criatividade, concepção, etc…) mas de destacar a performance de Blackmore que faz aqui a melhor performance da sua carreira. Machine Head é considerado como um dos melhores álbuns de todos os tempos, muito devido aos viciantes riffs e loucos solos do guitarrista. Depois veio Made In Japan e foi aí que a tensão entre o grupo começou a escalar níveis nunca dantes vistos. Devido à importância que a banda já tinha à altura, um dos motivos mais fortes para a crescente tensão na banda, foi claramente o tempo passado em tour que foi, segundo a banda, demasiadamente excessivo levando à saturação das relações entre o grupo.

Deep Purple – Machine Head (álbum na íntegra)

Deep Purple – Made In Japan (álbum na íntegra)

ritchie-blackmore-5Para piorar a situação o sucesso começou a “subir à cabeça” de Ritchie após o lançamento de Machine Head. Os aviões privados, limusinas, idas para os concertos em separado, dinheiro e assistentes privados para o guitarrista começaram a ser uma constante que aos poucos levou a separação da banda. O guitarrista era cada vez mais exigente com os seus pedidos de milhares de dólares e tornou-se por demais viciado na sua “auto-adoração”. Talvez pelo melhor a banda separou-se após o lançamento de Who Do We Think We Are em 1973, apesar de ser um álbum credível é claramente o pior trabalho do Mark II e comercialmente também não singrou. Seguiram-se Burn e Stormbringer em 1974 já sem Ian Gillan e Roger Glover. A meio de 1975, Blackmore decide deixar os Deep Purple frustrado com a direcção musical mais “funky” que Glenn Hughes e David Coverdale estavam a dar à banda.

Rainbow (1975-1984)

250px-Rainbow_27091977_02_500bAnsioso por criar um novo projecto Blackmore inicia com Dio uma banda direcionada para o hard rock e o rock progressivo, Rainbow. Claramente esta formação com Ronnie James Dio foi a mais bem-sucedida, seja como for, os Rainbow com Graham Bonnet e Joe Lynn Turner foram também muito importantes para o rock e merecem elevado destaque. Não só na composição das letras das músicas, mas também as suas composições de guitarra tiveram uma enorme importância para o crescimento dos Rainbow. Álbuns como Ritchie Blackmore’s Rainbow e Rising são fundamentais para a solidificação dos Rainbow na história da música. Posso, também, incluir como importantes os álbuns Down To Earth, Difficult To Cure e o subvalorizado Stranger In Us All, este último lançado numa década difícil para o rock.

Também gostaria de destacar os excelentes instrumentais compostos por Blackmore nos Rainbow. Não é muito fácil encontrar instrumentais dele e portanto gostaria de os destacar pela sua qualidade e técnica: “Vielleicht Das Nächste Mal (Maybe Next Time)”, “Anybody There”, “Difficult To Cure” e “Weiß Heim são belos exemplos da técnica “mestre dos mestres”, sendo a primeira e a terceira as minhas faixas favoritas.

Rainbow – Ritchie Blackmore’s Rainbow (álbum na íntegra)

Rainbow – Rising (álbum na íntegra)

Rainbow – Down to Earth (álbum na íntegra)

Rainbow – Difficult to Cure (álbum na íntegra)

As tensões existentes nos Rainbow nunca se tornaram tão conhecidas como as tensões nos Deep Purple, seja como for são conhecidos alguns episódios interessantes. Por exemplo, em 1979, o lendário Ronnie James Dio foi despedido sem motivo aparente e ambos nunca mais se voltaram a falar, igualmente estranhos foram os despedimentos de Bonnet e Lynn Turner. Relatos directos destas histórias podem ser vistos no fim deste artigo (pequeno documentário).

Deep Purple (1984-1993)

deep-purple-2Apesar dos problemas que o grupo tinha, o tempo que tiveram separados e os milhões de dólares pareciam chamar os membros para um regresso relativamente inesperado. Por algum tempo o bom ambiente e o respeito reinou, principalmente durante a gravação de Perfect Strangers, um dos melhores álbuns da banda e um dos mais importantes para o rock e metal. De seguida veio o lançamento em 1987 de The House of Blue Light que pode ser considerado um sucesso já que teve uma recepção aceitável seguida por uma tour mundial. Em 1990, já com Ian Gillan fora da banda devido aos problemas que tinha com Ritchie Blackmore o grupo lança o que poderá ser o seu pior álbum da era-Blackmore, intitulado Slaves and Masters. Só em 1992, Gillan regressa ao grupo para nunca mais sair.

Em 1993, sai o credível The Battle Rages On…, o último álbum da era-Blackmore. Foi neste ano que as tensões entre Gillan e Blackmore azedaram ainda mais, chegando até a serem visíveis em público nos diversos concertos em que a banda tocava. Em 93 a banda mal comunicava em palco, exceptuando algumas situações obrigatórias para a execução das músicas. No último concerto da banda com o guitarrista é notória a falta de empatia entre o grupo. É difícil acreditar que se conheciam há mais de 20 anos, e que nesses anos partilharam diversas experiências, convivendo e trabalhando juntos. No último concerto do guitarrista com a banda, como referi acima, a relação passou a extremos impensáveis de serem vistos em público por parte de um grupo de profissionais. O episódio em que Blackmore atira uma garrafa de água a Ian Gillan  – na faixa “Highway Star” – ou então o “olhar mortal” que o guitarrista lança a Gillan – na faixa “The Battle Rages On”. Independentemente do mau ambiente, o último concerto é uma excelente demonstração da qualidade da banda e da qualidade do guitarrista. Nesse ano o guitarrista abandona definitivamente os Deep Purple.

Ian Gillan vs Ritchie Blackmore – batalha de palavras

Claro que a saída do guitarrista foi benéfica para aliviar a tensão na banda, mas musicalmente sou da opinião que a banda tem descido a níveis consideráveis, e que claramente o abandono de Blackmore levou a “um esvaziamento de talento e criatividade”. Desde a sua saída, os álbuns têm sido muito abaixo da média para não dizer medíocres, exceptuando Purpendicular (1996), Rapture Of The Deep (2005) e o mais recente disco Now What?! (2013).

Rainbow (1994-1997)

doogie and ritchie on stageEsta foi mais uma reformação do grupo com um novo elenco, agora com Doogie White como vocalista. Destes três anos resultou um bom álbum intitulado Stranger In Us All, e uma série de bons concertos pela Europa e Ásia. Novamente  de realçar a difícil década para o rock, à altura dominado pelo grunge e pelo alternativo. Mesmo assim este lançamento de 1995 consegue ser um álbum de destaque na discografia dos Rainbow.

Rainbow – Stranger In Us All (álbum na integra)

É por muitos dos fãs da banda como um álbum à parte da restante discografia. Eu penso que é claramente um disco subvalorizado que não tem a atenção devida. Ritchie Blackmore faz a sua melhor performance desde 1990 com destaque para faixas como: “Black Masquerade”, “Ariel”, “Hunting Humans (Insatiable)” ou “Too Late For Tears”.

Foi em 1997 que acaba o percurso verdadeiramente rock e heavy metal do guitarrista, a partir desse ano parte para uma aventura completamente diferente, formando uma banda com a actual esposa chamado Blackmore’s Night.

Blackmore’s Night (1997-)

O guitarrista deixa, por agora, a música mais pesada para se dedicar a algo que sempre gostou…o medieval e o renascimento. Com Candice Night forma em 1997 o que é actualmente considerado como um dos melhores grupos de folk rock, o Blackmore’s Night. É com Candice que mantém uma relação pessoal, mas também mantém a maior relação profissional da sua carreira. Em 1998 lança o primeiro álbum da banda, e  partir daí tem sido sempre a subir com receitas garantidas todos os anos. Apesar de pessoalmente não ser um fã deste estilo, devo dizer que mesmo assim o guitarrista conseguiu singrar e fazer bons álbuns. Dá a sensação que aos poucos Blackmore parece querer incutir uma cultura mais rock neste folk, compondo faixas com elementos instrumentais bastante “rockeiros”. Independentemente do estilo de música, em cada álbum de Blackmore’s Night nota-se a magia do guitarrista e sente-se que é ele. Abaixo seguem, o que na minha opinião são os melhores álbuns do grupo até agora. O mais recente disco do grupo, Dancer And The Moon, apresenta-se como o lançamento mais rock da discografia e inclui uma dedicatória sentida ao seu ex-colega Jon Lord que morreu em 2012, “Carry On… Jon“.

Blackmore’s Night – Fires At Midnight (álbum na íntegra)

Blackmore’s Night – The Village Lanterne (álbum na íntegra)

Blackmore’s Night – Dancer And The Moon (álbum na íntegra)

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Apesar de ser uma pessoa muito difícil de trabalhar, na minha opinião, o artista revela a capacidade rara de tornar todas as bandas em que participa num sucesso. Desde 1968, esteve em três bandas diferentes e todas elas com sucesso e pioneiras no estilo em que se dedicam. Deep Purple está claramente no top 5 das mais importantes bandas do rock e heavy metal; Rainbow foi crucial para o desenvolvimento do rock progressivo e do heavy metal; Blackmore’s Night é uma das principais bandas do folk rock actual. As diferenças são enormíssimas entre as três bandas, mas todas elas são um culto para qualquer fã de boa música.

Pessoalmente, não sou um fã da escolha de estilo de música que o guitarrista tomou desde 1997, mas devo confessar que tomou a atitude mais “responsável”. É vergonhoso ver estrelas do rock e metal a tornarem-se em “dinossauros de palco” e a tentarem ser algo que já não são. O “mestre dos mestres” tomou uma decisão segura e formou uma banda com a esposa, algo que posso chamar como uma zona de conforto. Blackmore’s Night tem uma posição sólida no cenário musical do folk rock, com concertos marcados para todos os anos e álbuns de estúdio com promoção assegurada. Tudo isto se deve à posição de Blackmore e de toda a história que ele carrega nos “seus ombros”. O guitarrista com perto de 70 anos achou por bem mudar o estilo e tem-se saído bastante bem.

Claramente a sua personalidade não é a mais fácil e é muitas vezes criticado por não ter qualquer tipo de emoção perante relações de longa data, basta verificar os despedimentos de muitos dos artistas com quem trabalhou. Não sei ao certo qual a relação que terá com muitos dos seus colegas, mas não deverá ser a mesma que antigamente. Seja como for, é para mim o melhor guitarrista de todos os tempos juntamente com Jimmy Page e David Gilmour, independentemente da sua personalidade. Muito dificilmente surgirá alguém como ele ou os dois mencionados acima, gostaria de ver pelo menos mais um álbum de Ritchie Blackmore que fosse verdadeiramente rock e que tivesse a sua personalidade musicalmente mais pesada.

Documentários:

Critics Talking About Ritchie Blackmore

Ritchie Blackmore (Pequeno documentário)

Ritchie Blackmore Guitar God: 1/5, 2/5, 3/5, 4/5, 5/5

Outros álbuns essenciais e concertos:

Deep Purple – Shades Of Deep Purple (álbum na integra)

Deep Purple – The Book Of Taliesyn (álbum na íntegra)

Deep Purple – Deep Purple (álbum na íntegra)

Deep Purple – In Rock (álbum na íntegra)

Deep Purple – Burn (álbum na íntegra)

Deep Purple Royal Philarmonic Orchestra 1969 (concerto na íntegra)

Deep Purple live at Granada TV 1970 (concerto na íntegra)

Rainbow Live in Munich (concerto na íntegra)

Rainbow Live in Japan 1984 (concerto na íntegra)

Deep Purple Live at Rockpalast 1985 (concerto na íntegra)

Deep Purple Come Hell Or High Water (concerto na íntegra)

Blackmore’s Night A Knight In York (concerto na íntegra)

Entrevista a Ritchie Blackmore 2013 (entrevista na íntegra)

Ian Gillan sobre Ritchie Blackmore (declaração telefónica)

// João Braga