Ruído Sonoro à conversa com Ricardo Dias (HEAVENWOOD)

A Ruído Sonoro contactou Ricardo Dias, vocalista e guitarrista solo dos Heavenwood, que gentilmente nos respondeu ao presente leque de questões relativas ao novo trabalho, Abyss Masterpiece, e ao futuro da banda.

 

Ruído Sonoro: Abyss Masterpiece é o quarto álbum de originais dos Heavenwood. É esta a vossa “obra-prima”? No geral, o que podemos esperar deste novo trabalho e quais a diferenças em relação aos álbuns anteriores?
Ricardo Dias: Não considero a “nossa obra-prima”. O título Abyss Masterpiece é uma viagem ao lado mais negro do amor, ao retratar a capacidade de sentir as emoções positivas e negativas deste sem as ter experimentado, ou seja, tudo fruto da imaginação e de uma boa dose de sensibilidade. As principais diferenças entre Redemption e Abyss Masterpiece destacam-se ao nível da composição. Talvez um álbum mais “difícil de digerir” à primeira, é um álbum para descobrir, uma vez que tem inúmeros aspectos e pormenores musicais, líricos e, sobretudo, construção e desconstrução de ideias pré-concebidas em relação ao amor. Por vezes uma benção, por outras um fardo. Redemption foi um álbum mais “crú”, mais directo, mais rebelde e ao mesmo tempo um comeback a ferro e fogo!

 

Ruído Sonoro: Qual a temática das letras e de onde vem a inspiração para os temas que podemos ouvir no novo álbum?
Ricardo Dias: Fomos inspirados pelos poemas da D. Leonor para este álbum. Esses poemas são fruto de anos de clausura no Mosteiro de Chelas, desde os seus 8 anos até à idade adulta. Isolada e injustamente presa por um crime que os seus pais não cometeram contra o estado português, a Marquesa de Alorna consegiu desenvolver uma sensibilidade única para abordar o amor. A Natureza simbolizava para ela um  “ombro amigo” e a Religião e o Pensamento da época como um “tiro ao alvo”. Acima de tudo, fascina-me a sua capacidade de escrever sob clausura de sentimentos que existem apenas no coração e na mente dela. Uma viagem bem profunda ao abismo da alma. Além disso, retratamos também experiências pessoais de uma forma metafórica.

 

Ruído Sonoro: A mistura do Abyss Masterpiece esteve a cargo de Kristian “Kohle” Kohlmannslehner, que já produziu também para bandas como Crematory e Sieges Even. Como foi trabalhar com este profissional? Deu-vos algumas dicas importantes?
Ricardo Dias: O Kohle tem a mesma visão dos Heavenwood acerca de como um álbum de Metal/Rock deve soar, ou seja, orgânico, tocado com sentimento, mesmo quando se trata de partes mais agressivas. As orquestrações do Dominic Joutsen são muito importantes neste álbum, mas jamais poderiam ser a parte mais importante, iríamos perder a nossa identidade e esse foi o grande desafio, chegar a um equilíbrio em termos de força e melodia. O álbum consegue soar organicamente actual, é pesado quando necessário, “frio” também, mas por outro lado é melancólico e negro, consoante os temas e as palavras em causa. Não se tratou apenas de misturar um álbum de forma a ouvirmos tudo com bom som, existiu a prioridade de criar sensações à medida que ouvimos o álbum uma, duas, três ou mais vezes.

 

Ruído Sonoro: Sublinham as palavras do Kohle quando este diz que o álbum “é mais negro e pesado que o anterior, com uma atmosfera mais épica”?
Ricardo Dias: Sim, julgo que ele entendeu perfeitamente ao ouvir tantas vezes os temas na fase de mistura. O álbum consegue ser mais pesado, não apenas musicalmente mas também em termos de mensagem, ambiente… Algo entre o soturno e o melancólico. Tivemos a difícil tarefa de tentar transportar o ouvinte para o século XVIII sem entrar em clichets. Não é um “álbum bonito”.

 

Ruído Sonoro: Dez anos separaram Swallow de Redemption e apenas três separam este último do Abyss Masterpiece. É um sinal que os Heavenwood vieram para ficar, com lançamentos regulares?
Ricardo Dias: Não temos obrigação ou calendário para lançar álbuns. Compomos com sentimento, portanto o próximo álbum será lançado quando entendermos que existe algo de especial a transmitir musicalmente e liricamente. Neste momento existe a missão Abyss Masterpiece e como tal iremos apenas concentrar-nos nisso, uma vez que há muito terreno por desbravar por esse mundo fora.

 

Ruído Sonoro: Sensivelmente três anos após o vosso regresso ao activo, que balanço fazem deste “renascimento” dos Heavenwood? Muitos fãs por aí?
Ricardo Dias: Sim, é extremamente confortável verificar que temos fãs dos “8 aos 80” nos concertos e mesmo através dos emails que recebemos. Julgo que acabamos por ser eclécticos. Curiosamente, e em regra geral, o fã de Heavenwood é um fã “open minded“, uma vez que a nossa sonoridade não é estereotipada. Pode ser uma faca de dois gumes, ao sermos analisados em reviews por jornalistas parciais, mas “that’s life” e o que nos interesse a priori é estarmos satisfeitos com a nossa música. Quem a receber de braços abertos, óptimo, quem não gostar, não faltarão bandas para se ouvir.

 

Ruído Sonoro: Depois da Massacre Records e da Recital Records, os Heavenwood assinaram agora pela francesa Listenable Records. Como tem sido a experiência com esta editora?
Ricardo Dias: Estamos super satisfeitos com todo o empenho, paixão e profissionalismo que a equipa da Listenable Records tem proporcionado aos Heavenwood,. Tal como nós, acreditam, apreciam e sentem a música que fazemos. É ao mesmo tempo “romântico” experimentarmos este tipo de sensações em 2011, quando tudo é tão artificial, frio, mecânico e consumível. Temos padrões em comum, a Listenable é uma editora muito respeitada pelo mundo fora pela honestidade com que apresentam os seus álbuns e por jamais estar a lançar “o que está a bater”… Ouso perguntar “os Heavenwood estão a fazer música que está na berra?” Não! Isto responde também ao facto da Listenable ter interesse nos Heavenwood. Logicamente existe o background, anos de mercado internacional e feedback pelas várias cenas de metal pelo mundo fora. Foi quase que obrigatório termos uma editora com mais capacidade a todos os níveis que a Recital, não faria sentido todo o trabalho de laboratório, estúdio e conceito de Abyss Masterpiece ser lançado por uma estrutura, com todo o  respeito, limitada. A Recital está óptima para o mercado nacional, mas lá fora “a música é outra”, por diversos motivos.

 

Ruído Sonoro: Este regresso a uma editora estrangeira significa também uma vontade de maior projecção a nível europeu, com mais concertos e promoção em terras não lusas?
Ricardo Dias: Logicamente que sim, o factor promoção, distribuição e investimento pela parte da Listenable é algo de que temos plena consciência, uma vez que nos dias de hoje são muito raros os casos de aposta em novos valores. Para todos os efeitos, os Heavenwood são ainda desconhecidos para determinada camada jovem de fãs de Heavy Metal e esse é um trabalho que ambas as partes têm estado a desenvolver. Temos recebido feedback positivo e de certa forma despertando a curiosidade para este “casamento” entre os Heavenwood e a Listenable Records.

 

Ruído Sonoro: Já têm concertos de divulgação do Abyss Masterpiece marcados ou em estudo para o território nacional?
Ricardo Dias: Para já, estamos na fase de preparação do concerto enquanto efectuamos esta fase de promoção com inúmeras entrevistas para todo o mundo. O dia dos concertos chegará, mas para já não estamos interessados em colocar “a carroça à frente dos bois”.

 

Ruído Sonoro: Tendo surgido poucos anos antes dos Heavenwood, os Moonspell, com quem recentemente partilharam o palco, já têm renome internacional. Muitos consideram que os Heavenwood têm a capacidade e a qualidade necessárias para igualar o feito, apesar do hiato de 10 anos que congelou o vosso nome no tempo. Os vossos objectivos passam por quebrar este gelo e aquecer a alma dos metaleiros de todo o mundo, ou vão preferir ser mais discretos e partilhar as vossas melodias com um grupo mais restrito de ouvintes (por exemplo, ficarem-se pela Europa)?
Ricardo Dias: Abyss Masterpiece será lançado no mercado americano também, em Março. Pela primeira vez, iremos ter a nossa música espalhada pelos cantos do mundo, desde a Austrália, mercado Oriental, entre outros. Não temos objectivos de igualar ou superiorizar feitos, cada um tem o seu caminho e deve sim continuar a construir o seu destino. Além do mais, existe uma relação de extremo respeito, consideração e velha amizade entre os Heavenwood e os Moonspell. Na minha óptica, são a melhor banda nacional no que respeita a um todo, são um exemplo de trabalho honesto e, acima de tudo, lamento por vezes serem menos reconhecidos no seu país de origem. Eles são um estandarte do conceito Heavy Metal Português lá fora e ponto final.

 

Ruído Sonoro: Para terminar, que banda emergente destacam no panorama do metal nacional?
Ricardo Dias: Existe talento e ferramentas de trabalho, gravação e promoção, uma vez que a net é uma excelente (e gratuita) forma de promover o trabalho de qualquer banda nacional além fronteiras. Existem low cost flights, existem inúmeras bandas interessadas em permutas, mas no final de contas existem mais bandas do que simples fãs e aí reside, provavelmente,  a dificuldade de uma banda portuguesa se afirmar entre milhões de bandas por esse mundo fora. Temos exemplos de trabalho com sabor a vitória, tais como os Ava Inferi e os Corpus Christii. Ambos têm em comum o background ou vasta experiência/conhecimento de como as coisas funcionam. Não chega gravar uma maquete digitalizada/editada, ter 1000 amigos no Facebook e tocar sempre para os mesmos dentro do mesmo círculo. Se pretendem furar, há que ser mais audaz, há que trabalhar com uma visão muito mais ampla do que pretendem atingir e isso demora anos, muito anos. Acredito que com o passar do tempo, alguns projectos serão filtrados e destacados da cena nacional, conseguindo então “competir” onde tanto desejam. Espero sinceramente que sim, pois a imagem da nossa cena em termos de media e editoras é fraca, segundo tenho constatado ao longo destes anos. Os gregos deram o salto e os franceses também, por isso…
Obrigado pela entrevista e em nome dos Heavenwood um forte abraço musical, não deixem de estar a par das novidades emwww.myspace.com/heavenwood.

 

Entrevista respondida a 07/02/2011