A propósito do lançamento do seu primeiro álbum, Fado Menor, a Ruído Sonoro esteve à conversa com Paulo Moreira, vocalista da banda Espelho Mau.
Paulo Moreira: O Espelho surge em 2007. Os “treinos” começaram no início de Abril desse ano, mas a formação só ficou definida em meados de Julho, comigo, o Alex Hellraiser e o Nuno Soares. E o Espelho surge porque todos tínhamos ideias para fazer música, tínhamos saudades de estar (no nosso caso) na garagem a fazer barulho. E, conscientemente, sabíamos que se resultasse poderíamos passar à fase de apresentar os temas ao vivo. Quando levávamos três anos de estrada, o Nuno deu por encerrado o trajecto dele em Espelho Mau e iniciou-se a comissão de serviço do Pedro Vieira, que está connosco há pouco mais de dois anos e é o responsável pela engenharia sonora do Espelho.
RS: Porquê o nome “Espelho Mau”?
PM: Porque vivemos num mundo de imitadores em que o caderno da escola foi substituído pelo “caderno de esmola”. Porque a música não foge à regra e há demasiada gente a puxar-te o tapete. No entanto, mesmo assim, há sempre quem viva na ilusão do “Espelho meu, espelho meu, há alguém…?” E o conceito é o espelho responder: “Olha bem à tua volta. Este é o canto da garagem (da vida?) de onde até os ratos fugiram. Só ficaste tu!”
RS: Fado Menor é o vosso primeiro álbum de originais, apesar de a banda já existir há alguns anos. Porque é que só agora é que decidiram lançar um álbum?
PM: Porque só agora fomos convidados a gravá-lo. O Charles Sangnoir já tinha apostado em nós em 2008, o que então resultou no split “Gay Music for Straight People… e Outras Estórias”, com o projecto dele, La Chanson Noire.
Desta vez, ele considerou que podia fazer-se uma aposta mais séria, apenas em Espelho, e o que era para ser um EP acabou por ser o nosso álbum de estreia. Mas, repito, sem as condições que ele nos propôs teria sido impossível. E talvez não tivéssemos um produtor tão bom, especialmente porque nos conhece muito bem e sabe o que pode “espremer” dos três.
RS: Como é que foi o processo de gravação e de criação, e o que é que podemos esperar deste lançamento?
PM: O processo de gravação foi algo inesperado. Foi tudo muito rápido, porque sabíamos muito bem o que queríamos, tínhamos definido tudo com o Charles antes de irmos para estúdio, e assim é relativamente fácil.
Quanto ao processo de criação, foi o mais normal possível: gritaria, álcool em geral, rock n’ roll, tabaco, cerveja em particular, degustação visual dos atributos físicos das moças (e menos moças) que passavam à porta da garagem quando fazíamos os nossos intervalos – mas só das que valiam a pena, que isto há que economizar.
RS: O nome “Fado Menor” remete, desde logo, para uma influência do Fado na vossa música. De que forma é que podemos encontrar a presença dessa influência nas músicas dos Espelho Mau?
PM: O nome “Fado Menor” remete desde logo, para um destino inferior. Para heróis invisíveis e para os acólitos da Igreja de Nossa Senhora dos Papalvos. Claro que o fado está presente no que fazemos, porque o verdadeiro fado remete para o lado da vida que todos tentam esquecer embriagando-se de imprensa cor-de-rosa. O nosso “Fado”, porque as letras são quase todas minhas, fala de dor, de amor e de sonhos (mais feios que os pesadelos da maioria, mas sonhos). De modo mais evidente, está presente na guitarra do Alex e na interpretação vocal do tema título do álbum. Quanto aos outros temas, façam os trabalhos de casa…
RS: Para além do Fado, quais são as vossas outras influências?
PM: Quanto a influências, os clichês do costume: metal, industrial, gótico, 80’s, pop alternativo. E também “rancheras” mexicanas, música dos caçadores de cabeças do Mali, vozes búlgaras, música de corte da Coreia, a Dona Rosa e o Rancho Folclórico de Galegos Santa Maria – é preciso vê-los ao vivo para perceber esta afirmação, ou, dito de outra forma: eu tenho visão e os outros usam bifocais.
RS: Já tiveram entretanto a oportunidade de dar alguns concertos de divulgação do novo álbum. Como é que têm corrido?
PM: Têm corrido muito bem. Totalmente de acordo com as nossas expectativas. No primeiro, que foi de apresentação oficial do disco, nem sequer nos deixaram sair do palco no final do alinhamento. Sei que haverá quem tenha dificuldade em aceitar isso, mas pediram-nos o “encore” como se o mundo fosse acabar no dia a seguir. É uma evolução, mas ainda não chegámos àquela fase em que os pedidos são acompanhados por uma quantidade significativa de lingerie feminina atirada para o palco. Não sei se isso é bom ou mau…
RS: Tiveram inclusive a oportunidade de atuar como banda de suporte no concerto de Diary of Dreams em Lisboa, na República da Música. Como é que foi essa experiência?
PM: Foi muito interessante. Há para aí uma dúzia de anos que digo que eles são os melhores intérpretes mundiais do “negro electrónico” e, de repente, estamos a tocar com eles… A nossa actuação foi muito bem conseguida, a ponto de nos terem abordado para elogiar as nossas letras (!).
Mas o que me pareceu mais interessante foi isto: acabados de chegar, estávamos eu e o Pedro à conversa com o técnico de som deles quando o Gaun A. surge do nada e nos pergunta se éramos da banda de suporte. Respondemos que sim e ele, no seu inglês macarrónico, estende-nos a mão, apresenta-se, diz que é um prazer conhecer-nos e deseja que corra tudo bem. Acho que há muita gente do “negro” nacional que devia pôr os olhos nisto.
Ah, e o arroz de gambas estava uma delícia.
RS: Apesar do lançamento do novo álbum ser algo muito recente, já têm outros planos para o futuro?
PM: Claro que sim.
RS: Onde e quando serão os vossos próximos concertos?
PM: Por agora, temos apenas mais duas actuações confirmadas, ambas para Dezembro. No dia 14 actuamos no Fórum Cultural José Manuel Figueiredo (Moita), e no dia 22 fazemos o nosso concerto de Natal, intitulado “Kinky Christmas”, no Covil Bar (Almada).
Entretanto, estão a ser negociadas mais datas, o que me parece revelador do bom gosto das pessoas. Havendo fumo branco…
Fotografia de Carlos Ramalhete
Entrevista de Rita Cipriano